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O Ministério das Mulheres tem adotado uma definição “inclusiva” de mulher, apontada por ONGs feministas como prejudicial às conquistas do gênero nos últimos anos.
Os exemplos são muitos.
A ministra Cida Gonçalves é uma das signatárias de uma portaria que trata mulheres como “pessoas que menstruam”. Publicada no Diário Oficial em junho, a medida trata do fornecimento gratuito de absorventes. A palavra “mulheres” não aparece no texto porque, na visão do governo federal, outros seres humanos podem menstruar.
O governo também usa o termo em uma cartilha sobre menstruação, lançada em setembro.
Em janeiro, Cida Gonçalves recebeu representantes da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), organização que luta para apagar os critérios biológicos de distinção entre homens e mulheres. A ministra se colocou à disposição para atuar na defesa da categoria. “O ministério é ‘das mulheres’ porque elas são diversas e são plurais. E está à disposição e será parceiro na execução de políticas públicas para pessoas trans e travestis e em combate ao preconceito”, afirmou Cida Gonçalves.
Ao mesmo tempo, o governo cancelou — sem dar explicações — uma visita da relatora da ONU sobre violência contra mulheres e meninas, Reem Alsalem. A relatora, que tem uma visão crítica da equiparação de “mulheres trans” às mulheres biológicas, lamentou o cancelamento da visita.
O que é uma mulher?
Diante dos sinais de que o Ministério das Mulheres abriu mão da definição tradicional do que é uma mulher, a Matria (Associação de Mulheres, Mães e Trabalhadoras do Brasil) enviou em janeiro um pedido formal ao Ministério das Mulheres pedindo que a pasta definisse de forma clara o que entende por mulher. A organização fez uso da Lei de Acesso à Informação.
Mas, até agora, não recebeu uma resposta objetiva do ministério. “Este Ministério tem como compromisso a formulação de políticas públicas, que tenham como público todas as mulheres, consideradas em sua diversidade”, a pasta escreveu. A Matria apresentou recurso e ainda espera um posicionamento final.
Uma das representantes da Matria, Maiara da Silveira, acredita que o ministério tenta evitar confrontos com grupos mais radicais da esquerda. “Eu penso que elas querem manter a ambiguidade para não criar confrontos. Se eles definirem mulher por sexo, perdem toda a esquerda identitária”, afirma.
As consequências da postura ambígua do governo quanto ao tema vão além de um debate semântico. Se a expressão “mulher” não tem mais um sentido objetivo, um órgão criado para atender as mulheres deixa de ter uma área de atuação objetiva. Da indistinção biológica é possível antever um apoio do governo a trans dividindo celas com mulheres em presídios, a atletas trans competindo em categorias femininas e à inclusão de trans em políticas de apoio às mulheres.
As estatísticas sobre violência doméstica também ficam prejudicadas, já que a quase totalidade dos casos envolve homens agredindo mulheres. Agora, a confusão de termos pode acabar atenuando a gravidade do problema.
“Nós, dos movimentos maternos, observamos que pautas imprescindíveis para a vida das mulheres mães estão sendo invisibilizadas e até mesmo menosprezadas”, queixa-se Sibele Lemos, do Coletivo de Proteção à Infância Voz Materna.
Porta-voz do Movimento Infância Plena, Celina Lazzari concorda :“Remover a habilidade de mulheres descreverem a si mesmas como um grupo é um ato da opressão masculina. Isso é uma consequência gravíssima. É misoginia”.
A reportagem da Gazeta do Povo procurou o Ministério das Mulheres, mas não recebeu uma resposta até a conclusão desta reportagem.