No último dia 22 de junho, um grupo de 15 indígenas invadiu a fazenda Terra Vista III. Localizada no município do Prado, no extremo sul da Bahia, ela tem 600 hectares e faz divisa com o Parque Nacional do Descobrimento. Tem documentação regularizada há seis décadas e pertence à mesma família há 20 anos. Produz eucalipto, pimenta-do-reino e gado e segue todos os critérios de preservação ambiental – mais de metade da área é mantida para preservação.
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Utilizando três veículos Mitsubishi L200 Triton tomados de órgãos públicos da região nas semanas anteriores à ação, incluindo a Fundação Nacional do Índio (Funai), os atacantes detiveram cinco funcionários da fazenda e outros dez funcionários terceirizados. Retidos por duas horas, só foram liberados mediante o pagamento de um resgate, na forma de 2 mil litros de óleo diesel. Desde então, o grupo permanece no local.
Em meados de agosto, os proprietários, que não tiveram mais acesso à sede da fazenda, nem aos maquinários próprios mantidos no local, se aproximaram da divisa e enviaram drones para dentro do território. Filmaram indígenas armados, queimando eucaliptos. Assim que perceberam que suas ações estavam sendo registradas, os indígenas utilizaram um dos veículos tomados para percorrer, em velocidade e fortemente armados, o trajeto até a divisa da fazenda. Apesar das ameaças, os proprietários não são bem sucedidos nas tentativas de requisitar a reintegração da posse do local.
Procurado pela reportagem, o Ministério Público Federal (MPF) na Bahia informou que “tem acompanhado os conflitos fundiários no sul da Bahia, inclusive com a abertura de inquéritos para apurar a situação atual de disputas em territórios indígenas”. E prosseguiu: “No momento, o MPF mantém contato constante com as autoridades responsáveis para apurar a situação, evitar novos conflitos e buscar a segurança das comunidades indígenas. Nesse sentido, realizam-se diálogos constantes com Polícia Federal, Polícia Militar e Funai, instando os órgãos a atuar no local dos conflitos. Na esfera judicial, o MPF tem atuado em diversas ações de reintegração de posse, fiscalizando a correta aplicação da lei”.
Sobre o caso específico da fazenda Terra Vista III, informou: “No momento, não daremos mais detalhes sobre o caso”. Já a Funai se manifestou por meio de nota, publicada no dia 22 de agosto e que deixa claro que está tentando negociar uma retirada dos invasores: “A Funai vem a público esclarecer que, enquanto instituição pública, calcada na supremacia do interesse público, não pode coadunar com nenhum tipo de conduta ilícita. Por conseguinte, é atribuição da Funai a adoção de providências no sentido de esclarecer aos indígenas acerca da ilicitude de sua conduta e desestimular práticas que correspondem ao esbulho ou turbação de propriedades, sob pena de a responsabilização por omissão”.
Reação da Funai
A nota da Funai reforça o argumento dos proprietários da fazenda: ainda que os indígenas locais questionem o trabalho ali realizado e mantenham reinvindicações na Justiça a respeito da posse daquele território em específico, não há nenhuma decisão que apoie a invasão. “Incorre em grave deformação do regime democrático a atuação, individual ou coletiva, que, sob pretexto de pressionar ao rápido e incondicional atendimento de reivindicações, descamba para o uso de estratégias baseadas na truculência, torpeza e desprezo total aos padrões mais elementares de civilidade e sensatez”, afirma o órgão dedicado a proteger a população indígena em suas demandas legítimas.
“O apego extremado, mesmo quando não proposital, à máxima de que ‘os fins justificam os meios’, cabendo sob tal ótica lançar mão de tudo quanto for imaginável para impor as aspirações de uma pessoa ou de um grupo descontente com uma determinada situação, abre margem à instalação de um perigoso, ignóbil e retrógrado quadro de barbárie, colocando em sério risco o sentimento de paz social e desestabilizando fortemente a ordem pública”.
O órgão informa ainda que “tem se empenhado e promovido ações de conscientização junto às comunidades indígenas acerca da inviabilidade da prática de atos ilícitos”. Aliás, a fundação protocolou pedido de busca e apreensão de seu veículo oficial “retido indevidamente por indígenas”.
Nada a declarar
Nos últimos anos, outras propriedades têm sido ocupadas pelo grupo, que se denomina Movimento de Resistência Camponesa e atua no sul da Bahia. Em geral, eles tomam veículos oficiais, ocupam fazendas, expulsam funcionários mediante o pagamento de resgate e depredam as propriedades. Procurado por ligação telefônica, um dos principais líderes da ocupação não atendeu à reportagem.
Quanto aos proprietários da fazenda Terra Vista III, já protocolaram pedidos de ajuda para diferentes instituições, do governo estadual da Bahia ao Ministério Público Federal. De seu lado, a Associação dos Produtores do Eucalipto do Extremo Sul da Bahia (Aspex) pediu medidas contra o ataque. E lembrou que “toda ação de invasão, sobretudo quando realizada com a degradação das culturas produtivas, ainda mais com o emprego de queimada, é crime, contrária a múltiplas normas, inclusive ambientais, jamais podendo ser equiparada a qualquer espécie de ação legítima, seja qual for a motivação”.
A entidade lembra que a ação levou pânico às famílias produtoras da região. “Temos centenas de produtores, famílias e colaboradores, além de empresas prestadoras de serviços e toda cadeia produtiva das florestas plantadas que são diretamente afetadas pela ocorrência e, também, pela absoluta insegurança que se instaurou a partir da verdadeira ameaça de incêndios florestais, invasões e depredação das propriedades rurais produtivas nesta região do extremo sul, em justo receio de lesões aos mais comezinhos direitos de um cidadão”.
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