O estabelecimento de uma linha oficial da miséria, chamada pelo governo federal de pobreza extrema, coloca um fim na discussão sobre o que deveria ser o índice e traça um público prioritário para investimentos e políticas públicas. Mas, por outro lado, a opção do Ministério do Desenvolvimento Social em escolher um valor tão baixo de renda apenas R$ 70 para nivelar o que seria a miséria deixará uma parcela da população excluída das estatísticas e, consequentemente, fora da atenção primaz do Estado.
Dados da Fundação Getúlio Vargas (FGV) revelam que há quase 24 milhões de pessoas vivendo no país com até R$ 138. O questionamento de especialistas é que, por exemplo, uma família que vive na cidade com R$ 138 per capita pode estar em uma situação de miséria tão grande quanto alguém vivendo no campo com R$ 70, mas isso não será computado.
O governo alega que o estabelecimento da meta está de acordo com os Objetivos do Milênio da ONU. Isso porque o índice utilizado para medir a pobreza dos países é o do Banco Mundial, que institui como miserável quem ganha US$ 1,25 por dia, o equivalente a mais ou menos R$ 60 mensais.
Outra justificativa é que o Bolsa Família já usa R$ 70 como linha de corte para quem não tem filhos poder receber o benefício. O mesmo critério pode ajudar na identificação de pessoas em situação de pobreza extrema no Cadastro Único, usado pelo governo federal nas políticas sociais.
Sociólogo e professor da Universidade de Brasília, Marcel Bursztyn argumenta que hoje as Nações Unidas estabelecem como parâmetro a paridade do poder de compra, que difere em cada localidade. "Um ribeirinho na Amazônia depende pouco do mercado e consegue alguma alimentação com o que produz, diferentemente de alguém vivendo na cidade."
Markus Brose, diretor executivo da organização não governamental Care, que trabalha no combate à pobreza em todo o mundo, afirma que a definição ajuda a instituir orçamento e público-alvo, além de facilitar a cobrança por parte da sociedade civil. "O conflito foi solucionado politicamente, porque tecnicamente sempre haverá divergência."
Porta de saída
Especialistas discutem agora quais as alternativas para que as famílias deixem de ser dependentes do Bolsa Família. Para Brose, romper o ciclo intergeracional de pobreza é muito difícil. Ele acredita que as pessoas na miséria dependerão de assistência continuada e somente a educação pode reverter o quadro das futuras gerações.
Para o diretor do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), Chico Menezes, a erradicação da pobreza extrema atinge os grupos mais vulneráveis da população. "Antes de falar em porta de saída, precisamos debater a entrada na cidadania." Ele lembra que as pessoas que deixarem a miséria não irão para a classe média e, portanto, ainda precisarão de apoio.
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