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Adolescentes no Brasil

Influenciadores trans ensinam jovens a usar hormônios para mudar de sexo

(Foto: Pexels)

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Quando completou 13 anos de idade, Gabriela* tinha a aparência de um menino — apesar de ter cabelo comprido e de se vestir de forma ambígua. Pouco mais de um ano depois, aos 14, ela já exibia um novo visual e dava conselhos no YouTube de como ser trans. Nas imagens, Gabriela exibia o rosto com traços mais femininos e, visível por trás de um decote, seios desenvolvidos como o de uma mulher adulta. O vídeo teve um impressionante número de visualizações, e a maior parte dos comentários faz referência ao fato de o algoritmo do YouTube ter indicado o vídeo de Gabriela.

Por sua idade, Gabriela não poderia ter passado por uma cirurgia para deixar o seu corpo mais parecido com o de uma mulher — o que só é permitido aos 18 anos de idade. Tampouco poderia ingerir hormônios femininos antes dos 16 anos. As normas foram estabelecidas pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) em 2020. Antes disso, as idades mínimas eram de 21 e 18 anos, respectivamente.

Os pais de Gabriela certamente sabem das regras. O pai e a mãe trabalham na área de saúde.

Com milhares seguidores no Instagram, Gabriela agora fala sobre o processo de transição e influencia outros jovens que foram levados a crer que precisam readequar seu corpo ao seu “gênero”. Nos vídeos, a adolescente nega ter colocado silicone e afirma que não pretende alterar suas genitais.

O caso de Gabriela é a face mais visível de um problema alarmante: por negligência da família ou falta de acompanhamento adequado, menores de idade estão antecipando os passos da transição de gênero.

Em seu canal no YouTube, onde tem milhares de seguidores, Gabriela — agora com 15 anos — continua publicando vídeos sobre o processo de transição. Ela diz que tinha o sonho de ter seios femininos. “Eu tinha o sonho de seios. Realmente era o meu sonho ter peito. (...). Era o meu sonho, meu sonho, meu sonho. Meu sonho mesmo. Era tipo o objetivo da minha vida era ter peito.” Em outro vídeo, ela comemora o fato de ter realizado esse sonho. Não fica claro como aconteceu. Mas tanto a cirurgia plástica quanto a injeção de hormônios femininos, que causariam esse efeito, são proibidas em adolescentes com a idade dela.

A reportagem da Gazeta do Povo procurou o pai de Gabriela, que não respondeu. Pelas normas do CFM, profissionais que desrespeitam as resoluções do Conselho estão sujeitos a punição.

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Influência das redes  

Apesar das normas proibirem a injeção de hormônios cruzados (do sexo oposto) em menores de 16 anos, não é difícil achar influenciadores que promovem a automedicação. Em um vídeo do YouTube uma adolescente trans que mora no Nordeste, hoje com 17 anos, explica como passou a ingerir hormônios femininos aos 13 anos. Os medicamentos eram adquiridos em farmácias -- sem qualquer acompanhamento médico e abaixo da idade mínima permitida. Ela também menciona três tipos diferentes de hormônios, e recomenda um em especial.

Por sua vez, a jovem conta que aprendeu sobre o tema, inclusive sobre os métodos de aplicação, assistindo a um vídeo de uma transexual que se identifica como ativista.

A ativista tem uma série de vídeos recomendando hormônios. No mais visto dele, com centenas de milhares de visualizações, a mensagem é direta: “Eu estou aqui para dar uma dica para as minhas amigas que estão começando agora a se vestir de mulher e que querem ser travesti no futuro, principalmente aquelas novinhas que têm 14 e 15 anos (...) Aqui vai a dica, meu amor. Essa aqui, olha. Esse aqui é o segredo”, diz a influenciadora, antes de dizer o nome do medicamento enquanto segura uma caixa do produto. Em outros vídeos, ela ensina detalhadamente como injetar o hormônio utilizando uma seringa.

Os medicamentos recomendados têm sérios efeitos colaterais. A ingestão desses hormônios traz efeitos irreversíveis. O médico Raphael Câmara, ex-secretário de Atenção Primária à Saúde no Ministério da Saúde, diz que o uso inadequado desses hormônios tem consequências graves: “O principal problema é um aumento gigantesco no risco de câncer de mama; mas também posso citar derrame cerebral, infarto agudo do miocárdio e tumores malignos no fígado. Eu poderia escrever um livro sobre os problemas que isso pode causar”, diz.

Para Hélio Angotti, doutor em Medicina pela Universidade de São Paulo e ex-secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, a promoção de medicamentos de forma imprópria é um claro desrespeito à lei. “Isso aí pode ser considerado exercício ilegal da Medicina. É questão do Código Penal e até extrapola a competência do Conselho Regional ou Federal de Medicina, embora o conselho possa oferecer uma denúncia por causa da sua competência de regular a profissão”, explica.

Eugênia Rodrigues, porta-voz da campanha No Corpo Certo, diz que o uso indevido de hormônios femininos por garotos que querem fazer a transição de gênero é relativamente comum. “Há, no Brasil e no mundo, esses esquemas. Eu conheci uma menina, infelizmente perdi o contato, em que o próprio pai dela, um médico a ajudou. Era uma menina lésbica que felizmente acordou que obviamente não era um homem”, diz ela. A campanha da qual Eugênia faz parte busca chamar atenção para as consequências irreversíveis geradas pelos bloqueadores de puberdade, a injeção de hormônios do sexo oposto e a cirurgia de redesignação sexual.

CPI investiga possíveis irregularidades  

O tema da transição de gênero em menores de idade tem ganhado cada vez mais atenção. Em maio deste ano, a Assembleia Legislativa de São Paulo abriu uma CPI para investigar “possível violação às disposições do conselho federal de medicina” por parte do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, que mantém um ambulatório específico para menores de idade identificados como transgênero. Na última semana, a comissão da Câmara dos Deputados responsável pelos temas da infância e adolescência realizou uma audiência pública sobre o assunto.

Há poucas semanas, a presença de um bloco de “crianças trans” na Parada Gay de São Paulo gerou reações. A participação foi organizada pela ong Minha Criança Trans, que tem 580 famílias associadas. Para Thamirys Nunes, a automedicação é fruto da falta de acesso a serviços de saúde adequado. “Esses jovens recorrem à automedicação por falta de atendimento especializado e por falta de informação e orientação. Os ambulatórios especializados no atendimento da população trans infantojuvenil estão, na maior parte, concentrados na região Sul e Sudeste, em capitais e cidades metropolitanas”, diz ela.

Mas a verdade é outros países têm adotado políticas mais rigorosas e que, na prática, restringem os procedimentos de transição a maiores de idade. Em 17 estados americanos, a prática foi proibida. Na Flórida, por exemplo, a legislação sancionada neste ano permite até mesmo que o Estado tenha jurisdição temporária e emergencial sobre um menor de idade caso a família o tenha submetido a procedimentos de mudança de sexo. No Texas, uma norma semelhante foi transformada em lei há poucas semanas.

Na Europa, agências de saúde e associações médicas têm recuado na promoção de intervenções de transição em menores de idade. Nos últimos meses, Suécia, França e Inglaterra passaram a adotar uma postura mais cautelosa quanto ao tema depois de surgirem novos indícios de que intervenções irreversíveis (como a terapia hormonal e a cirurgia de redesignação sexual) podem causar mais malefícios do que benefícios.

A reportagem da Gazeta do Povo procurou o CFM, que se recusou a dar entrevistas sobre o tema e apenas reafirmou já ter abordado o assunto na resolução publicada em 2020.

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