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dia do trabalho

Informalidade nas estradas leva toneladas no lombo

Sentado à beira da BR-476, em Curitiba, o chapa Odair da Silva pede trabalho. Leva até 150 quilos na cabeça | Daniel Castellano/Gazeta do Povo
Sentado à beira da BR-476, em Curitiba, o chapa Odair da Silva pede trabalho. Leva até 150 quilos na cabeça (Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo)
Carregadores improvisam pontos em estradas próximas a centros urbanos |

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Carregadores improvisam pontos em estradas próximas a centros urbanos

Carregar um guarda-roupa nas costas não é tarefa fácil, mas alguém precisa fazê-lo em algum momento. Que dizer então de quem leva nos ombros 280 sacos de esterco de galinha? Mais fedorenta, só uma carga de 30 toneladas de sebo de couro de jegue. No dia em que puxou as 14 toneladas de esterco, Marcos quase não pôde entrar em casa, tamanha ofensa ao olfato da mulher. Fosse casado, Luiz teria idêntico problema depois de descer o sebo vindo do Nordeste para virar cosmético na Cidade Industrial de Curitiba. Como algo tão fedido pode ficar cheiroso? Esclarecer dúvidas não é ofício deles, concentrados em carregar o piano.

Marcos Correia da Silva e Luiz Antonio Lima integram uma legião de trabalhadores informais que ganham a vida no braço às margens das rodovias na entrada das médias e grandes cidades brasileiras. Um julgamento precipitado poderia lançar sobre eles uns quantos olhos de preconceito, o que não raro acontece. Certo dia, no ônibus, Marcos ouviu uma mulher gastar uns dois minutos a lançar suspeitas sobre aqueles homens que lhe pareciam um bando de desajustados à espera de uma vítima. As palavras eram como açoite no lombo. Marcos sentiu a garganta contrair, mas nada falou. O treino diário da labuta fermenta os músculos, mas atrofia a veia da indignação.

Chapa é o nome pelo qual são conhecidos esses homens forjados na força bruta. A madrugada os encontra apressados na rua, a fim de escolher o primeiro lugar na fila. Os pontos se espalham por onde há grande fluxo de caminhões. Quanto mais cedo, mais chance de conseguir trabalho. Pelas 5 da manhã já estão a postos, alguns arrumando os gravetos para o fogo do café. A maioria procura morar perto do ponto para chegar cedo. Um acordo não escrito recomenda respeito à ordem de chegada, nem sempre respeitado. É quando se alteram os ânimos. Não é muito comum, mas tem até briga de faca quando um não respeita a vez do outro.

No caminho do pai

Marcos, ou Baianinho, 39 anos, é o mais antigo no ponto contíguo ao Contorno Sul, no Pinheirinho, em Curitiba. Cedo, botou braços e pernas para trabalhar. Largou a escola aos 14 anos para ingressar nessa rotina depois que o pai, também chapa, caiu doente. Adulto, teve carteira assinada e durante 12 anos foi pastor da Igreja Quadrangular, mas largou o emprego e deixou de pastorear para voltar à antiga lida. "Numa firma eu não ganho o que ganho aqui", explica. Durante dois anos, ele conseguiu conciliar o serviço de chapa de dia e de segurança à noite, mas chegou ao limite do esgotamento físico. A vida sem patrão pareceu-lhe a melhor escolha.

Semialfabetizado, Baia­­ninho fatura R$ 2 mil por mês, em média. O irmão, com ensino médio completo, ganha R$ 700 mensais trabalhando numa empresa. Mas a vida de chapa é instável. Tem dia que dá, tem dia que não. "O segredo é saber administrar o dinheiro", ensina. Segundo ele, é preciso aprender a segurar o dinheiro e não fazer como uns e outros, que gastam no mesmo dia tudo o que ganham. Ele conta que quando trabalhava em firma não podia sair com a família para comer uma pizza. Hoje, sai quase todo fim de semana. É da força dos braços que ele paga o aluguel e tira o sustento dos três filhos. A mulher ajuda como embaladora na Ceasa.

Os chapas se revezam à beira da rodovia acenando para os caminhoneiros. Tem dias em que as horas passam e ninguém para. Mesmo em épocas de escassez de serviço, Marcos se dá ao luxo de escolher a carga que vai pegar. Adotou essa postura depois das 14 toneladas de esterco de galinha, que o deixaram fedendo o dia todo. Noutro ponto, um quilômetro adiante, Luiz faz o mesmo, e não por razão diferente. A fedentina do sebo de couro de jegue saía no suor. É serviço para uma vez só, tanto que o motorista nunca mais parou naquele ponto. Aos 42 anos, 14 deles como chapa, Luiz, que não é bobo nem nada, seleciona as cargas leves e fáceis de manusear.

Qualquer serviço

Para os de opinião contrária, chapa que é chapa não recusa serviço. "O que manda é a verba", diz Áureo Gonçalves Dias, 36 anos, 10 como carregador. Xará de poeta, ele usa mais a massa muscular do que a encefálica. Ele compartilha o ponto com outros colegas no Posto Gasparin, às margens da BR-277, na entrada de Foz do Iguaçu. Entre eles está Agenor Padilha, 41 anos, 12 na lida de chapa. Em caso de precisão, Agenor encara o que vier pela frente, mas, se puder evitar, evita. Agenor não gostou de carregar fibra de lã, em fardos de 15 quilos, no lado paraguaio da Itaipu Binacional. Não é pesado, mas incomoda. Ficou três dias pinicando a pele.

Agenor aprendeu que erva-mate também é uma carga danada de ruim. Depois de uma dessas, ficou verde igual ao Hulk. Não tem jeito, vez ou outra aparece uma carga estranha, ou de difícil manejo. A lista de cargas ruins é imensa, mas tem chapa para todas, e cada um a seu modo. Tem chapa que só carrega móveis e outro que prefere sacaria; alguns só levam a carga no ombro, enquanto outro só leva na cabeça.

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