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Insignificância vira brecha para contraventores

“Sacoleiros” na fronteira do Brasil com o Paraguai: número de casos de pessoas com mercadorias no valor de até R$ 10 mil cresceu na região entre 2009 e 2010 | Christian Rizzi/Gazeta do Povo
“Sacoleiros” na fronteira do Brasil com o Paraguai: número de casos de pessoas com mercadorias no valor de até R$ 10 mil cresceu na região entre 2009 e 2010 (Foto: Christian Rizzi/Gazeta do Povo)

Preceito jurídico aplicado em delitos de menor importância que fogem à sanção penal, o princípio da insignificância começa a ser usado como brecha para contraventores do Fisco fugirem de punições severas. Em Foz do Iguaçu, na fronteira do Brasil com o Paraguai, o número de casos de descaminho (aquisição de mercadorias sem o pagamento devido de imposto no valor de até R$ 10 mil), nos quais é comum a aplicação do princípio da insignificância, aumentou 39% entre 2009 e 2010. Por outro lado, os registros de contrabando e de entrada ilegal de mercadorias no Brasil, cujos tributos superam R$ 10 mil, nos quais não é possível usar a regra, caíram 10%.Em 2009, a Receita Federal (RF) registrou 7.946 representações fiscais envolvendo o descaminho com valores de tributos inferiores a R$ 10 mil. Em 2010, foram 11.063. As ocorrências de contrabando – entrada de mercadorias proibidas – e as apreensões com mercadorias que somam impostos acima de R$ 10 mil chegaram a um total de 1.554 registros, em 2009, e de 1.397 em 2010.

Também conhecido como bagatela, o princípio é aplicado em crimes considerados insignificantes, nos quais não é necessário abrir um processo e acionar a má­­quina judiciária. Nesse rol entram não só o descaminho, mas pequenos furtos e alguns crimes ambientais. Para se utilizar dessa ferramenta é preciso que o caso se enquadre em quatro re­­qui­­­sitos principais: mínima ofensividade do agente, nenhuma periculosidade social da ação, reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica provocada.

Apesar de haver limites para a aplicação do princípio, é preciso usá-lo com critério, diz o procurador da República no Rio Grande do Sul Douglas Fischer. Para ele, a aplicação desmedida do preceito estimula o crime, pois as pessoas que infringem a lei sabem que não irão receber uma punição severa. A bagatela vem sendo aplicada não só nos casos de descaminho, mas também em sonegações variadas, o que faz o número de ações aumentar ao invés de diminuir. "Esse tipo de conduta está estimulando a prática criminosa e o pessoal já sabe disso, tanto que agora a maioria dos casos de apreensões envolvem valor um pouco abaixo dos R$ 10 mil", diz o procurador.

Como exemplo, Fischer cita um caso que chegou à procuradoria. Um homem surpreendido com mercadorias ilegais tinha 18 registros criminais, mas foi beneficiado pelo princípio da insignificância pelo Tribunal Regional Federal (TRF) da 4.ª Região. A procuradoria interpôs recurso contra a decisão.

Quando é caso é enquadrado no princípio da insignificância, o réu perde a mercadoria e não é preso, mas precisa quitar os tributos. O processo é arquivado. Em casos de descaminho nos quais não é possível aplicar o princípio, o processo criminal é instaurado. Fischer não defende o encarceramento de pessoas que se enquadram no princípio da insignificância, mas sim que o réu preste ao menos serviço à comunidade.

O argumento para a aplicação do princípio em casos com tributos devidos abaixo de R$ 10 mil é que as custas de um processo desse tipo podem ser mais altos que os valores devidos. O critério é usado porque quem adquire mercadorias para fins comerciais no Paraguai precisa pagar IPI, II, PIS e Cofins e fazer um trâmite de importação. A cota de US$ 300 não serve como parâmetro porque é exclusiva para produtos de uso pessoal.

Em Foz do Iguaçu, as mercadorias apreendidas são levadas à Receita Federal, onde é feita uma representação fiscal encaminhada posteriormente ao Ministério Público, que recebe o processo e avalia se é pertinente ou não entrar com uma ação penal. Se o princípio da insignificância for aplicado, o procurador pede à Justiça o arquivamento do processo. O juiz pode concordar ou não.

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