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Provável futuro presidente da Câmara, o deputado federal Hugo Motta (Republicanos-PB) deve ter sobre temas culturais controversos – como aborto, anistia aos presos do 8/1 e liberdade de expressão – a mesma abordagem do atual chefe da Casa, Arthur Lira (PP-AL): equilibrar-se entre os opostos sem se comprometer com nenhum lado.
Para a eleição à Presidência que ocorre no começo de fevereiro, Motta já tem o apoio de 18 partidos, que somam 495 dos 513 deputados da Câmara. Um dos motivos para a ampla aceitação, que concilia até PL e PT, é evidente: Motta é um político "isentão", que nunca se posiciona sobre nenhum assunto polêmico. Com isso, não agrada muito a nenhum dos lados, mas também não desperta rejeições intensas.
Desde que se elegeu deputado pela primeira vez, em 2010, até hoje, quase não se encontram rastros públicos de opiniões suas sobre temas controversos. Mesmo ao votar em assuntos mais conflituosos – como quando foi a favor do marco temporal das terras indígenas, por exemplo –, o parlamentar tende a se manter discreto.
Nas redes sociais, as suas postagens se resumem a encontros com políticos para manifestar apoio ou parceria, entregas a municípios paraibanos de obras e recursos obtidos por meio de sua atividade parlamentar, fotos com a família e algumas mensagens em festividades civis ou religiosas – ele se apresenta como católico.
Nas poucas entrevistas que concede, Motta pouco fala abertamente sobre sua visão de mundo. O deputado Marcos Pereira, presidente de seu partido, é pastor da Igreja Universal, o que sugere certo compromisso com um eleitorado de perfil mais conservador. Contudo, o próprio Pereira, em entrevista recente ao SBT, disse que a Câmara deveria focar em pautas econômicas neste momento, e que temas como o aborto não deveriam ser prioridade agora e dificilmente passariam no Plenário.
"São pautas que têm relevância, mas que contaminam o debate político. A população brasileira é, majoritariamente, pelas pesquisas, contrária ao aborto – algo em torno de 70 e poucos por cento são contra, segundo as pesquisas publicadas. Mas, vamos lá, a população está efetivamente preocupada com isso?", questionou Pereira. "A população quer ter emprego, segurança, saúde, então quem faz esse tipo de pauta no presente momento está fazendo uma pauta pensando em jogar para a plateia, em jogar para os seus eleitores", complementou.
Acordos com a esquerda devem desestimular Motta a ouvir conservadores.
Nas conversas para obter o apoio de quase todos os partidos na Câmara, Motta costurou acordos com políticos governistas que envolvem não priorizar pautas de costumes e outras controvérsias.
Diante disso, ele tenderá a exercer seu papel de equilibrista político do Centrão não só em relação ao aborto, mas em diversas propostas aprovadas pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) em 2024, como o PL da anistia aos presos do 8 de janeiro, o pacote antiativismo judicial, a PEC das Drogas, o pacote anti-MST e o PL do voto impresso.
Além disso, o desejo de não entrar em confronto direto com o Supremo Tribunal Federal (STF) também deve desestimular o futuro presidente da Câmara a atender a clamores da direita em temas controversos. Segundo o portal Metrópoles, o deputado já fez uma reunião de beija-mão em sigilo com o ministro Gilmar Mendes, do STF, que teria ficado satisfeito com o que ouviu, segundo o veículo.
Neste sentido, o mais provável é que Motta mantenha a harmonia levemente contenciosa que caracterizou a relação de Lira com o Supremo, comprando brigas eventuais ante a frequente invasão de competências do Judiciário em relação ao Legislativo, mas sem levar o conflito às últimas consequências.
Para o deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP), Motta "vai ser um Lirinha", fazendo um jogo de equilíbrio, mas, na prática, impedindo o avanço de pautas importantes para a direita. Ele critica as concessões que o parlamentar já fez a partidos de esquerda. "Do nosso lado não impusemos nenhum acordo sobre nenhuma pauta. Isso é um drible na expectativa da opinião pública", afirma.
Na visão do cientista político Paulo Kramer, Motta "ficará entre a conveniência das emendas, a arrogância do STF e o clamor das ruas". "Quanto a este terceiro fator, creio que seu volume aumentará alguns decibéis neste novo ano", observa. "Golbery dizia: 'Convém não provocar o monstro' – o povo. Impossível prever com precisão qual a gota d'água que fará o copo transbordar, mas creio que o Brasil está caminhando para lá."