Quase mil denúncias de violações de direitos de crianças e adolescentes, registradas pelo Disque 100 durante o primeiro semestre de 2020, estão associadas ao mau uso da internet, de aplicativos e de redes sociais, de acordo com levantamento do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH). Os dados, que foram coletados do canal específico do ministério para registrar violações de direitos humanos em todo o país, apontam que o ambiente virtual é o 5º local em que mais acontece esse tipo de ocorrência.
As denúncias relacionadas ao ambiente online, que somam 969 casos, perdem apenas para as que ocorreram na casa em que residem vítima e suspeito (34.376 denúncias); na residência da vítima (7.108), na casa do suspeito (4.401) e em vias públicas (1.492). Dentre essas violações, as mais recorrentes estão relacionadas a assédio sexual e constrangimento.
Ao todo, foram registrados 52.887 relatos de violência contra crianças e adolescentes nos seis primeiros meses de 2020. As informações foram consolidadas de forma preliminar pela Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, que integra o MMFDH. De acordo com o ouvidor nacional de direitos humanos, Fernando Ferreira, o balanço completo do número de denúncias recebidas será divulgado durante o lançamento, ainda neste ano, de um painel interativo que permitirá o cruzamento dos registros. Na ocasião, a Ouvidoria compartilhará informações sobre a nova metodologia adotada para a coleta e a interpretação dos dados.
Conduta dos pais é determinante para minimizar riscos
Distantes fisicamente da escola e dos amigos, crianças e adolescentes podem compensar a “vida social” de forma online aumentando o tempo de uso de celulares, notebooks e demais aparelhos conectados à internet durante o período de distanciamento social. Como consequência, esse tempo prolongado no ambiente digital pode favorecer o aumento de violações.
“Quanto mais tempo a criança e o adolescente passam online, mais expostos estão. Mas é importante diferenciar riscos de danos. A criança pode estar exposta ao risco, mas, a depender das habilidades que tem para lidar com eles, isso não irá necessariamente causar danos, sofrimentos e transtornos”, explica Juliana Cunha, psicóloga e diretora da ONG Safernet.
Para ela, o diálogo entre pais ou responsáveis com as crianças e adolescentes a respeito da cibersegurança é fundamental e ainda mais importante do que a fiscalização do comportamento dos filhos no ambiente online ou a aplicação de sanções. “É preciso conversar com as crianças sobre isso como se conversaria sobre os cuidados ao interagir com estranhos quando for brincar na rua ou quando for à casa de um amigo”, destaca a psicóloga.
Ela afirma que a fiscalização invasiva - por meio do uso de softwares e aplicativos “espiões”, em que os pais conseguem acessar todo tipo de navegação e conversação online dos filhos - pode abalar a relação de confiança, e a criança pode ficar com medo de se abrir com os pais quando estiver diante de uma situação de perigo.
A diretora da Safernet aponta outras práticas importantes para pais prevenirem violações cibernéticas contra seus filhos: ensinar estratégias de proteção quanto a contatos desconhecidos, tais como não responder, bloquear ou até mesmo denunciar na própria plataforma; autorizar o acesso somente a redes sociais e canais que estejam de acordo com suas faixas etárias; verificar se os canais de conteúdo oferecem algum tipo de moderação - o Youtube, por exemplo, possui a versão Kids, com filtragem e curadoria de conteúdos; e estar junto com as crianças mais novas nos primeiros anos de navegação na internet.
Luiz Walmocyr, especialista em crimes cibernéticos e autor do livro Protegendo Anjos, que aborda a problemática do abuso sexual infantil, observa que o aliciamento e a exposição a conteúdos inadequados estão entre os principais perigos que crianças e adolescentes estão expostos no ambiente virtual.
“Antigamente os pedófilos tinham um determinado método para 'obtenção de vítimas' – se aproximavam de uma escola, ofereciam alguma coisa para as crianças para atraí-las. Hoje isso não é mais feito no mundo real, e sim no virtual”, explica. Walmocyr destaca que muitas crianças, ao se depararem com situações de aliciamento, não se sentem confortáveis para conversar com os pais e tentam resolver isso sozinhas. “Muitas vezes essas crianças são chantageadas ou ameaçadas pelos indivíduos, e para elas lidarem com esse tipo de situação é muito difícil. Se tantos adultos caem em golpes cibernéticos, imagine para uma criança”, afirma.
Quanto a exposição a conteúdos inadequados, o especialista observa que muitas crianças têm acesso cada vez mais cedo a redes sociais e aplicativos, como WhatsApp, e passam a estar expostas a receber conteúdos violentos ou com temática sexual, que podem causar danos em seu desenvolvimento.
Walmocyr reforça a importância do diálogo entre pais e filhos para estabelecer confiança e facilitar que a criança ou o adolescente busque ajuda dos responsáveis em caso de situação ameaçadora. Outro ponto é desenvolver uma cultura de segurança cibernética.
“É preciso ensinar as crianças a não se expor muito na internet, cuidar com o que publicam, e fiscalizar o que elas estão fazendo. A criança não pode utilizar equipamentos conectados à internet num ambiente fechado, trancada no quarto. Isso pode ser feito num lugar em que os pais tenham maior controle sobre o que está acontecendo”, salienta.
O que fazer diante de situações de ciberviolência contra crianças e adolescentes
De acordo com as fontes ouvidas pela reportagem, ao identificar um caso de ciberviolência, é fundamental denunciar o caso imediatamente. Umas das formas é por meio do Disque Direitos Humanos (Disque 100) do MMFDH – canal de denúncias de violações de direitos humanos e de disseminação de informações sobre direitos de grupos vulneráveis que funciona diariamente durante 24h, incluindo sábados, domingos e feriados. Por esse canal - que permite relatar o caso de forma anônima -, a denúncia será analisada e poderá ser encaminhada aos órgãos de proteção, defesa e responsabilização. O denunciante também deve ir até uma delegacia de polícia para registrar boletim de ocorrência.
Nos casos de ciberbullying – quando alguém utiliza a internet para agredir, perseguir ou ridicularizar outra pessoa, como em casos de compartilhamento de imagens ou dados íntimos ou de ofensas pelas redes sociais –, muitas vezes essas práticas são realizadas por crianças e adolescentes. A ocorrência policial nesses casos deve ser feita considerando a gravidade e o nível de agressividade.
“No caso de uma adolescente que começa a sofrer bullying por uma imagem sua que foi roubada do seu computador, por exemplo, é preciso fazer a denúncia, assim como também há meios para que essa imagem seja retirada da internet e para responsabilizar o autor da prática”, explica Walmocyr.
Conscientização
No dia 9 de novembro, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos lançou uma campanha de conscientização das famílias sobre os riscos de exposição de crianças na internet. Durante o período da campanha, serão disponibilizadas na internet, TV e rádio orientações aos pais ou responsáveis sobre como proteger seus filhos de práticas inadequadas com relação ao uso da tecnologia.
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