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Inquérito das Fake News: investigados afirmam que estão sem acesso aos autos há mais de um ano

Investigados no Inquérito das Fake News afirmam estar há mais de um ano sem acesso aos autos
Ministro Alexandre de Moraes, designado por Dias Toffoli para conduzir as investigações do chamado “Inquérito das Fake News” (Foto: Rosinei Coutinho/STF)

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A decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que autorizou uma operação com mandado de busca e apreensão nos endereços de 17 pessoas investigadas por supostos crimes contra integrantes do STF, no âmbito do chamado “Inquérito das Fake News”, completou um ano nesta quarta-feira (26). Até o momento, entretanto, a defesa dos investigados ainda não teve acesso integral ao inquérito.

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Os advogados sustentam que, ao impedir as defesas de acessarem os autos, o Supremo fere a Súmula Vinculante 14, do próprio STF, que cita ser “direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”.

Segundo os defensores, a Corte também estaria infringindo o inciso XIV do art. 7º da lei 8.906/94, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O dispositivo cita que é direito do advogado “examinar, em qualquer instituição responsável por conduzir investigação, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de investigações de qualquer natureza, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos, em meio físico ou digital”.

Entenda o caso

O Inquérito 4.781, que corre sob segredo de justiça, foi aberto em março de 2019 pelo ministro Dias Toffoli, que na época ocupava a presidência do STF. O objetivo era apurar notícias falsas (fake news), além de supostas denúncias, ameaças e infrações com configuração de calúnia, difamação e injúria que estivessem relacionadas aos ministros da Corte e a seus familiares.

Desde então, passou a haver bloqueios de perfis nas redes sociais que teriam publicado conteúdos contrários aos membros do STF, bem como mandados de busca e apreensão de materiais eletrônicos de investigados. Um mês após a abertura do inquérito, Alexandre de Moraes – indicado para relatar o inquérito – também tentou censurar a revista Crusoé após a publicação de uma reportagem que citava que o ministro Dias Toffoli havia sido citado por Marcelo Odebrecht em uma delação premiada da Operação Lava Jato. Após críticas até mesmo de outros membros da corte, Moraes voltou atrás e revogou a decisão.

No dia 26 de abril de 2020, Alexandre de Moraes publicou uma decisão determinando uma série de diligências contra 17 investigados por suposta publicação de conteúdos ofensivos ou em tom de ameaça aos integrantes do STF. Na decisão, os investigados são divididos em dois grupos – o de produtores de conteúdo (11 pessoas) e o de supostos financiadores dos produtos de conteúdo (5 pessoas). Os crimes dos quais os investigados são suspeitos são calúnia, difamação, injúria e associação criminosa, além de crimes contra a segurança nacional e a ordem política e social previstos na Lei 7.170/1983, conhecida como Lei de Segurança Nacional.

Foi determinado a todos os investigados a busca e apreensão de materiais eletrônicos, como computadores, tablets e celulares; além do bloqueio das redes sociais – os bloqueios permanecem até hoje sob o argumento de serem necessários “para a interrupção dos discursos com conteúdo de ódio e subversão da ordem”. Outras diligências foram restritas a alguns dos investigados, como o afastamento do sigilo bancário e fiscal.

Juristas veem ilegalidades no "Inquérito das Fake News"

Diversos juristas – incluindo o ministro Marco Aurélio, do STF – apontaram ilegalidades na instauração e condução do chamado Inquérito das Fake News. Em julgamento realizado em junho de 2020, no qual o Supremo decidiu que o inquérito 4.781 era constitucional e deveria continuar, Marco Aurélio, único ministro a divergir do relator Edson Fachin, declarou que se tratava de um inquérito natimorto e que caberia ao Procurador-Geral da República provocar a instauração da investigação.

"Não pode a vítima instaurar inquérito. Uma vez sendo formalizado requerimento de instauração de inquérito, cumpre observar o sistema democrático da distribuição, sob pena de começarmos a ter um juízo de exceção em contrariedade ao que previsto no principal rol das garantias constitucionais da Carta de 1988", disse. O ministro também criticou o sigilo da investigação. "Receio muito as coisas misteriosas", disse, na época.

Em artigo publicado na Gazeta do Povo, o professor de Direito Constitucional e procurador do Ministério Público Federal (MPF) André Borges Uliano apontou ilegalidades relacionadas ao inquérito. Dentre elas estão: indefinição do objeto do inquérito, não indicando fato específico a ser investigado; indicação do ministro Alexandre de Moraes na condução das investigações - conforme o Regimento Interno do STF, a distribuição deve ser feita por sorteio -; e ausência de atribuição do STF para o caso.

“O que o inquérito faz, basicamente, é instituir um ‘Estado Policial’ no Brasil. Qualquer pessoa hoje está sob permanente investigação sobre qualquer fato que, segundo opinião subjetiva dos próprios ministros, ‘atingem a honorabilidade e segurança do Supremo Tribunal Federal, de seus membros e familiares’”, declara o jurista. “Obviamente isso é um ato flagrantemente abusivo. É incompatível com as liberdades constitucionais uma investigação que não contenha um fato específico que lhe sirva de objeto”, destaca.

Advogados de defesa afirmam que foi dado acesso apenas a uma fração do inquérito

Diversos advogados que compõem a defesa dos investigados no âmbito do Inquérito 4.781 consultados pela Gazeta do Povo relataram que há mais de um ano buscam ter vista ou acesso aos autos do processo, obtendo constantes negativas por parte do ministro Alexandre de Moraes.

