Escolas públicas ou particulares são proibidas de recusar qualquer tipo de aluno. Se o estudante tiver alguma necessidade especial, por exemplo, negar-se a matriculá-lo configura crime, inclusive. Diante disso, a escola precisa estar preparada. Temas como redução do número de alunos por turma, capacitação de professores, salas multifuncionais e flexibilização dos currículos e avaliações estão entre as metas e estratégias para melhorar a educação.
Esses e outros assuntos foram tema da Conferência Municipal de Educação, realizada no último fim de semana em Curitiba. O evento foi uma das etapas de construção coletiva do Plano Municipal para o setor, que servirá como base para a elaboração de um projeto de lei sobre o tema. Estados e municípios devem elaborar, aprovar e publicar seus respectivos planos até 26 de junho, quando faz um ano da publicação do Plano Nacional de Educação (PNE).
As ações relacionadas à educação especial remetem à meta 4 do PNE, que trata da inclusão de crianças e jovens, entre 4 e 17 anos, com deficiências, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação nas escolas regulares.
A psicóloga Maria de Fatima Minetto, mestre em Educação e doutora em Psicologia, defende que, para que a inclusão ocorra, muitas reflexões e modificações precisam acontecer tanto no âmbito escolar como familiar, acompanhando as mudanças sociais e científicas. Sendo assim, a participação das famílias e da comunidade escolar nas conferências é fundamental.
Maria de Fatima, que é especialista em educação especial, participou da construção das propostas de educação inclusiva nas plenárias da Conferência. Além de ter atuado por 28 anos na rede municipal de ensino de Curitiba, ela atualmente é professora do programa de pós-graduação em educação da UFPR e autora do livro O currículo na escola inclusiva: entendendo esse desafio. Veja trechos da entrevista:
O que precisa ser pensado para que a escola se torne realmente inclusiva?
A inclusão escolar não consiste em colocar criança com necessidades educativas especiais no ensino regular. Além da formação continuada de professores, das salas de recursos multifuncionais, a inclusão exige uma flexibilização do currículo. Isso é muito delicado e exige um pensamento da escola em conjunto com a família. Além, é claro, de uma análise individual de cada caso. Não posso incluir uma criança que tem necessidades educacionais especiais e esperar que ela, com suas particularidades, siga o mesmo “caminho” que os demais. Isso gera angústia para todos. Flexibilizações, modificações, adequações e adaptações de currículo podem implicar em muitas coisas como: mudança no tempo das atividades, modificações das atividades, mudança nas avaliações, às vezes retenção ou progressão conforme o caso.
Como saber se um aluno está sendo incluído de fato no ensino regular?
Aí temos um dos maiores problemas quando a escola ou a família não entende que estamos falando de casos particulares e a inclusão é respeito à diferença. Atender a necessidade do momento do aluno com necessidades educacionais especiais não significa que ele não vai aprender, mas sim aprender o que ele precisa de mais urgente no momento. A inclusão escolar não pode ser somente social. O aluno precisa ter aquisições que mostrem seu progresso geral, cognitivo, social e principalmente de autonomia. Se o professor não consegue fazer modificações ou se os pais colocam o filho no ensino comum na expectativa de que a necessidade particular daquele aluno desapareça, teremos problemas. A igualdade de direitos implica respeito à diferença, ou seja, avaliar o que é justo com a criança.
O que mais pode ser feito para garantir o processo de ensino para todos?
Para que o professor consiga modificar sua prática pedagógica, uma decisão que precisa ser urgentemente tomada é a redução do número de alunos em sala. Isso será um benefício para todos. Em algumas situações, além da redução de alunos é necessário um profissional de apoio, que deve ser para a turma e não para a criança com necessidades educacionais especiais. Esse profissional deve ser oferecido, capacitado e orientado pela instituição de ensino. Se um aluno tem um profissional de apoio só para ele (um tutor), sua autonomia fica drasticamente prejudicada. Há uma certa desresponsabilização dos demais, dentre outras tantas consequências.
Há casos em que a tutoria é a única forma de a criança estar na escola regular?
Vejo a tutoria como uma faca de dois gumes. Pergunto: o que eu ensino para a criança com o tutor? “Eu não sei me virar sozinho, sem ajuda o que faço não é bom, preciso de ajuda para ser igual aos outros...” O tutor também limita o investimento do professor no aluno com necessidades educacionais especiais, e ainda permite que os colegas criem a imagem de pessoas com necessidades educacionais especiais baseada na dependência sem ver suas possibilidades. É preciso se perguntar: a tutoria é boa para quem? Para a escola? Para os pais? Digo que nem sempre para a criança. No entanto, nos casos mais delicados em que temos comprometimentos múltiplos, sem dúvida precisamos deste profissional que deve ser “gerido” pela instituição de ensino. Mas temos que buscar estratégias para não deixar gravada na criança e nos colegas que ter necessidades especiais implica em dependência e pouca autonomia. A escola comum não vai trabalhar uma necessidade específica do aluno na sala de aula. Isso tem de ser providenciado em contraturno, como fonoaudiologia ou psicopedagogia. Há necessidade de definição da participação da família nas decisões em todos os âmbitos, incluindo a sua responsabilidade dos atendimentos de contraturno que a criança precise.
Como você avalia a coexistência de escolas especiais e regulares?
Como educadora e pesquisadora acredito que a modificação das escolas especiais foi um avanço. Também acredito que para muitas mães, considerando a falta de estrutura do ensino comum para a inclusão, a escola especial é uma opção, desde que vejamos progresso e autonomia. Não pode ser espaço de cuidado apenas. O que importa não é onde a criança estuda. Temos que responder a algumas questões. Ela está se desenvolvendo? Ela e os colegas acreditam em seu potencial? Estão investindo na sua autonomia para ser um adulto produtivo? Se isso estiver acontecendo, a escola está cumprindo seu papel. Os pais e professores podem avaliar o que é melhor para o aluno.
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