"Encontro era nosso desejo que se realizou"
Eles foram chegando aos poucos, de ônibus, vindos de várias partes: Mato Grosso do Sul, Santa Catarina, Bolívia, Argentina e Paraguai. Durante três dias, ficaram acampados em uma aldeia artificial, com banheiros químicos e grandes barracas de lona, diferentes daquelas de costume. Mas o que marcou o evento foram os reencontros, a troca de experiências e a esperança de uma vida melhor. Felizes, os índios faziam rezas, danças e rituais o tempo todo. "O encontro foi muito proveitoso e era nosso desejo que agora se realizou", diz o cacique Elpídio Pires, 41 anos, de Paranhos (MS). A septuagenária Abelina Almeida, 78 anos, teve fôlego para sair de Maracaju (MS) para chegar até o Paraná. "Foi muito bonito, fiz amizades", diz. Abelina reencontrou uma cunhada que reside em Naranjal, Paraguai, que não via há 15 anos.
Já Aparecida Sanabri, 25 anos, diz que saiu do Mato Grosso do Sul para participar do encontro com a motivação de conseguir um pedaço maior de terra para viver. "Gostei do encontro para ganhar terra", conta.
Diamante dOeste - A liberdade de trânsito cultural nas fronteiras do Brasil, Paraguai, Argentina e Bolívia e a punição para a discriminação, preconceito e violência são duas das principais reivindicações feitas pelos índios guarani aos governos do Brasil e do Paraguai. Em meio a um evento marcado por rituais, danças típicas e pela presença de caciques e xamãs, eles entregaram ontem aos ministros da Cultura do Brasil, Juca Ferreira, e do Paraguai, Tício Escobar, um documento com oito reivindicações para a melhoria da condição de vida deles.
A entrega da carta marcou o encerramento do 1.º Encontro dos Povos Guarani da América do Sul, iniciado no último dia 3 na Aldeia Tekoha Añetete, município de Diamante dOeste, a cerca de 140 quilômetros de Foz do Iguaçu, com a presença de 800 indígenas do Brasil, Paraguai, Argentina e Bolívia.
Acostumados a transpor fronteiras sem entraves burocráticos, hoje os indígenas se veem barrados e não conseguem ter livre fluxo para visitar parentes que vivem em outros países (veja box com demais pedidos). O ministro Juca Ferreira, que chegou à aldeia com o colega paraguaio Tício Escobar em helicóptero e foi recebido pelos guarani com uma dança de boas-vindas, diz que o governo brasileiro vai atender aos pedidos na medida do possível.
Segundo Ferreira, os Ministérios da Cultura do Brasil, Paraguai, Bolívia e Argentina têm condições de dar retorno a algumas demandas, incluindo a garantia de realização de outros encontros indígenas. Outras, a exemplo da liberdade de transpor fronteiras, dependem do aval do Ministério das Relações Exteriores. "Vamos propor a incorporação deste tema como item de decisão do Mercosul", disse o ministro. Ferreira também assegurou que foi definido um programa de integração e desenvolvimento cultural entre o Brasil e o Paraguai que deverá ser estendido aos guarani.
Para Mário Tupã, um dos líderes dos guarani no Brasil, o encontro foi oportuno. "É a primeira vez que as autoridades apoiam os guarani", diz. O cacique Saturnino Cuellar, da Bolívia, diz que é preciso que haja uma lei que proteja os indígenas e seja cumprida. Outra questão que precisa ser discutida é a relativa ao território. "Nossa principal demanda é por terra. Os estados têm de reconhecer territórios ancestrais", diz.
Há 36 anos acompanhando os guarani, o antropólogo da Universidade de São Paulo (USP) e do Museu Nacional Rubem Thomaz de Almeida diz que hoje seria necessário mais de 1 milhão de hectares de terra para suprir a demanda dos índios guarani em todo o país. Almeida enfatiza que não houve interferência dos brancos no encontro. "Isso foi um diferencial. Nunca teve um encontro como esse, a não ser antes da chegada de Cabral", afirma.
Segundo a Comissão Nacional de Terras Guarani, há em todo o território brasileiro cerca de 46 mil índios guarani. A etnia guarani é a maior do país em população indígena. São cerca de 60 mil a 65 mil índios. No Brasil, Paraguai, Argentina e Bolívia a população chega a cerca de 200 mil.
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