Uma criança abre a porta da casa para brincar no quintal e deixa a televisão ligada em um programa infantil. Dois rapazes descem a rua em cima de uma moto. Crianças passam de bicicleta, com um rádio portátil proliferando o hit "Gangnam Style". Distintivos de times paulistas e cariocas estampam as paredes das casas, próximas a igrejas evangélicas de diversas denominações.
Parece, mas não é uma cena de um grande centro urbano do Brasil. E sim uma reserva indígena no Norte do Paraná. Com 1,6 mil habitantes da etnia caingangue, a Aldeia do Apucaraninha (a 80 km de Londrina), é apenas uma mostra de como a urbanização chegou definitivamente à vida de parte dos índios do país.
Uma pesquisa do Instituto Datafolha, realizada com 1.222 índios brasileiros em 2012 chama a atenção para a integração dos povos indígenas ao modo de vida urbano: 63% dos índios têm televisão; 37%, aparelho de DVD; 51%, geladeira; 66% usam fogão a gás e 36% já possuem aparelho celular. Um total de 11% dos índios têm acesso à internet e 6% contam com um computador em casa. Já a formação universitária é um sonho de 67% deles.
Banda larga e Facebook
Datado de 2009, o diploma de Direito da Universidade Estadual de Maringá foi cuidadosamente pendurado na parede da sala. Sobre a escrivaninha, um computador equipado com impressora e internet banda larga dá acesso ao Facebook. Apenas o troféu de gol mais bonito do último campeonato de futebol indígena denuncia se tratar de uma aldeia caingangue. Ali trabalha o advogado Ivan Bribs Rodrigues, coordenador da Articulação dos Povos Indígenas do Sul, um dos poucos índios com formação universitária da Aldeia Apucaraninha. "Tenho uma cunhada pedagoga e, agora, muitos estão estudando. Hoje o índio já se representa e não precisa de mediação em reuniões com o governo..." (enquanto fala, o toque do smartphone interrompe a entrevista). "Mas precisamos manter a cultura, tanto que até o segundo ano da escola, os alunos estudam exclusivamente a língua indígena."
Para o caingangue João Carlos dos Santos, 43 anos, o modo de vida urbano acabou sendo praticamente uma imposição aos moradores da aldeia. "Não tem mais como o índio viver no mato, porque os grandões acabaram com o mato."
FormaçãoÍndio jornalista diz que integração nem sempre é espontânea
Em 2001, o guarani Nhandewa Osias Sampaio, da reserva de Laranjinha, no Norte do estado, ingressou na Universidade Estadual de Londrina (UEL), graças a uma lei que destinava vagas a estudantes indígenas em universidades estaduais. "Não era uma regra, mas aconselhavam escolher um curso que trouxesse contribuições para a aldeia. Pensei em Agronomia, Música e Alimentação. Mas já tinha um colega cursando Agronomia e Medicina, por isso, fiz Jornalismo."
Formado em 2010 e morando na cidade de Santa Amélia, não arrumou emprego na área. Mas garante que os conhecimentos adquiridos nos bancos da escola têm sido válidos para a reserva. "Participo de reuniões na aldeia, e o jornalismo deu contribuições para entender um texto mais difícil, produzir textos e redigir documentos." Já a integração do índio ao modo de vida urbano, segundo Osias, nem sempre é uma escolha, mas uma necessidade. "Muitos não tiveram outro caminho e não sobreviveriam sem se adaptar. Hoje, na aldeia, todos têm televisão, parabólica, inclusão digital. Além dos que já se formaram, muitos querem prestar vestibular. A liderança indígena está vendo a importância de se ter estudo.".