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O número de famílias que adota a educação domiciliar no Brasil tem crescido 55% a cada ano, segundo a Aned.| Foto: Annie Spratt/Unsplash

A discussão sobre o homeschooling no Brasil ganha terreno aos poucos no Congresso e na sociedade, com projetos de lei tramitando na Câmara dos Deputados e em alguns estados e municípios, enquanto mais famílias aderem informalmente à prática.

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A pandemia da Covid-19 ajudou a aumentar o interesse por esse modelo de educação. A Associação Nacional de Educação Domiciliar (Aned) diz que, em 2020, recebeu cerca de 30 consultas diárias de famílias buscando informações sobre o homeschooling, três vezes mais do que em 2019. Em média, o número de famílias que adota a educação domiciliar no Brasil tem crescido 55% a cada ano, diz a Aned.

Hoje, o principal projeto na Câmara sobre o homeschooling é o PL 3179 de 2012, ao qual já foram apensadas várias propostas que tramitavam sobre o assunto. Há a expectativa de que a votação em plenário desse projeto ocorra ainda neste ano.

Em maio, um substitutivo foi apresentado pela deputada Luisa Canziaini (PTB-PR), relatora do PL, com novas sugestões para a regulamentação do ensino domiciliar no Brasil, mas alguns deputados consideraram a proposta muito restritiva para as famílias educadoras.

Em junho, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) aprovou outro projeto, o PL 3262/19, que quer modificar o Código Penal e retirar a educação domiciliar da lista de crimes de abandono intelectual. A autoria do projeto é da deputada Chris Tonietto (PSL-RJ).

“É um projeto importante no sentido de que estamos ganhando espaço. É bem verdade que não temos pessoas condenadas por abandono intelectual por causa do homeschooling. Acompanhamos centenas de famílias pelo Brasil que foram processadas. Até hoje, por prática do homeschooling, não temos no Brasil notícia de nenhuma família processada e condenada por abandono intelectual”, afirma Rick Dias, presidente da Aned.

Por enquanto, o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) é que o homeschooling não deve ser admitido no Brasil enquanto o Congresso não editar uma lei que regulamente a prática. Ainda assim, em casas legislativas estaduais e municipais, propostas sobre homeschooling continuam surgindo e, em alguns casos, virando motivo de batalhas na Justiça.

Para Carlos Xavier, diretor jurídico da Aned, todo este movimento é positivo para o homeschooling, mesmo que o objetivo final ainda pareça distante. “Apesar de não garantir segurança jurídica, que é o grande objetivo, tem um efeito social bastante positivo, que é o de trazer a educação domiciliar para o debate público. Mais pessoas tomam conhecimento dessa questão”, afirma.

Confira a situação de algumas propostas sobre o homeschooling em estados e municípios.

Distrito Federal é único lugar do Brasil com legislação sobre homeschooling aprovada e sancionada

Entre as unidades da federação, o Distrito Federal é a única que tem uma legislação sobre homeschooling já aprovada por parlamentares locais e pelo governo. A lei que regulamenta o homeschooling no DF foi sancionada pelo governador Ibaneis Rocha em dezembro de 2020.

O texto final desagradou muitas famílias que promovem o ensino domiciliar, insatisfeitas com o nível de influência do Estado previsto no documento, mas foi visto por alguns defensores da prática como o único consenso possível no atual momento.

Na opinião de Xavier, a lei do Distrito Federal “acabou ficando com um texto muito ruim”. “Foi um texto que acabou sendo bem contrário às pretensões das famílias e que ainda não foi regulamentado. Se ele for regulamentado com as restrições que o texto já sinalizou, provavelmente as famílias educadoras do Distrito Federal vão permanecer na informalidade”, diz.

Mesmo com as concessões feitas para facilitar a aprovação, há uma batalha judicial em curso. O Sindicato dos Professores no Distrito Federal (Sinpro-DF) entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) na Justiça do Distrito Federal contra a lei aprovada.

O sindicato justifica a ação lembrando a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de atribuir a matéria ao Congresso. Diz ainda que “fica claro que setores minoritários da população querem usar o dinheiro público para criarem um feudo para seus filhos, sem convivência social, sem diversidade de raças, gênero, classes sociais, pluralidade de ideias, liberdade de cátedra”. Em fevereiro, a Associação Nacional de Educação Católica do Brasil (Anec) pediu ingresso na mesma ação.

Paraná tem projeto aprovado na CCJ; em SC, projeto cai na Comissão de Educação

Um projeto que regulamenta o ensino domiciliar no Paraná, assinado por 37 deputados estaduais, foi aprovado em junho de 2021 na Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia Legislativa paranaense.

O projeto ainda precisa ser analisado pela Comissão de Educação antes de ser submetido a deliberação em plenário. A alta adesão de parlamentares como signatários do projeto indica que o apoio à proposta, em caso de votação em plenário, será relevante.

