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Mateus, participante do projeto Espaço Vida e Música: “Minha vida mudou bastante, na escola e em casa” | Antônio Costa/ Gazeta do Povo
Mateus, participante do projeto Espaço Vida e Música: “Minha vida mudou bastante, na escola e em casa”| Foto: Antônio Costa/ Gazeta do Povo

Passaporte para outras realidades

Quando a arte chega à periferia, são descobertos talentos escondidos pelo medo da violência e apagados pela falta de oportunidades. Foi assim com Mateus Henrique Marcondes dos Santos, de 12 anos (foto). Morando numa região em que até os agentes da prefeitura têm medo de transitar, Mateus descobriu que em um violino, instrumento que nunca vira antes, pode estar sua alegria e seu passaporte para conhecer outras realidades. "Minha vida mudou bastante, na escola e em casa" diz o garoto de fala tímida, mas talento visível. Participante do projeto Espaço Vida e Música na Vila Autódromo, Mateus mostra que mudou seu conceito de limites: "tenho vontade de aprender a tocar violoncelo também".

Outro estudante que se destaca na música é Bruno Nogueira, do Projeto Dorcas. Depois de um ano de aulas de flauta em Almirante Tamandaré, Bruno, de 15 anos, foi aprovado no teste seletivo da Embap e hoje é um dos alunos do curso de extensão em Formação Instrumental em Flauta Doce. Renate Lizana Weiland, coordenadora musical do projeto, conta que a cobrança do teste é a mesma para todo mundo. "Não é porque veio de projeto social que se relevam os erros. É difícil e só quem se dedica consegue", afirma.

Foi o que fez Jason Justus, de 15 anos. Depois de descobrir o gosto pela dança nas aulas do projeto Entrenós Outros, o garoto tentou entrar na escola do Balé Teatro Guaíra. Apesar de ter sido reprovado, seu talento foi reconhecido e hoje ele faz aulas de balé em um espaço de dança graças ao apoio de um representante da sociedade civil.

Os acordes da música Aleluia que soam pela Vila Autódromo, no bairro Cajuru, demonstram que algo diferente está sendo feito na comunidade: arte. Projetos sociais que levam o ensino de música, pintura ou dança para regiões de maior vulnerabilidade social mostram que, além de despertar talentos, é possível promover o desenvolvimento integral de pessoas com pouco acesso a ambiente artísticos.

"O sujeito tem o direito de se apropriar da produção cultural da humanidade", afirma Rosane Cardoso de Araújo, professora do Departamento de Artes da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Para ela, aprender uma manifestação artística é, antes de tudo, um direito de qualquer cidadão, além de uma oportunidade para o desenvolvimento do potencial criativo e da sensibilidade estética. Ainda segundo Rosane, a arte permite que os indivíduos manifestem sentimentos, ideias e o livre exercício de imaginação.

É o que pensam também os responsáveis pelo projeto Espaço Vida e Música, realizado pelo Instituto Cargolift em parceria com a Fundação de Ação Social de Curitiba. "Pretendemos chegar a um nível onde a composição e a expressão da música na vida dessas crianças e adolescentes sejam sua própria história de transformação", afirma Paulo Davi e Silva, diretor do projeto.

O Espaço Vida e Música utiliza um local cedido pela prefeitura para ensinar crianças de 7 a 14 anos a tocarem um instrumento. O projeto existe desde 2008. Hoje, com 400 alunos, conta com uma orquestra sinfônica, uma orquestra de violões e uma fanfarra (banda com instrumentos de metal e sopro). Ele funciona em quatro núcleos localizados na periferia de Curitiba e região, entre eles a Vila Autódromo, que recebe cursos de violino e flauta doce.

Experiências

Outra iniciativa que leva música, além de outras atividades educacionais e esportivas, para comunidades carentes é o Projeto Dorcas, implantado nos bairros Bonfim e Cachoeira, na periferia de Almirante Tamandaré. O programa é mantido por uma organização não governamental e recebe apoio da prefeitura do município. Em uma parceria com a Escola de Música e Belas Artes do Paraná (Embap), o Dorcas oferece aulas de flauta doce e canto coral para crianças e adolescentes de 6 a 16 anos.

A coordenadora musical do projeto e professora da Embap, Renate Lizana Weiland, afirma que entre os benefícios observados estão o domínio da agressividade e o aumento da capacidade de concentração dos participantes. "Essas crianças aprendem sobre convivência e tolerância com o outro, a ouvir professores, colegas e a música dos amigos. Também desenvolvem perseverança", conta.

Outras expressões

Além da música, existe dança nos bairros de Curitiba e região. Um projeto criado pela Faculdade de Artes do Paraná (FAP) e hoje desenvolvido por ex-alunos em parceria com o Colégio Nossa Senhora Medianeira trabalha a dança como posicionamento diante dos desafios impostos a jovens da Vila Torres. Por meio da dança contemporânea, o projeto Entrenós Outros atinge pelo menos 50 pessoas entre 10 e 15 anos.

Mabile Borsatto, professora do projeto, conta que o Entrenós Outros amplia a percepção desses jovens a respeito da vida. "Não que dança seja terapia ou solução, não que vá mudar a casa, a realidade, mas muda a cabeça deles", diz.

Um reforço para a autoestima dos estudantes

A interferência na autoestima é um dos efeitos da participação de crianças e jovens em projetos ligados a manifestações artísticas. "Ao entrar em contato com a arte, ao perceber-se capaz de produzir, de vivenciar experiências artísticas relevantes, a criança sente-se estimulada, competente, sensibilizada e isso promove nela um sentimento de satisfação e, consequentemente, a vontade de persistir", avalia Rosane Cardoso de Araújo, professora do Departamento de Artes da UFPR.

Quem percebe isso na prática é a coordenadora musical do Projeto Dorcas, Renate Lizana Weiland. "As crianças que participam do projeto vivem em uma realidade de violência e agressividade. Mas, quando percebem que sabem fazer algo tão bonito, tão emocionante, elas se comportam de outra maneira, porque isso influencia na sua autoestima", conta.

Os benefícios que iniciativas como essas trazem para a vida desses jovens podem ir além do bem-estar. Segundo Rosane, o contato com a arte pode criar uma oportunidade de aprendizagem que humaniza. "Ao ser realizada em grupo, a atividade favorece a formação de competências sociais (pessoais e interpessoais), além de trazer, em muitos casos, uma possibilidade de formação profissional", diz.

VIDA E CIDADANIA |0:54

O jovem músico dá uma demonstração de sua arte, aprendida com o projeto Espaço Vida e Música

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