As semanas que se seguem à ofensa homofóbica que o deputado federal André Janones (Avante-MG), aliado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), dirigiu ao colega Nikolas Ferreira (PL-MG) durante audiência na Câmara dos Deputados no final do mês passado, em 28 de março, trouxeram um detalhe interessante: as principais entidades LGBT, de abrangência nacional, evitaram se manifestar sobre o assunto. Outras autoridades, partidos e parlamentares que costumam se posicionar sobre temas correlatos também ignoraram o episódio.
A ausência de notas de repúdio ou denúncias à Justiça causa estranheza, uma vez que o próprio Nikolas Ferreira foi alvo de uma série de medidas desse tipo no último dia 8 de março após ter protagonizado um episódio, em uma sessão na Câmara, em que colocou uma peruca loira e intitulou-se “deputada Nikole” para fazer críticas à ideologia de gênero.
Na ocasião, associações representativas da comunidade LGBT, como a Aliança Nacional LGBTI+ e a Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas, acionaram o Supremo Tribunal Federal (STF) por meio de uma notícia-crime contra o deputado. A bancada do PSOL na Câmara também ingressou com uma notícia-crime no STF por suposta transfobia e chegou a pedir a cassação do mandato do parlamentar. Outras entidades, como o Ministério Público Federal (MPF), divulgaram notas de repúdio à fala do deputado do PL. As declarações de Ferreira motivaram, ainda, uma “reprimenda pública” do presidente da casa, Arthur Lira (PP-AL), por “exibicionismo” e “discurso preconceituoso”.
A deputada Tabata Amaral (PSB-SP), uma das que assinaram pedido de cassação do mandato de Nikolas Ferreira por suposta transfobia, foi outra que ignorou o episódio. No dia seguinte à ofensa, pelo Twitter, ela compartilhou uma publicação que questionava seu silêncio quanto ao caso acrescentando uma frase irônica: “Estou trabalhando”, disse a deputada.
Já o deputado alvo das ofensas de Janones questionou o duplo padrão de tratamento em relação a supostos discursos homofóbicos: “A tara da esquerda é acusar hétero de ser gay. Usam a homossexualidade como ofensa”, questionou o deputado pelas redes sociais.
Ofensa homofóbica não foi advertida por deputado petista que conduzia a audiência
A ofensa de cunho sexual ocorreu durante a audiência na Câmara dos Deputados com a presença do ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino. Durante o tempo que Nikolas Ferreira dispunha para fazer sua pergunta ao ministro, Janones chamou o colega de “chupeta” e “chupetinha” seguidas vezes (veja o vídeo).
“Ó o chupetinha tumultuando”, disse Janones em uma das interrupções. Após Ferreira pedir que a contagem do tempo fosse parada devido à interrupção, o aliado de Lula prossegue: “Nikole! Deixa a Nikole falar”. “Posso continuar?”, pergunta o parlamentar do PL ao deputado Rui Falcão (PT-SP), presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que conduzia a audiência. “Vai, chupetinha”, grita novamente Janones.
Ao ser interceptado mais uma vez, Ferreira interrompeu sua fala e passou a questionar o teor das ofensas. “Presidente, só uma questão antes do meu tempo. Se eu faço isso aqui com qualquer deputado, me colocam no Conselho de Ética. Todo mundo aqui é adulto para poder ver que isso aqui aconteceu. Então, presidente, que o senhor tome alguma decisão quanto a isso, porque se fosse o contrário estava todo mundo ovulando já. Vamos ser no mínimo justos”.
Novamente, no meio desta fala, Janones o interrompe. “Cala a boca e fala logo, rapaz” e “parabéns, chupeta”, diz, com o microfone aberto enquanto todos os demais haviam sido silenciados pelo presidente da CCJ, que não advertiu o parlamentar ofensor.
Alcunha “chupetinha” foi criada após Janones relacionar Nikolas Ferreira a vídeo pornográfico falso
O emprego das palavras “chupeta” ou “chupetinha” em relação a Nikolas Ferreira teve início durante a campanha eleitoral do ano passado, semanas antes da votação em segundo turno para a presidência. Enquanto Janones atuava nas redes sociais como um dos principais cabos eleitorais de Lula, Ferreira fazia campanha para o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Em uma das várias postagens polêmicas, o parlamentar pró-Lula compartilhou um vídeo pornográfico em que apareciam dois homens fazendo sexo oral. Como um dos atores tinha semelhança física com Nikolas Ferreira, Janones passou a afirmar nas postagens que era o parlamentar rival quem participava da cena, o que resultou em uma série de compartilhamentos. O caso ganhou espaço em alguns veículos de imprensa, que não apontaram diretamente que se tratava de uma correlação falsa.
