Preservados desde o século XIX no Museu Nacional, no Rio, dois crânios de índios botocudos, encontrados em Minas Gerais, se tornaram um mistério para a ciência. A partir de uma análise genômica completa, um grupo internacional liderado por cientistas dinamarqueses e brasileiros descobriu que os dois botocudos tinham genoma inteiramente polinésio, sem nenhum traço de ancestrais das Américas.

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O estudo foi publicado na quinta-feira (23) na revista Current Biology. Em 2013, os mesmos pesquisadores haviam encontrado trechos de DNA de populações da Polinésia no genoma dos dois indivíduos. Agora, com a análise do genoma completo, foi possível confirmar a ausência de assinaturas genéticas de povos nativos das Américas. O estudo revelou ainda que os crânios eram mais antigos do que se pensava: os dois índios viveram antes do início do século 19. Os autores, no entanto, não sabem explicar como os polinésios chegaram ao Sudeste brasileiro.

"Com o novo estudo, o que já era surpreendente se tornou realmente intrigante. Os polinésios, em sua dispersão pelo Oceano Pacífico, navegaram para lugares distantes como a Nova Zelândia, o Havaí e a Ilha de Páscoa. Esse e outros de nossos estudos indicam que eles também chegaram à América do Sul. Mas como esses dois indivíduos vieram parar no Brasil realmente é um mistério", disse um dos autores do estudo, Eske Willerslev, da Universidade de Copenhague, na Dinamarca.

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Segundo o autor principal, José Víctor Mayar, do Museu de História Natural da Dinamarca, o primeiro estudo tinha foco no DNA mitocondrial, muito usado em estudos de arqueologia molecular por apresentar centenas de cópias em uma única célula. Mas o novo estudo analisou o DNA nuclear, extraído dos dentes dos botocudos.

"O resultado é muito mais confiável, pois, enquanto o DNA mitocondrial tem apenas 16 mil pares de bases, o DNA nuclear tem cerca de 3 bilhões. Agora sabemos que esses botocudos eram quase 100% polinésios."

Os cientistas levantaram algumas hipóteses para explicar a presença dos descendentes dos polinésios no Brasil: eles teriam sido trazidos como escravos da Polinésia para o Peru ou de Madagáscar diretamente para o Brasil; poderiam ainda ter vindo em navios europeus como tripulantes ou clandestinos. "Mas com os dados sobre a idade dos indivíduos, nenhuma das hipóteses parece fazer sentido. Achamos mais plausível que os polinésios tenham navegado sozinhos até a costa oeste da América do Sul. Mas a 'questão de um milhão de dólares' continua sendo como eles atravessaram os Andes e foram quase até o Atlântico", disse Willerslev.

Para Sérgio Pena, geneticista da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), um dos líderes dos dois estudos, nenhum cenário pode ser descartado, mas todos são improváveis. "Pessoalmente, não creio que nenhum dos cenários seja convincente. Acho que vamos ficar com este achado empírico surpreendente muito bem trabalhado e esperar que, no futuro, o mistério se desfaça."