Recomeço na condição de refugiado
O Brasil não é a primeira escolha dos refugiados, mas a possível. Diante das restrições das políticas migratórias na Europa e nos Estados Unidos, os estrangeiros em busca de um refúgio para recomeçar a vida passaram a ver o Brasil como uma alternativa devido à estabilidade econômica. A maioria está no país como imigrante, mas muitos tiveram a condição de refugiados reconhecida ao comprovar que a saída do país de origem se deu por perseguição política, religiosa ou conflito armado. É o caso do xeque de Marechal Cândido Rondon, Nazmul Islam.
Confrontos entre ativistas pró-governo e oposicionistas em Bangladesh têm provocado uma diáspora bengali. De um lado, a Liga Awami da primeira-ministra Sheikh Hasina, filha do fundador do país, Sheikh Mujibur Rahman; de outro, o partido islamita Jamate-e-Islam e o Partido Nacionalista, ambos de oposição. Comerciantes contrários ao governo, os pais de Nazmul passaram a sofrer perseguição política. Nazmul fugiu para o Brasil. Há um ano e seis meses trabalha no abate halal da Copagril e foi eleito o líder espiritual pela comunidade islâmica de Marechal Cândido Rondon.
Aos 27 anos, Nazmul é um sujeito carismático e falante, embora ainda se atrapalhe com o português. A comunicação com os locais se dá mais por mímica. A propósito, o idioma dificulta a integração. Os bengalis falam inglês, indiano ou chinês, línguas praticamente desconhecidas na cidade. Isso os tem obrigado a aprender português, um processo lento e macerado. O que mais agrada é andar pelas ruas sem estar sendo seguido pela polícia política bengali. Nazmul não apenas ficar no Brasil, ele quer encontrar uma esposa brasileira.
Em família
Paquistanês encontra um amor alemão nas terras do Brasil
O paquistanês Muhammad Imran, 38, entrou no Brasil há 12 anos por São Paulo, mas o destino seria Porto Alegre, onde amigos poderiam ajudá-lo. Foi ajudante de pedreiro, segurança e tradutor antes de começar a trabalhar no abate halal num frigorífico de Montenegro, na Região Metropolitana de Porto Alegre. Durante quase oito anos foi sangrador, o operário que degola os frangos, em Triunfo (RS).
Ainda em Triunfo, Mohamad conheceu uma brasileira de ascendência alemã e se casou no civil após a conversão dela ao Islã. Em seguida, o casal casou no religioso na mesquita de Porto Alegre. Depois, viajou ao Paquistão para a família do noivo participar da festa. Foi logo após o retorno ao Brasil que Mohamad começou a trabalhar no frigorífico de Montenegro. Bem articulado, avançou na carreira.
Há quatro anos, Mohamad passou a ser supervisor do abate halal em Itajaí (SC) pela certificadora Siil Halal. Ali nasceu a primeira filha, hoje com 2 anos e 8 meses. A segunda nasceu em Marechal Cândido Rondon, para onde ele foi transferido pela empresa para desenvolver a mesma atividade no frigorífico da Copagril.
A chegada da nova leva de imigrantes ao interior do Paraná trouxe ares cosmopolitas a pequenas cidades de vocação rural, dando impulso à diversidade religiosa e cultural. Os exemplos se espalham por todo o estado, em geral tendo o abate halal em frigoríficos como vetor da migração, uma vez que a degola de frangos exportados a países islâmicos só pode ser feita por muçulmanos. Os casos mais emblemáticos estão nas cidades de Marechal Cândido Rondon, no Oeste, e Dois Vizinhos, no Sudoeste.
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Há quatro anos, os muçulmanos de Rondon se resumiam a uns dez filhos de imigrantes desembarcados nos anos 1960. De repente, a cidade onde 80% dos 47 mil habitantes têm ascendência alemã começou a receber gente da Palestina, Bangladesh, Líbano, Senegal, Síria, Egito, Guiné e Paquistão. O crescimento da comunidade islâmica levou à inauguração da mesquita em 2014. A sala alugada ainda remete ao improviso, mas é o suficiente para receber em sistema de rodízio parte dos 170 muçulmanos que trabalham no abate halal no frigorífico da Copagril.
