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Dois adjetivos falam muito bem a respeito do ambientalista e professor João José Bigarella: incansável e comprometido. Aos 84 anos, completados há cerca de dois meses, Bigarella segue trabalhando como pesquisador, orientando teses e dando aulas e palestras por onde quer que o convidem. E promete continuar assim "até quando der". Além do compromisso com a educação e com o saber, o professor não perde a oportunidade para, com os conhecimentos obtidos na área da Geologia, defender o meio ambiente e fazer alguns alertas. E foi nesse clima preservacionista, numa tarde chuvosa de quarta-feira, que a reportagem conversou com Bigarella sobre suas experiências, educação, pesquisa científica no Brasil e meio ambiente.

Quando e como surgiu o seu interesse pela Ciência?

Foi na escola. Fiz o ginásio no Instituto Santa Maria e sou muito grato a meus professores, principalmente na área da Química, Física, Ciências Naturais. Eles estimularam muito as Ciências, porque eles iam freqüentemente no laboratório, faziam experimentos e isso despertou na gente um grande interesse pelo estudo. E, no caso das Ciências Naturais, havia também pequenas excursões que eram feitas. Desde o começo da juventude eu tive interesse em pesquisar, colecionava minerais, rochas. Isso acentuou mais quando eu entrei no Museu Paranaense e acompanhei as expedições do museu.

Atualmente, qual situação no Paraná tem sido objeto de preocupação ambiental para o senhor?

Olha, durante um certo tempo, eu fiz mapa geológico da Planície Litorânea e contei com o apoio muito grande do então administrador do porto, doutor Artur Miranda. Um dia, ele me perguntou o que eu achava da abertura da barra da Galheta, porque a barra norte da Baía de Paranaguá estava dando muitos problemas e, para alargar a barra, teria de dinamitar muitas rochas. Ele, por causa da profundidade, achava que seria melhor os navios passarem por aí, o que aconteceu. Eu disse a ele que seria interessante que nós fizéssemos um trabalho de análise e, então, coletamos cerca de 600 amostras em vários transectos, inclusive até a plataforma continental. Com o estudo, disse a ele que, na parte de Paranaguá para o mar, existia uma certa energia ambiental, mas, para dentro da baía, todo o sedimento que chegasse dificilmente iria ser levado para o mar e iria entupir todos os canais de navegação. Madereiros, que tinham acabado de desmatar as florestas do interior do estado, estavam querendo montar serrarias no litoral para usar as madeiras da Serra do Mar. Aí eu inclusive fiz uma palestra alertando sobre o perigo do desmatamento na Serra do Mar, que haveria muitos desmoronamentos e um entulhamento muito rápido da baía de Paranaguá, inviabilizando a navegação. Foi conseguido, na época, que fosse proibido desmatar. E isso era no governo autoritário. Começaram a desmatar, por exemplo, na Serra do Mar, a BR- 277. Então tiveram de fazer uma série de obras de contenção. E a gente sempre disse: "não pode desmatar a Serra do Mar, pelo problema da baía". Cada árvore que está lá é capital que não se gasta na dragagem dos canais. A dragagem tem de ser feita, naturalmente, mas muito menos. Ela não seria tão grave. Mas com o desmatamento, agora, os canais foram muito assoreados.

E qual é a situação atual na Serra do Mar? O que pode acontecer naquela área?

Quem desce para Paranaguá (pela BR-277), no lado direito, pode ver. Tem invasões de pessoas que estão construindo casas, estão desmatando, estão fazendo roça. Tudo isso causando um problema de segurança na própria rodovia. A rodovia, para cima, tem uma série de invasões. E ninguém se preocupa em proibir, nenhum órgão ambiental competente está agindo. Então esse é um perigo que na minha palestra eu vou chamar muita atenção. Ah, mas eles dizem que é um problema social. É um problema social daquela família, daquele grupo, mas vai causar um problema social muito pior para a comunidade. Outra coisa que se tem tentado fazer é o uso sustentável da floresta pelos invasores. Olha, eu não acredito nisso, porque uso sustentável exige alta tecnologia para manejo. E o pessoal que está lá não tem essa tecnologia. E o que vai acontecer? É a degradação.

Para o senhor, qual seria a saída para os problemas relacionados ao aquecimento global? O que o homem teria de mudar hoje?

Todos os dias, nós estamos assistindo a uma série de desastres que, antes, aconteciam de vez em quando. É uma coisa pavorosa, se está descontrolando o padrão de circulação da atmosfera. O desmatamento da Amazônia, por exemplo. Em princípio, ele vai provocar mais secas aqui. Talvez o Brasil contribua muito mais pelo desmatamento, e também através da indústria e da queima do petróleo. Hoje, a ONU está fazendo pressões. Agora, o poder econômico é um inimigo da luta pela diminuição do problema do aquecimento global. Eu não quero ser pessimista, mas eu acho que quando houver o despertar real, talvez seja um pouco tarde. Aí os malefícios causados pelo aquecimento sejam muito maiores.

Serviço: João José Bigarella ministra palestra amanhã sobre "BR-101 no Paraná – O futuro da biodiversidade na Serra do Mar Paranaense frente ao desmatamento e a construção de uma nova estrada no litoral". No auditório ANF 100 do Edifício Dom Pedro I da Reitoria da UFPR, às 19 horas. Inscrições e informações pelo e-mail: fepam.montanhismo@gmail.com. Entrada franca.

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