As ruas vazias da Vila Surumu, na entrada principal da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, denunciam uma mudança na rotina dos moradores do povoado, a maioria indígenas da etnia Macuxi. A saída dos grandes produtores de arroz da reserva, há um ano, levou os empregos e a movimentação de caminhões pelas estradas de acesso às antigas fazendas.
"As coisas ficaram muito mais difíceis. Muita gente ficou desempregada. Até para conseguir um transporte para ir à cidade ficou pior, não passa mais ninguém aqui", contou o agricultor Manoel Albuquerque, índio macuxi.
Albuquerque costumava comprar ração para o gado por R$ 8 o pacote com 30 quilos, diretamente nas fazendas, que utilizam um subproduto do arroz para produzir o insumo. Hoje, paga R$ 30 pela mesma quantidade e ainda tem que ir a Boa Vista, a 170 quilômetros, para comprar o produto.
A wapixana Arlete Soares, que mora na região há cerca de dois anos, comemora a tranquilidade com a saída dos arrozeiros. A disputa entre brancos e índios desencadeou alguns episódios violentos, com troca de tiros, flechas e até o uso de coqueteis Molotov. No entanto, a dona de casa também reclama do fim dos empregos que existiam nas grandes fazendas de arroz. "O clima de confusão acalmou, mas muita gente está tendo que sair daqui para trabalhar na cidade".
Na comunidade do Cantão, 40 quilômetros reserva adentro, a realidade é semelhante. A dona de casa macuxi Rosa Almerinda Ramos acredita que a saída dos arrozeiros não era necessária. Segundo Rosa, o fato de os indígenas não terem produzido nada até agora nas antigas fazendas prova que a disputa por terras não era necessária. "Diziam que queriam trabalhar na terra, mas ninguém quer ir lá para colher com a mão, querem as máquinas. Terra não era o problema, está é sobrando agora".
A Raposa Serra do Sol tem área total de 1,7 milhão de hectares. De acordo com o Conselho Indígena de Roraima (CIR), 19 mil índios das etnias Macuxi, Wapixana, Patamona, Ingaricó e Taurepang vivem na área.
Para o macuxi Rossildo de Oliveira, as dificuldades não parecem maiores que a reconquista da terra de seus antepassados. O indígena, que é coordenador regional dos tuxauas (caciques) da região do Surumu, reconhece que em um ano os índios ainda não conseguiram produzir o que planejavam nas terras desocupadas e têm dificuldades até com a produção para subsistência. No entanto, Oliveira comemora o reconhecimento da demarcação da Raposa em área contínua e acredita que a organização da produção é uma questão de tempo.
"Hoje, a gente pode caçar e pescar em qualquer lugar e a qualquer hora do dia ou da noite. Antes, nossa liberdade era pequena, nossa terra estava fechada com cadeados. Também nunca mais vi nenhum peixe ou pássaro morto por aqui. Vivemos muito sufoco, temos é que comemorar mesmo", justificou.
Desde quinta-feira (15), a comunidade do Maturuca, na região central da Raposa Serra do Sol, é sede da Festa da Homologação, que vai até o dia 20. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva é esperado segunda-feira (19), Dia do Índio.