Resistência
Jovem vira projecionista para unir os sistemas analógico e digital
Engana-se quem pensa que apenas senhores seguem na profissão de projecionista: há jovens atraídos pela magia do cinema. Daniel Silveira Souza, 34 anos, trabalha há 2 anos na Cinemateca Brasileira em São Paulo. "Vi na profissão uma oportunidade, uma necessidade de fazer parte de uma resistência já que está desaparecendo, mas ao mesmo tempo tentando ser uma espécie de visionário, como quem quer provar ao mundo que existe alguma cabeça que vê a co-existência dos sistemas analógico e digital."
Responsável pelas projeções da cinemateca, Souza ministra cursos. A convite da Fundação Cultural, falou em Curitiba sobre esse período de transição, o funcionamento dos sistemas analógico e digital e discutindo o futuro da profissão. "A ideia é mostrar para projecionistas da velha guarda que bits não são perigosos quando sabemos manipulá-los e que não adianta problematizá-los quando dependemos desse conhecimento para prosseguir." (FT)
Desde que Cid Linhares começou a trabalhar, em 1966, muita coisa mudou nas salas de projeção de cinema. Os projetores não são mais de carvão, os rolos de filme estão dando espaço para a reprodução digital, o espaço encolheu, a quantidade de pessoas envolvidas na atividade diminui e é proibido fumar em ambientes fechados. "Quem trabalha aqui é um solitário. Os melhores amigos do projecionista eram o café e o cigarro", resume Linhares, de 61 anos.
Atualmente, ele trabalha no Cine Guarani, espaço mantido pela Fundação Cultural de Curitiba, e deve se despedir da profissão em fevereiro, quando planeja se aposentar. Parar de trabalhar, no entanto, não está nos planos: já foi convidado para supervisionar a projeção de uma rede de cinema de shopping.
Linhares rodou o Brasil e, mais do que as mudanças tecnológicas, também assistiu a uma transformação cultural. "A coisa mais gostosa do meu tempo de cinema era ver a pessoa ter reação, sentir o cheiro de cinema. Hoje não existe mais. Está se perdendo a essência", diz.
Foi numa projeção, inclusive, que conheceu sua mulher. Era uma matinada e a sala tinha um cheiro gostoso, de perfume. Em um intervalo, ele desceu, olhou para a mulher e começaram a conversar. Foi um pulo para virar um namoro e, por fim, um casamento. Os dois estão juntos há 43 anos.
Amor
Linhares se orgulha de nunca ter danificado um só rolo de filme. "Os filmes eram muito fracos e pegavam fogo", explica. Segundo ele, o ritual da projeção é simples. Cada filme vem em cerca de cinco rolos de película fotográfica. É o operador que monta e revisa todas as produções antes de colocar no projetor e passar para o público.
Às vezes, as coisas não saíam como o esperado. Entre 1969 e 1970, época que ele chama de epidemia de faroeste, o cinema em que trabalhava tinha três projetores, que recebiam os rolos individualmente. Três passaram sem problema, mas o quarto tinha uma sequência de luta de espadas, sem qualquer relação com o filme. "Foi um griteiro no cinema. Subiu gerente para reclamar, mas a culpa não era minha. O rolo veio trocado de outro cinema, porque eles traziam de bicicleta. Era uma confusão."
Por suas mãos passaram as projeções de clássicos do cinema, como Ben-Hur, e sucessos de bilheteria, como Ghost. O primeiro é um de seus filmes preferidos, junto com outros épicos, como Os Dez Mandamentos e O Rei dos Reis. Já o blockbuster... "Foi um saco. Ghost ficou um ano e meio passando. Eu não aguentava mais."
Embora tenha amor pelo cinema, Linhares revela que não gosta de assistir filmes nas horas de folga. No salão então, nem pensar. "É porque se eu vejo algum defeito, comento", conta rindo ao lembrar que isso de falar mal de filmes é uma das coisas que foi ensinado a nunca fazer.
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