Mesmo assim, nos dias seguintes Janones dirigiu seguidamente ironias relacionadas a sexo oral ao colega parlamentar. “Mete a boca Nikolas”, disse em uma publicação. “Isso aí, abre a boca. Você já aguentou muita porra calado. Força!”, escreveu em outra postagem. Dias depois, o deputado começou a usar a palavra “chupetinha” em referência a Ferreira.
Agora, entretanto, o apoiador de Lula nega que o emprego da ofensa tenha a ver com conotação sexual. Em nota divulgada pelo Twitter nesta tarde, o parlamentar disse que “o apelido chupeta, até onde sei, não tem qualquer relação com a orientação sexual do deputado bolsonarista”.
Segundo Janones, quem teria criado o rótulo seria o influenciador Felipe Neto, que também fez campanha eleitoral para Lula. No mês passado, Neto passou a fazer parte de um grupo de trabalho criado pelo Ministério dos Direitos Humanos, do governo federal, que teria como objetivo combater “discursos de ódio”. O próprio influenciador, entretanto, ignorou a conotação homofóbica da fala de Janones e foi às redes sociais comemorar a declaração: “Ver o Brasil inteiro chamando esse mlq de chupetinha é um dos maiores orgulhos q tenho na vida”, tuitou. Felipe Neto é um dos entusiastas da regulamentação das redes sociais, defendida pelo governo Lula. Para ele, a medida reduziria ofensas e discurso de ódio na internet.
PL levará caso ao Conselho de Ética; deputado processa Janones por homofobia
No dia seguinte à agressão, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) anunciou, pelas redes sociais, que o Partido Liberal (PL) faria uma denúncia no Conselho de Ética da Câmara contra André Janones, o que ainda não ocorreu. "Telefonei de manhã para o presidente Valdemar do PL, legitimado a representar no conselho de ética, e ficou acertado que o PL ingressará contra o dep. Janones no conselho de ética. Outras medidas estão sendo estudadas também", afirmou Eduardo Bolsonaro.
Já o deputado Paulo Bilynskyj (PL-SP) informou que protocolaria uma denúncia ao STF e à Procuradoria-Geral da República (PGR) pela prática do crime de homofobia. “Ontem vocês presenciaram na CCJ o absurdo de o André Janones chamando o deputado Nikolas de chupetinha. Nós não vamos tolerar esse tipo de comportamento. A denúncia foi feita. André Janones vai responder pelo crime de homofobia”, disse.
Condenado por fake news, Janones coleciona discursos de ódio nas redes sociais
Nas eleições do ano passado, André Janones assumiu a linha de frente de uma campanha eleitoral pró-Lula pela internet em que defendeu enfaticamente o uso de fake news contra a campanha do rival, Jair Bolsonaro (PL). Segundo ele, uso de fake news, a linguagem sensacionalista e a radicalização do debate serviriam para “combater o fascismo e a extrema-direita”.
Em uma das notícias falsas divulgadas pelo deputado, a Justiça Eleitoral determinou a exclusão da postagem quando a mensagem já havia sido compartilhada mais de 5 mil vezes somente no Twitter.
Uma radicalização ainda maior veio após o resultado do primeiro turno. Em publicações diversas, o deputado fez acusações ou suposições, sem provas, de que Bolsonaro seria agressor de mulheres e praticante de canibalismo, que reduziria o salário mínimo em eventual novo mandato e que teria feito um “pacto” na maçonaria – esta última fake news tinha com foco aumentar a rejeição do ex-presidente pelo eleitorado cristão.
Janones também tentou cunhar em Bolsonaro o rótulo de pedófilo, assim como fez com o próprio Nikolas Ferreira. Em ambos os casos, a narrativa ficou apenas na especulação e as provas nunca apareceram.
Durante a campanha, o deputado sustentou diversas vezes que eventual vitória de Lula contra Bolsonaro significaria o “amor vencendo o ódio”. No entanto, dias após o resultado das urnas, no qual Lula saiu vencedor, o parlamentar fez uma série de postagens nas redes socais em que se refere a eleitores que votaram em Bolsonaro como “raça maldita” a ser eliminada.
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