Sob intervenção judicial desde dezembro de 2014, O Hospital Evangélico deve levar mais uma década para se reerguer. A instituição está afogada em dívidas que somam um total de R$ 346 milhões. Mantendo o atendimento a quase um milhão de pessoas por ano, a situação financeira está longe de ser sanada. Dívidas trabalhistas, bancárias e tributos atrasados, além dos valores destinados à manutenção mensal, colocam o hospital em estado de alerta.
Para dimensionar o tamanho do rombo, mesmo se, hipoteticamente, o Evangélico vendesse hoje todos os seus bens, um valor de R$ 277 milhões ficaria sem ser pago. “Diante desta situação, a intervenção não tem prazo para terminar e pode durar mais 10 anos”, afirma o juiz da 9ª Vara do Trabalho de Curitiba, Eduardo Baracat, responsável pelo processo.
Segundo ele, a bagunça administrativa encontrada na instituição, que era mantida pela Sociedade Evangélica Beneficente (SEB), era enorme. O processo de fim da intervenção só será viável, de acordo com Baracat, quando a instituição conseguir manter uma saúde administrativa. “Não adianta pagar as contas e deixar uma herança contábil que não seja confiável”, explica.
Trabalhistas
O hospital, cujo atendimento é destinado a 95% dos pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS), possui quase R$ 80 milhões só de dívidas trabalhistas sentenciadas nas 23 Varas do Trabalho da capital. “Tem um valor parecido a receber do Ministério da Saúde referente a uma quantia que não foi paga anos atrás”, conta Baracat. Foi entrado com um pedido junto à Justiça Federal para disponibilizar esse recurso para quitar os encargos trabalhistas.
Apesar das dificuldades atuais, a procuradora do trabalho Patrícia Blanc Gaidex afirma que se a intervenção for concluída imediatamente, há o risco do Evangélico fechar. “A importância do hospital para a sociedade fez com que tomássemos medidas para mantê-lo em funcionamento e motivou o pedido de intervenção”, lembra. Ela ressalta que não há registros oficiais de que a SEB ou as igrejas associadas tenham destinado dinheiro ao hospital.
Contra o tempo
Outra situação que preocupa são as dívidas que totalizam R$ 75 milhões oriundas de sete empréstimos bancários realizadas em gestões anteriores. O vencimento deste montante começa neste mês e o total a ser pago mensalmente é de R$ 2,3 milhões. O faturamento mensal da instituição é de R$ 9,5 milhões. Além disso, R$ 5 milhões devem ser destinados para pagar salários e honorários médicos.
“A conta não vai fechar e não existe recurso para isso. Temos ainda que pagar fornecedores e manutenção. A primeira conta que termina de pagar será daqui um ano e a última só em 2023”, relata o interventor Carlos Motta. Segundo ele, o objetivo atual é trabalhar para não fabricar mais prejuízos. “Temos que aprender a viver com o orçamento atual e não fazer mais empréstimos”.
Certidão negativa
A procuradora do trabalho Patrícia Blanc Gaidex conta que o Evangélico conseguiu certidão negativa na Receita Federal por ter aderido ao ProSus, que objetiva o reestruturamento das entidades hospitalares filantrópicas, beneficiando-as com a adesão e remissão de dívidas tributárias federais vencidas. Por isso, emendas parlamentares de anos anteriores que estavam proibidas de serem sacadas nas contas bancárias podem voltar a ser utilizadas. Duas dessas emendas, inclusive, já foram utilizadas para compra de equipamentos de endoscopia e monitores de UTI. O montante dessas dívidas era de R$ 170 milhões.
Salários e honorários
O interventor Carlos Motta afirma que os salários e honorários médicos estão quase regularizados. Isso porque o pagamento que deveria ser efetuado no 5.º dia útil está ocorrendo perto do 20.º dia útil. “Mas não há mais atrasos mensais que é o que ocorriam”, afirma. O diretor clínico Gilberto Pascolat confirma que os honorários médicos estão “quase em dia” desde outubro do ano passado.
Atendimentos públicos
O interventor Carlos Motta e o diretor técnico do hospital, Maurus Serpe, destacam que mesmo diante de dificuldades administrativas o Evangélico superou das metas contratualizadas com a Secretaria Municipal de Saúde para atendimentos e procedimentos médicos. Antes da intervenção, o Evangélico não conseguia atingir 80% da meta, patamar mínimo para receber integralmente os recursos do SUS. “Hoje, a produtividade atingiu 120% da meta. Isso se deve a recuperação da confiança de todo quadro clínico e funcional”, afirma Serpe. Cerca de 370 médicos e 1,7 mil funcionários atuam na instituição. Dos 439 leitos ativos, 373 são ocupados por pacientes do SUS.
Outras investigações estão em trâmite
Há inquéritos instaurados no Ministério Público do Paraná (MPPR), que atua em parceria com outros órgãos – como o Ministério Público Federal e o do Trabalho – que apuram eventuais outras irregularidades nas áreas de saúde e de patrimônio público do Hospital Evangélico
Um desses inquéritos civis públicos em trâmite no MPPR verifica denúncias a má gestão, a falta de pagamento de honorários, salários e tributos por parte da Sociedade Evangélica Beneficente, que era mantenedora do Hospital Evangélico.
Segundo o próprio interventor, Carlos Motta, há suspeitas de irregularidades que ele enviou para órgãos competentes. Um desses casos era a cobrança por parte de empresas que alegavam ter prestado determinado serviço, mas sequer tinham nota para comprovar. “Todas essas situações encaminhei a essa força-tarefa para apurar cada situação”, afirma.
Presidente da SEB culpa gestões anteriores e quer voltar ao Hospital
O presidente da SEB, João Jaime Nunes Ferreira, afirma que a má administração que resultou na intervenção é resultado de políticas adotadas em gestões anteriores da Sociedade. Ele ainda reforça o interesse da SEB em voltar a administrar o Evangélico. “A razão pela qual a SEB iniciou este serviço há mais de 70 anos permanece, que é o atendimento aos mais necessitados”, diz.
Ferreira alega que na sua gestão “a SEB entendeu que o modelo adotado pela gestão anterior, nos mais de 20 anos de duração, precisava ser rompido ao extremo”. “A causa preponderante [para a interdição] foi a demora na adequação da SEB ao modelo moderno de administração”, completa.
Segundo ele, é importante frisar também que não foi apenas a “desastrada condução política” de gestões anteriores que culminou com a atual situação, mas também a falta de reajuste da tabela paga pelo SUS aos serviços prestados. “É uma remuneração não condizente com os serviços prestados à população, em sua extremada maioria, usuários do SUS”.
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