As mudanças sugeridas pela prefeitura de São Paulo para a nova Lei de Zoneamento devem piorar significativamente o trânsito nos Jardins. O bairro da zona sul deve passar a liderar o ranking de congestionamentos na capital quando se considera o transporte individual - carros e motos. O motivo é o aumento no número de comércios e serviços, que deve ser autorizado na chamada Zona de Estruturação Urbana, que engloba os trechos entre as Avenida Paulista e Brasil e entre Rebouças e Brigadeiro Luís Antônio, em Cerqueira César.
É o que consta da análise de impacto no trânsito encomendada pela Sociedade dos Amigos, Moradores e Empreendedores do Bairro de Cerqueira César (Samorcc) ao arquiteto, urbanista consultor de trânsito e transporte Flamínio Fichmann.
O número de viagens hoje em transporte individual na região é de 111.586 por dia. Com a nova Lei de Zoneamento, o bairro passaria a ter 149.086 viagens por dia em uma área de apenas 3,8 quilômetros quadrados. O resultado foi apresentado nessa quinta, 27, no Colégio Dante Alighieri, na região da Avenida Paulista. Foram exibidas ainda análises jurídicas, ambientais e urbanísticas da Lei de Zoneamento.
A principal polêmica do texto, entregue à Câmara por Fernando Haddad (PT) no dia 2 de junho, é a liberação de comércio e serviços em antigos “santuários de tranquilidade”: as Zonas Estritamente Residenciais, perto do centro. Um trecho dos Jardins é ainda zona mista, que permite atividades comerciais.
Com a nova determinação de Zona de Estruturação Urbana, o que muda são as densidades construtivas e demográficas, que passarão a ser “altas”. “Com esse incremento de viagens, o sistema viário não terá condições de absorção. Então, isso vai produzir grandes congestionamentos e essa região tende a deteriorar. Ficará absolutamente comprometida”, explicou o autor do estudo.
Segundo a análise de Fichmann, Cerqueira César ocupa a sexta posição no adensamento por viagens individuais na capital. Os efeitos serão sentidos cinco anos após a aprovação da nova Lei de Zoneamento, explica. A região se transformará na mais adensada para carros da cidade, ultrapassando Bela Vista, República, Sé, Jardim Paulista e Consolação. “Cerqueira César, passando a liderar, vai assumir características semelhantes a esses bairros, que já perderam o seu valor e foram descaracterizados”, afirmou o consultor.
De acordo com Fichmann, a deterioração será “gradativa”, com movimentação do setor empresarial para edificar construções na região. Hoje com 144 mil empregos, o bairro ganhará mais 46 mil postos de trabalho. “Teremos um crescimento de 32% em empregos. E isso significa 32% de viagens a mais.”
Com mais veículos e, portanto, mais congestionamentos, a tendência é de que os moradores se retirem do bairro. As residências darão lugar ao comércio, que ganhará de 1 milhão a 3 milhões de metros quadrados da área.
A exclusão de uma faixa de 40 metros da Rua Estados Unidos, nos Jardins, para fins de zoneamento, também é questionada pela associação de moradores. Marcelo Manhães de Almeida, advogado especializado em Direito Urbanístico e contratado pela Samorcc para realizar as análises jurídicas da nova Lei de Zoneamento, questionou a medida.
A via representa uma transição entre o adensado bairro de Cerqueira César e os Jardins e, desde 1972, foi prevista ali uma “zona de amortecimento”, faixa de 40 metros onde são vetadas construções acima de dois andares. Pela nova proposta em tramitação, a restrição deixa de existir, devendo apenas ser respeitado o lote lindeiro - aquele cuja frente é para a Estados Unidos. Imóveis com saídas para ruas laterais, mesmo que estejam na margem dos 40 metros, poderão receber prédios sem limite de gabarito.
“O Plano Diretor aprovado em 2014 determina que a nova Lei de Zoneamento não pode ser menos restritiva que a anterior em regiões como aquela da Rua Estados Unidos. Portanto, todas as restrições de hoje devem ser mantidas”, afirmou Manhães.
Em nota, a Prefeitura disse que a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano (SMDU) está avaliando as questões e demandas levantadas. “A ideia é avaliar esses e outros questionamentos que venham a surgir em conjunto com a sociedade, na nova rodada de audiências públicas, bem como com os vereadores e líderes do governo na Câmara”, informou.
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