O texto prevê supervisão e avaliação periódica de alunos pelos órgãos próprios dos sistemas de ensino, indica a realização de fiscalizações pelo Conselho Tutelar para coibir abusos, e assegura a igualdade de condições e direitos entre os alunos do ensino escolar e do ensino domiciliar.

Em Santa Catarina, um projeto de lei complementar do deputado Bruno Souza (Novo) para regulamentar o ensino domiciliar no estado foi aprovado na CCJ. Mas, dias depois, o mesmo projeto foi rejeitado pela Comissão de Educação.

Rio Grande do Sul teve lei aprovada na Assembleia Legislativa, mas vetada por governador

Em junho, a Assembleia Legislativa do Rio Grande Sul aprovou um projeto de lei para regulamentar a educação domiciliar no estado. A proposição, de autoria do deputado Fábio Ostermann (Novo), teve 28 votos favoráveis e 21 contrários.

Mas, no começo de julho, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), vetou integralmente o projeto. Para o governador, a educação domiciliar só pode ser regulamentada por lei federal.

Ao proclamar o veto, ele citou a decisão de 2018 do Supremo Tribunal Federal (STF) que atribui ao Congresso nacional a função de legislar sobre o tema. “Em que pese ser meritório, o Projeto de Lei de iniciativa do Deputado Fábio Ostermann deve ser vetado por razões de constitucionalidade (…) Sob o aspecto jurídico, o Projeto padece de vício dada a competência privativa da União para legislar sobre a matéria”, justificou Leite.

O projeto de Ostermann previa que as famílias que optassem pelo ensino domiciliar deveriam informar essa escolha para a Secretaria Educação do RS por meio de um formulário próprio. Estabelecia ainda que as famílias deveriam manter um registro das atividades pedagógicas desenvolvidas com os estudantes. Esses dados deveriam ser apresentados sempre que forem requisitados.

O texto ainda indicava que os alunos seriam avaliados por meio de provas institucionais aplicadas pelo poder público. A fiscalização das atividades escolares desenvolvidas em casa e o cumprimento das normas previstas na legislação ficaria sob responsabilidade do Conselho Tutelar e das secretarias estadual e municipal de educação.

São Paulo tem projeto sobre homeschooling com tramitação lenta

Em São Paulo, um projeto de lei de 2019 recebeu parecer favorável da Comissão de Constituição, Justiça e Redação no mesmo ano. Mas, desde então, está parado na Comissão de Educação e Cultura. Em maio de 2021, a deputada estadual Janaina Paschoal (PSL) solicitou a tramitação do projeto em regime de urgência.

O governo do estado já deu sinais de que poderia receber com restrições uma eventual aprovação da lei. Há alguns meses, quando o Congresso nacional sinalizou que a tramitação do PL 3179/12 poderia avançar, o Conselho Estadual de Educação de São Paulo se antecipou à discussão e aprovou uma diretriz estabelecendo regras para famílias que optam pelo homeschooling, entre as quais a necessidade de matricular os estudantes na rede estadual ou municipal de ensino.

A tramitação ainda está lenta, mas está acontecendo na Assembleia Legislativa e na Câmara dos Vereadores. Na Alesp, já houve parecer favorável da Comissão de Constituição e Justiça. Na Câmara dos Vereadores, foi aprovado em primeiro turno.

Municípios também tem leis sobre homeschooling aprovadas, mas judicializadas

No fim de julho, a Câmara Municipal de Sorocaba (SP) aprovou um projeto de lei que autoriza o ensino domiciliar para a educação básica. O PL é uma homenagem à estudante sorocabana Elisa Flemer. Adepta do ensino domiciliar, ela foi aprovada em 5º lugar no curso de Engenharia Civil da Universidade de São Paulo (USP), mas foi impedida pela Justiça de fazer sua matrícula por ter concluído o Ensino Médio em homeschooling.

Em Cascavel (PR), uma lei sobre homeschooling foi promulgada pela Câmara Municipal em setembro do ano passado. No entanto, em junho de 2021, o Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) estabeleceu que a lei é inconstitucional. A decisão poderá afetar também os municípios paranaenses de Toledo, que sancionou uma lei parecida em dezembro de 2020, e Guaíra, que regulamentou o homeschooling em abril de 2021.

Em Vitória (ES), primeiro município do Brasil a ter uma lei sobre ensino domiciliar aprovada, em 2019, também houve judicialização da questão. Em abril daquele ano, a Câmara de Vereadores da capital capixaba havia aprovado o projeto de lei, mas ele foi vetado pelo então prefeito da capital capixaba, Luciano Rezende (Cidadania). Em agosto de 2019, a Câmara Municipal derrubou o veto e promulgou a lei. A Prefeitura, então, entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Tribunal de Justiça contra a lei, que foi suspensa por liminar.

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