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Cecília Sueli Pratto, 65 anos, se arrepende de uma coisa na vida: o tempo em que viveu sem seus bichos e suas plantas. Foram duas décadas de insatisfação com a falta de espaço para plantar batatas ou criar galinhas. Até que passou a ocupar cinco mil metros quadrados na Vila Rural, Tatuquara, e voltou a se sentir em Herval Velho ou Campos Novos, cidades catarinenses em que foi criada.

Quando conversou com a reportagem da Gazeta do Povo, Cecília foi interrompida. Limpava cebolinhas. E tinha ainda uma tarde inteira pela frente. Afinal, cuida de cerca de 150 bichos, uma trabalheira sem fim. "Vamos lá, filho, anote aí: cabritos, coelhos, porcos, patos, peru, codorna, galinhas, galinhas-de-angola...", enumera. Uma Arca de Noé a cerca de 13 quilômetros de Curitiba, 30 minutos de ônibus. É o caminho da roça.

O que para essa entusiasta da vida rural – mesmo sendo vizinha da Petrobrás – é uma realidade, para o homem urbano convicto está se tornando um sonho de consumo. Cresce a olhos vistos o interesse do povo da cidade por produtos que carreguem a aura de natural, artesanal, feito com carinho e que, de quebra, preservem uma tradição do passado. "Quando compra um pote de doce feito em casa o consumidor está comprando uma história. São alimentos que agregam uma cultura", diz o agrônomo Luiz Gusi, 44 anos, da diretoria da Secretaria Municipal de Abastecimento (Smab), de longa data envolvido em políticas públicas de preservação e resgate da vida rural, a exemplo das feiras orgânicas.

O público que freqüenta as quatro feiras orgânicas da capital (serão nove até o final do ano) compram produtos in natura de 35 produtores. Não se trata de uma excentricidade. Os fregueses batem palmas para pequenos rituais interioranos que desfrutam ao adquirir um mero vidro de compota. "Os visitantes são chamados pelo nome. Conversam, perguntam do que é e como é feito. Faz uma diferença danada. É lúdico", festeja Gusi. Ao todo, existem 870 feirantes de produtos ditos naturais ou artesanais nos espaços gerenciados pela Smab.

Aprendizado

A "conquista do interior" está ganhando impulso, inclusive, no próprio interior. O Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), parte do sistema "S" (Senac, Sebrai e Sebrae), voltado quase que exclusivamente para o público da zona rural, oferece, cursos para ensinar a fazer queijos, embutidos e doces, entre outros (como catchup). Ano passado, foram 634 oficinas nessa área para 7.925 participantes. Em 2005, mais de três mil pessoas se inscreveram para aprender tarefas que seus avós fariam com os pés nas costas.

"Nas cidades pequenas, há um fascínio enorme pelo que vem da área urbana. E hoje há mais facilidade de acesso. Daí o abandono de certas tradições", avalia o agrônomo Élcio Chagas da Silva, 35, do programa Empreendedor Rural, do Senar. O serviço ajuda a mostrar que aquela laranja azeda e a abóbora que apodrecem no pé sem cumprir seu destino – virar doce, por exemplo – são recursos, não prejuízo para quem afia o facão e tira da despensa o panelão de cobre e o açúcar cristal. (JCF)

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