Elo fraco?
Um consenso ganhou argumentos contrários fortes com a pesquisa. O lugar comum aponta o motociclista e o pedestre como pontos fracos do trânsito. Mas, de acordo com a análise dos acidentes, eles foram os principais responsáveis pelos acidentes que os vitimaram. "Isso mostra que no trânsito todo mundo precisa cuidar de si, sem transferir responsabilidade", alerta Cassiano Novo, da Setran.
Causas
Velocidade e pista ruim são fatores de risco
A pesquisa focou os acidentes com vítimas ocorridos dentro do perímetro de Curitiba, o que inclui também trechos de rodovia, como a Linha Verde. Foram 34 acidentes em rodovias analisados no período. Velocidade e problemas de infraestrutura disputam cabeça a cabeça o posto de maior fator de risco, seguido de perto pelo álcool. O trânsito em local impróprio é a principal conduta de risco. Nesse campo estão os pedestres que, por falta de passarela, têm que atravessar a pista em meio a automóveis trafegando em alta velocidade.
Em ruas e avenidas foram identificados e analisados 49 acidentes. O mesmo tripé álcool-velocidade-infraestrutura se repete como fator de risco, mas com o consumo de bebida mais à frente, acumulando 136 pontos no levantamento. Entre as condutas de risco, o desrespeito à sinalização é o mais frequente, somando 150 pontos na análise ponderada.
Passados quinze anos da implantação do Código de Trânsito Brasileiro, um comportamento aparentemente erradicado das ruas de Curitiba segue contribuindo para ceifar vidas de forma trágica. A falta de uso do cinto de segurança foi a responsável pela morte de, no mínimo, quatro pessoas ao longo do primeiro semestre de 2012. Pode parecer pouco, principalmente se comparado aos 144 acidentes com óbito no período analisado.
O estudo constatou que a falta do cinto é o caso mais recorrente de proteção inadequada em veículos inclusive no banco da frente. O dado faz parte de um extenso levantamento conjunto, feito por oito órgãos públicos, com o objetivo de detectar as causas conjuntas dos acidentes e, com isso, criar políticas públicas de prevenção mais focadas.
A falta do cinto em algumas vítimas foi uma das constatações que mais surpreenderam os pesquisadores. "Precisamos resgatar alguns bons costumes que o curitibano havia adotado, mas que, com o tempo, foram se perdendo", diz Cassiano Ferreira Novo, diretor do Departamento de Educação da Secretaria Municipal de Trânsito (Setran). Ele lembra que as campanhas educativas são muito eficientes em gerar melhorias iniciais, mas que acabam sendo gradualmente abandonadas por falta de reiteração.
Outro dado que surpreendeu os pesquisadores foi a quantidade de motociclistas mortos em acidentes não tinham habilitação. Não são apenas condutores com carteiras vencidas ou cassadas, mas principalmente pessoas que jamais fizeram o teste no Detran. "Em várias ocasiões, a polícia chegou ao local e não conseguiu encontrar o documento para poder identificar a vítima", lembra Vera Lídia Oliveira, coordenadora de vigilância de acidentes e violências da Secretaria Municipal da Saúde. No caso dos motociclistas, o desrespeito à sinalização e o trânsito em local proibido também renderam uma quantidade grande de pontos na análise das causas.
O álcool segue como um dos principais causadores de morte no trânsito, e não somente quando ingeridos por motoristas. A bebida é o segundo fator de risco identificado entre pedestres mortos por atropelamento. A conclusão do comitê é que os transeuntes alcoolizados avançam para a rua e são incapazes de permanecer alertas para a aproximação de veículos.
Os problemas com a infraestrutura da pista são o principal fator de risco para as vítimas a pé. "Tem muito a ver com o problema das calçadas. A pessoa não tem por onde andar e vai para a rua", ressalta Vera. Dos óbitos em que se detectou trânsito por local impróprio, em mais de 70% dos casos a conduta de risco foi adotada pelo pedestre. O uso de celular ou fone de ouvido por pedestres também foi identificado como causa de mortes.
80% dos óbitos foram analisados
Todas as terças-feiras pela manhã, uma dúzia de funcionários públicos se reúne em uma sala da Secretaria Municipal de Saúde. Usam farda, jaleco ou terno, dependendo do órgão que representam. O objetivo é fazer uma análise completa dos oito acidentes com óbitos (em média) que ocorreram naquela última semana. Eles conhecem as vítimas pelo nome e cada funcionário sabe precisar algum aspecto dos últimos momentos de vida das pessoas. O Instituto de Criminalística informa se ela bebeu ou não. O Batalhão de Polícia de Trânsito descreve a trajetória do veículo até a colisão. O Samu conhece detalhes do trauma. Cerca de 80% de todos os acidentes são "autopsiados". Dos outros, não há informação suficiente para preencher a tabela.
O trabalho vem sendo realizado desde o início de 2012 e só agora divulga suas primeiras conclusões. O motivo da aparente demora é inserir na conta vítimas que morreram dias ou semanas depois, no hospital, além de esperar por laudos mais aprofundados que requerem mais tempo.
Somatória de erros
O mais importante dessa metodologia, além da amplitude da análise, é entender que um acidente nunca tem apenas uma causa. Ocorrem por uma somatória de erro, negligência e desrespeito à lei. A metodologia foi desenvolvida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e faz parte do Projeto Vida no Trânsito, uma ação do governo federal iniciada em 2010, de maneira piloto, em cinco capitais brasileiras dentre elas Curitiba.
O projeto faz parte da ação global Road Safety in 10 Countries (Segurança no Trânsito em 10 países), capitaneada pela OMS nos dez países com mais mortes por acidente. Cada cidade deverá fazer um diagnóstico de seus problemas e apresentar planos de melhoria. Em Curitiba, foram selecionados dois grupos de risco principais: motociclista e pedestre. Para eles, serão lançados trabalhos em engenharia, fiscalização e educação.
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