Ao se sentirem acolhidas, grande maioria das mulheres desiste de abortar| Foto: Lúcio Bernardo Jr./Agência Brasília
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No dia em que completou 18 anos, uma jovem recebeu a notícia inesperada de que estava grávida. A gestação era resultado de uma violência sexual. Mesmo como principal fonte de renda da casa e enfrentando uma depressão, a garota decidiu levar a gravidez adiante e entregar a bebê para adoção. No dia da alta do hospital, a jovem pediu para ver a bebê. Na companhia dos pais, virou para eles e disse: “Ela é minha filha. Posso levá-la para casa?”. “Filha, ela é nossa neta”, respondeu o pai emocionado. Histórias como essa são comuns a Rose Santiago, fundadora e diretora-executiva do Centro de Reestruturação para a Vida (Cervi), que ampara especialmente mulheres que querem abortar.

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Há 24 anos, o Cervi já realizou mais de 20 mil atendimentos diversos. Os mais comuns são os de mães que chegam com uma gestação inesperada, muitas vezes resultantes de estupro, ou até que estão à procura de suporte psicológico para lidar com o trauma de provocar um aborto. “Nosso trabalho é mais qualitativo do que quantitativo”, ressalta Rose. Em grande parte dos casos, as mulheres chegam a ser acompanhadas por cerca de dois anos.

“A gente já atendeu moradora de rua e já atendeu juíza. O perfil socioeconômico de quem chega aqui é dos mais variados. Em relação à idade, já atendemos meninas de 10 a mulheres de 52 anos. Não nos importa a classe social”, comenta. Rose reforça que “aqui não tem ‘histórias de Cinderela’ com final de ‘felizes para sempre’, mas temos histórias de ressignificação, de resiliência, de transformação, de cura. E é isso que vale a pena”.

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Mulheres costumam desistir de abortar ao se sentirem amparadas e acolhidas

Um dos casos quer marcou Rose Santiago foi o de uma moradora da Cracolândia, que chegou ao Cervi com sete meses de uma gestação gemelar. A mulher tinha crescido em uma família envolvida com as drogas: a avó era traficante e a mãe “atravessadora”, responsável por fazer o transporte de entorpecentes.

A instituição foi atrás de uma igreja para oferecer a ela um tratamento para a dependência química. Após a recuperação, a ex-moradora da Cracolândia decidiu mudar de vida: conseguiu um emprego, alugou uma casa e passou a morar com os gêmeos e outros filhos que viviam aos cuidados de terceiros. “A vida dela foi uma lição para nós”, emociona-se Rose.

O segredo do atendimento do Cervi está no acolhimento da mulher que busca ajuda. “O foco é a mãe. Porque é a mãe que precisa de apoio naquele momento. O bebê é uma extensão dela e, para ela, naquele momento, o bebê é um problema. Ela não vê uma vida, mas sim um problema. Então, o aborto vem como uma solução para ela se desvencilhar desse problema”, explica.

“Por isso, a necessidade da acolhida, da escuta. Muitas chegam aqui sem falar diretamente que querem abortar, mas é possível ver no rosto delas que estão desesperadas com a gravidez”, completa Rose. Segundo ela, após serem amparadas, é comum que as mulheres consigam racionalizar e perceber como realmente desejam viver aquela gestação.

O primeiro contato deve ser feito por telefone ou WhatsApp. Em seguida, é marcada uma triagem na própria instituição para entender quais são as demandas daquela mulher que procura ajuda. A partir daí, o encaminhamento é feito conforme o necessário. “Nesses mais de 20 anos, menos de 0,1% abortou depois que passou por aqui. Mas não acreditamos que seja a nossa função falar a elas que estão impedidas de abortar, mas também não a encaminhamos para o aborto”, esclarece.

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Acompanhamento integral: cuidado da gravidez à geração de renda

O acompanhamento prestado pelo Cervi é integral, desde cuidados dentários até doulas, conforme as necessidades de cada mulher. Os principais atendimentos, como o acompanhamento psicológico e social, são oferecidos pelas próprias funcionárias da instituição. Outros serviços, como exames de sangue, ultrassom, ou até mesmo uma dentista, são realizados por parceiros a um preço acessível. “Dependendo da situação da mulher, a gente consegue o atendimento gratuito”, comenta Rose.

“Uma das nossas atendidas, que estava com uma dor de dente terrível, terá uma consulta de graça amanhã por uma amiga dentista. Eu sempre brinco que não é fácil ser nosso amigo, porque pedimos ajuda mesmo”, brinca.

As gestantes que seguem o acompanhamento recebem um enxoval básico para a chegada do bebê. “É simples, só o básico. Mas tem muito carinho”, ressalta. Conforme o bebê cresce, as mães podem trocar as roupas que não servem mais por outras de tamanho maior, o que incentiva a continuidade do atendimento após o parto.

O Cervi também oferece ou facilita programas de geração de renda. Em parceria com a ONG Selo Amor Expresso, por exemplo, as mulheres têm acesso a treinamentos profissionais para se tornarem baristas. De lá, muitas vezes são até encaminhadas para uma entrevista de emprego e acompanhadas até seis meses depois de concluírem o curso.

Cervi conta com doações de pessoas físicas e empresas para se manter

O Cervi conta com a ajuda de voluntários e doadores para que o projeto siga em frente. Os custos são numerosos, desde a manutenção da casa onde os atendimentos são realizados até a contratação de profissionais especializados. Uma parte considerável da renda do Cervi vem de um bazar permanente localizado no mesmo prédio.

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Doação de pessoas físicas ou empresas acabam sendo as mais importantes para a instituição, que conta com essa ajuda para atender de forma mais completa as mulheres que chegam à procura de ajuda. “A gente agradece cada um dos nossos doadores e fazemos um relatório de atividades para que saibam como o nosso dinheiro está sendo gasto”, comenta.

Contato do Cervi
 (11) 94706-0819

Para ajudar
CERVI – Centro de Reestruturação Para a Vida
Pix: 03806878000107
Banco: Itaú
Agência: 0383
Conta corrente: 63082-9

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]