Um inquérito conduzido pela Polícia Civil da Bahia que investiga um violento ataque atribuído a militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) contra duas famílias que divergiram do movimento completará, em julho, dois anos e três meses sem resolução.
O ato de violência ocorreu em abril de 2021 dentro do assentamento Fábio Henrique, localizado no município de Prado, no sul da Bahia, e resultou na expulsão das famílias do local, onde moravam havia 15 anos. A região, em que residem lideranças estaduais e nacionais do MST, é comandada com mão de ferro pelos ativistas e já foi palco de diversos episódios de violência.
Em outubro de 2021, a Gazeta do Povo mostrou com exclusividade a situação das famílias agredidas e expulsas do assentamento. Na época, a Polícia Civil havia informado que o inquérito havia sido retirado da delegacia de Prado, onde ocorreram as agressões, mas seguia em andamento.
Passados mais de vinte meses, a reportagem contatou novamente a Polícia Civil pedindo atualização do caso. Segundo a instituição, o inquérito segue em aberto, “em fase de conclusão após a realização de diligências e oitivas”. “Detalhes não serão divulgados no momento”, diz comunicado enviado à reportagem.
Entenda o caso
Segundo relatos que constam no inquérito, na noite do ataque cerca de 120 pessoas ligadas ao MST – várias delas armadas com revólveres, pistolas, espingardas e facões – chegaram ao local onde moravam as famílias de Vanuza Santos de Souza e Valmir da Conceição Oliveira, que viviam da agricultura e eram diretores da Associação de Produtores Rurais do assentamento.
Com a nova política do Incra que vigorou no governo anterior, de Jair Bolsonaro, o volume de concessões de títulos entregues aos assentados, medida que garantia aos produtores a propriedade legal das terras, aumentou. Com isso, agricultores de diversos assentamentos do país passaram a se organizar para regularizar as terras a fim de estarem aptos a receber os títulos.
O MST, entretanto, que exerce grande influência na maioria dos assentamentos de reforma agrária, é contrário a essa “emancipação” das famílias. Produtores rurais que vivem nesses locais sob domínio do movimento afirmam que são obrigadas a contribuir financeiramente com o movimento, participar de manifestações políticas e dedicar um dia de semana para trabalho nas hortas de líderes do grupo.
No sul da Bahia, em vários assentamentos em que produtores se afastaram do movimento social para formalizar as terras, houve conflitos brutais, com o registro de diversas famílias sendo expulsas pelos ativistas do MST.
No caso de Vanuza e Valmir, ambos foram expulsos junto com todos os familiares – ao todo, sete adultos e uma criança de oito anos. Antes disso, os adultos foram amarrados e espancados. Depois, foram colocados em caminhonetes e deixados em diferentes pontos do município. As vítimas, que tiveram até mesmo documentos pessoais e cartões bancários levados pelos criminosos, foram impedidas de retornarem ao assentamento sob ameaças de morte. As casas foram vandalizadas e os bens furtados – até mesmo animais foram levados pelos criminosos.
Investigação caminhava para o fim quando inquérito foi retirado da delegacia
Ao prestar queixa na delegacia de Prado, as vítimas mencionaram 12 nomes de pessoas vinculadas ao movimento reconhecidas por eles durante o ataque. Entre os acusados estão dirigentes nacionais e regionais do MST.
A investigação avançava rapidamente e vários dos citados no inquérito já haviam prestado depoimento. Porém, ainda em 2021, advogados do MST abriram um procedimento na Corregedoria da Polícia Civil solicitando que a investigação fosse encaminhada para a sede da Coordenadoria, em Teixeira de Freitas. De lá para cá, o inquérito segue em aberto.
As vítimas dos ataques acreditam que o poder político que lideranças do MST exercem no estado impede que avance a apuração desse e de outros casos de violência contra assentados que não se alinham aos interesses do movimento social.
Vítima dos criminosos foi convidada a depor na CPI da MST
Vanuza recentemente foi convidada por parlamentares para depor na CPI do MST, que teve início em abril na Câmara dos Deputados e tem como objetivo investigar as invasões de terra pelo MST, que tiveram um aumento significativo neste ano, bem como seus objetivos e fonte de financiamento.
À reportagem, ela contou que, desde a expulsão do assentamento, passou a morar na casa de familiares, em Porto Seguro, que fica a mais de 200 quilômetros da antiga casa que foi vandalizada.
“O inquérito não teve nenhum avanço, ficou esquecido. A delegada não dá satisfação nenhuma. Minha esperança agora é só a CPI. Segundo as informações, uma equipe virá acompanhar o que tem acontecido no extremo sul da Bahia. Estou na esperança de sair alguma coisa, de fazerem justiça”, disse.
Já Valmir e seus familiares passaram a morar em Teixeira de Freitas, a 80 quilômetros de Prado. Assim como Vanuza, deixou para trás a única forma de sustento da família que eram as atividades agrícolas.
No início do ano passado, um casal de idosos amigos do produtor rural, que também residia no assentamento Fábio Henrique e participava da associação, teve sua casa totalmente vandalizada (veja aqui) pelos militantes. O idoso, de 67 anos, foi espancado e obrigado a deixar a casa de madrugada junto à esposa, de 68, apenas com as roupas do corpo. Segundo o relato do casal, durante as agressões os criminosos afirmaram que o casal estaria passando informações do assentamento para Valmir.
Nesta semana, a reportagem contatou o agricultor. Por telefone, ele lamentou a demora da conclusão das investigações e disse que não tem mais esperança de justiça em relação ao episódio. “Para mim é passado, não quero nem mais falar sobre isso. Acabou. Não existe justiça no Brasil para isso”, desabafou.
Posicionamento do MST
A Gazeta do Povo contatou a assessoria do MST e abriu espaço para posicionamento em relação às acusações de envolvimento nas agressões relatadas nesta matéria. Não houve retorno até o fechamento da reportagem.
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