Deveriam inventar um título de honra – permanente, merecedor de faixa e medalha no peito – para o taxonomista irlandês Matthew Jebb, presidente (chairman) de um dos grupos de trabalho da COP/MOP, as conferências internacionais realizadas pela ONU em Curitiba e encerradas no início da madrugada de sábado. Explico. Dentre as 4 mil pessoas que circularam pelo Expo Trade durante três semanas, o cientista de Dublin é o que melhor representa o espírito das conferências. E olha que por ali passaram indígenas da Rússia (sim, isso é incrível, mais de 40 grupos tradicionais sobreviveram à União Soviética), implacáveis negociadores canadenses e australianos, além de representantes da Via Campesina como Francisca Rodrigues – uma das mulheres que deram gritos de guerra que abalaram o concreto armado da diplomacia.

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Mister Jebb não empunhou cartazes contra as sementes terminator – como Francisca; nem vestiu roupas típicas, até porque se o fizesse, seria confundido com o ex-padre de saia que derrubou Vanderlei Cordeiro de Lima, na Olimpíada. Xingamento na certa. Até onde se sabe, não bancou o tranca-rua das negociações, lugar de direito dos países ricos. Ele simplesmente foi aquele parceiro de jogo com o qual todo mundo gostaria de se sentar diante de um tabuleiro, para uma tarde perdida, regada a K-suco de framboesa e biscoitos de coco.

Ao subir no tablado e assumir a presidência da mesa, pôs sua cara de cidadão comum a serviço das Nações Unidas. Parecia estar se divertindo como um colegial em férias. Em certas horas, lembrava Robin Williams em Bom-dia, Vietnã. Era contagiante ouvi-lo dizer: "Fale, Paquistão", ou "Que ótimo, Zimbábue", "Olá, Arábia Saudita". A melhor de todas foi: "Sim, Estados Unidos, vocês podem participar. Será uma alegria para nós." Nada como ter a frase certa na hora certa. Coisa de bom jogador. E só bons jogadores podem dizer: "Ah, que pena, a COP/MOP acabou. Ao tabuleiro. [observação: tabuleiro no qual os EUA são não-parte, mas mexem peças para caramba]."

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Nas semanas que antecederam o início das conferências, as regras do jogo ficaram visíveis. Uma delas diz que quem trabalha com meio ambiente não palestra, discursa, não ensina nada a ninguém, seja ele cientista ou militante da agricultura familiar – faz-se workshops. O que muda tudo. Ao propor uma rodada de conversa, na qual divide estatísticas, escuta todo mundo e redige documento que vai gerar outro, com possibilidade de não ser aprovado, afirma-se, no mínimo, que o assunto em discussão é maior do que as pessoas que o estão discutindo. É mais do que o princípio da precaução – é o "princípio do semancol."

Essa prática, democrática até doer, se estende às reuniões das Partes. Daí a sensação de que nada, absolutamente nada, acontece. Até mosca rondando a cabeça fica mais emocionante. Paciência. E dúvidas – quer-se saber porque o sorriso de gente como Matthew Jebb não sai de plantão nem quando a delegada da Austrália, faltando cinco minutos para o término dos trabalhos, faz cerca de 20 adendos a um texto, alega ser "mais preambulário do que operacional", deixando os participantes prestes a declarar guerra aos cangurus. Uns diriam que essa lição de civilidade se aprende em alguma disciplina dos Itamaratys da vida. Outros, que nem o atleta mais preparado consegue esbanjar simpatia quando não está gostando da partida. E gente como Jebb tem jeito de gostar do que faz. Resta saber como ele consegue.

Ninguém é treinado para ouvir, discutir, redigir documento, negociar. "Parece reunião do PT", resmungou uma jornalista. Mas há quem não saia de casa a não ser que tenha a certeza de que vai ser considerado. Teve gente que veio de Burkina Faso para isso. Botar na roda e ser todo ouvidos pode ser um bom antídoto para botar freio na "era dos limites", expressão cunhada pela ministra Marina Silva, frase aparentada de a "era dos excessos", de Eric Hobsbawm, e a "era do vazio", de Gilles Lipovetsky.

Talvez seja esse o segredo de Jebb, nosso personagem símbolo. Delegados, observadores, ministros do meio ambiente, militantes do Greenpeace e transgênicos entram em campo por um bom motivo. Suportam tantos colchetes australianos porque se vêem como heróis modernos, defensores do planeta. Por mais sério, nobre e grandioso que isso seja, quando se ouve ao microfone "Fale, México" ou "É sua vez, Camarões" o garoto em férias adormecido acorda diante do tabuleiro de War – o abominável jogo de guerra que ainda faz muito marmanjo subir na mesa.

Se eu fosse contar a alguém como foi essa partida, diria que as mínimas Tuvalu ou Samoa mexeram peças. Que a tribo dos mapuche, do Chile, armou uma trincheira. Que Malavi não ganhou pontos, agradeceu à Dinamarca pela verba, mas ao pedir, no microfone, implorou alívio à pobreza – princípio de todos os males ambientais. Jogada de mestre. Matthew sorriu. "Muito, muito obrigado Malavi." Que pena, a COP/MOP acabou!

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