Emerson Grigollette, responsável pela defesa do jornalista Bernardo Küster, investigado no inquérito, afirmou à reportagem que desde 27 de maio de 2020 – data em que a Polícia Federal deflagrou a operação de busca e apreensão – tem tentado ter acesso aos autos, inclusive presencialmente junto ao Supremo. “Alguns dias depois da operação, recebi uma intimação pelo WhatsApp, algo extremamente atípico no Judiciário, informando sobre um despacho do ministro afirmando que havia dado acesso aos autos. Porém, foi dado acesso apenas ao Apenso 70. Ou seja, não é a íntegra, apenas uma fração”, declara o advogado.

Desde então, Grigollette recorreu a outros meios para obter acesso aos autos: entrou com um habeas corpus, que foi rejeitado; fez uma representação na Procuradoria-Geral da República (PGR), na qual pediu que fosse apurado possível cometimento de crime de abuso de autoridade por violação de prerrogativa profissional de acesso, bem como violação da Súmula Vinculante 14; e ingressou com uma denúncia na Corte Interamericana de Direitos Humanos. “É um direito do advogado ter vistas do processo, e isso tem sido negado há um ano. Esse apenso que nos foi dado é completamente insuficiente, não tem sequer a indicação dos delitos. Não tem como identificar nada”, afirma.

João Vinícius Manssur, advogado do empresário Otávio Fakhoury, também disse à reportagem que no dia 27 de maio do ano passado fez uma petição requerendo vista dos autos, porém obteve apenas o Apenso 70. “Como vou fazer uma defesa técnica se não tenho acesso integral aos autos?”, questiona Manssur. “Entraram na casa dele [Otávio Fakoury], no escritório, na casa da mãe dele, que é uma senhora idosa, durante a pandemia. Teve o afastamento do sigilo bancário e fiscal, busca e apreensão, bloqueio nas contas de redes sociais. Precisamos ter acesso ao processo para saber quais medidas serão tomadas diante dessa decisão”.

Renor Oliver Filho, advogado que presta assistência jurídica ao jornalista Allan dos Santos, que também é investigado no Inquérito das Fake News, também informa que mesmo a defesa solicitando presencialmente o acesso, por meio do advogado Rômulo Nagib, até o momento. só foi liberado o Apenso 70.

Na opinião do defensor, as diligências determinadas pelo ministro, como busca e apreensão e quebra de sigilo bancário, foram feitas de forma irregular, pois não havia indício claro de materialidade e autoria de crime. Segundo ele, com os autos em mãos seria possível comprovar tal irregularidade.

O advogado também questiona o fato de o inquérito estar aberto há mais de dois anos sem ser finalizado. “Nossa percepção é de que essa investigação é feita para ficar em aberto para sempre e nunca se tornar um processo-crime”.

Beno Brandão, responsável pela defesa do empresário Luciano Hang, afirmou à Gazeta do Povo que já fez, ao todo, nove petições reivindicando o acesso aos autos. Ele cita que a resposta informada pelo ministro Alexandre de Moraes é sempre a mesma: “É inviável o acesso aos demais anexos nos autos como postulado pela defesa porque existem diligências pendentes de realização ou ainda em curso, o que afasta por ora a aplicação da referida súmula”.

Brandão explica que, ao determinar diligências contra Hang e demais acusados de financiar os produtores de conteúdo, o magistrado citou que: “O material constante nos autos, notadamente os citados depoimentos e o relatório de fls. 6302-6353 apontam as pessoas físicas de (...)”. Segundo o advogado, entretanto, no Apenso 70, enviado pelo gabinete do ministro, não constam os relatórios citados na referida decisão.

“Tenho reiterado pedidos de acesso pelo menos aos relatórios citados que se referem ao meu cliente. Faz um ano que estamos pedindo acesso, e sempre é a mesma resposta de diligências faltantes. Mas ele não diz quais são essas diligências”, afirma Brandão.

Pedidos de manifestações à OAB

Alguns dos representantes da defesa dos investigados no Inquérito das Fake News afirmaram à reportagem que contataram a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Nacional, bem como suas seccionais, a fim de solicitar manifestações da entidade em favor do direito de os advogados terem acesso aos autos do inquérito.

No dia 29 de maio, o Conselho Federal da entidade, juntamente com a OAB-Distrito Federal, entrou com um habeas corpus para garantir à defesa de Allan dos Santos o acesso aos autos. No pedido, destacou-se que a defesa já havia entrado com três petições para obter acesso ao inquérito antes mesmo da deflagração da operação pela PF.

“Foram, portanto, três tentativas sem êxito de acesso aos autos, o que implica num indeferimento tácito por parte do eminente relator”, afirmaram a OAB-DF e o Conselho Federal no pedido.

Em agosto de 2020, o habeas corpus foi negado pelo Supremo. No dia seguinte à negação da medida, o presidente da OAB-Paraná, Cássio Telles, declarou ser inaceitável a negativa de vista aos advogados. “É inadmissível pensar no exercício de direito de defesa sem que a advocacia tenha pleno conhecimento do que já está documentado”, disse Telles. “O STF está desrespeitando a Súmula Vinculante nº 14, que ele mesmo editou. Todas as provas já documentadas devem ser liberadas aos advogados, sob pena de grave cerceamento de defesa e violação ao devido processo legal”, ressaltou.

Em nota enviada à reportagem, a OAB Nacional informou que “jamais compactuará com nenhum ato arbitrário que desequilibre as relações processuais, especialmente no âmbito das caras garantias individuais conquistadas pela sociedade brasileira ao longo de sua história”.

“O Sistema de Prerrogativas permanece na busca do respeito às garantias profissionais neste e em vários outros casos e somente se dará por satisfeito com o respeito intransigente das prerrogativas, que nada mais são do que garantias do próprio cidadão que se faz representar por advogado”, prossegue a nota.

A Gazeta do Povo contatou a assessoria de imprensa do STF solicitando informações a respeito do Inquérito 4.781, porém não houve retorno até o fechamento desta reportagem.

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