Cosmopolita
Já a cidade de Dois Vizinhos estava predestinada ao cosmopolitismo muito antes de sua emancipação, há 53 anos. Primeiro chegaram os gaúchos de ascendência italiana, depois vieram os alemães de Santa Catarina, os poloneses das colônias mais ao sul e os japoneses do norte do estado. Juntos, fizeram da cidade uma campeã na produção de frangos. A alta nas vendas ao Oriente Médio nos anos 1980 levou a Sadia a adaptar a planta local para atender aos países islâmicos. E o fenômeno migratório foi se dando na intensidade das exportações.
Pessoas de 14 nacionalidades se incorporaram nos últimos dez anos aos muitos sotaques que deram à cidade o título de capital nacional do frango, com o abate de 574 mil aves por dia, o maior da América Latina. Nesse meio tempo houve uma curiosa reviravolta migratória nessa pacata cidade de 36 mil habitantes. Até 2009, a comunidade islâmica tinha 80 pessoas, a maioria de senegaleses empregados no abate halal na Sadia. Eles não se adaptaram ao trabalho e se dispersaram. Alguns voltaram para o Senegal, outros foram para a Bahia, Pernambuco ou Mato Grosso do Sul.
Para ocupar o lugar deles vieram os bengalis, maioria entre os atuais 120 estrangeiros oriundos também da Palestina, Iraque, Jordânia, Líbano, Síria, Guiné, Senegal, Angola, Moçambique, Paquistão, Afeganistão e Caxemira. Há, ainda, 15 brasileiros convertidos ao Islã. A maioria trabalha no abate halal no frigorífico da Sadia, onde há uma sala de orações para os muçulmanos.
Com o aumento no número de islâmicos, surgiu a necessidade de um local de congregação fora da empresa. Assim, o Centro de Divulgação do Islã para a América Latina (CDIAL) providenciou em 2010 a inauguração de uma mesquita, que funciona às sextas-feiras com leitura dos versículos do Alcorão em árabe e os sermões em português.
A difícil integração em outro mundo
Um dos maiores desafios dos imigrantes é a integração com os moradores de um mundo às vezes bem diferente daquele de onde foram criados. Às dificuldades que começam pelo idioma e os costumes pode-se somar a desconfiança a uma religião da qual pouco se sabe além de uma vaga opinião formada às pressas nos noticiários. Mas apesar do ceticismo com que ainda é visto, o islamismo cresce sem grandes tropeços em pequenas cidades do interior do Paraná, como atesta o xeque de Dois Vizinhos, Cubilas Jamo Ibraimo.
Formado em Jurisprudência Islâmica pela Universidade de Medina, na Arábia Saudita, o moçambicano Cubilas chegou ao Brasil em 2009 para difundir o islamismo, trazido pelo Centro de Divulgação do Islã na América Latina (Cdial). Entrou por São Paulo, foi para Dois Vizinhos (PR), voltou a São Paulo, foi para Uberlândia (MG), retornou a São Paulo e dali seguiu para Fortaleza, onde foi sheik por dois anos. Voltou em maio de 2012 a Dois Vizinhos para assumir a mesquita local.
Sem restrição
"Desde que cheguei ao Brasil não sofri nenhum tipo de restrição. É fácil se integrar, porque basta o outro saber que você é muçulmano, ele recebe bem", diz Cubilas. Depois de três anos no Brasil, o xeque se casou com a mineira Solange dos Reis Souza Pereira, que mudou seu nome para Fauzia Ibraimo após a conversão para o islamismo. Ele reconhece, no entanto, que a integração com os locais nem sempre é fácil para a maioria dos imigrantes .
Também casado com uma brasileira, o paquistanês Muhammad Imran, supervisor do abate halal na Copagril em Marechal Cândido Rondon, acredita que a integração é mais fácil para os imigrantes mais jovens. "Dois meses trabalhando com os brasileiros, coisas básicas já começa a aprender", avalia. "Os jovens têm os amigos com quem saem no fim de semana, eles conseguem fazer amizades mais fácil, têm mais ânimo pra aprender as coisas", diz Mohamad.
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