"Você já reparou na cara horrível que os motoristas fazem quando sentam a mão na buzina?" A pergunta parte da psicóloga Iara Thielen, coordenadora do Núcleo de Psicologia do Trânsito da UFPR. O grupo foi criado em 2001, reúne 15 alunos e tem entre suas atividades além de pesquisas a aplicação de uma adaptação do teste Metaphor, surgido nos anos 70, ao comportamento no trânsito. Os destinatários são quase sempre adolescentes e jovens, principalmente recém-chegados à universidade. Cerca de dois mil estudantes já jogaram. O objetivo é revelar posturas e trazer à tona o individualismo feroz que rege os motoristas.
O projeto de Thielen nasceu às avessas. Ela pesquisava psicologia do trabalho e, particularmente, a área de segurança nas empresas. Durante a preparação de seu doutorado, defendido em 2002, pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), tinha de fazer viagens a uma indústria a Rio Branco do Sul, na região metropolitana de Curitiba. "Levava sustos na estrada e ficava me dizendo: Vou morrer antes de terminar a tese", diverte-se. Não deu outra: falou com a orientadora e mudou o tema para trânsito. "Achei que a psicologia tinha uma contribuição a dar. A engenharia e a arquitetura são fundamentais, mas o que desorganiza o trânsito é o homem".
Para o doutorado, a psicóloga foi atrás de personagens que tivessem mais de nove multas por excesso de velocidade sendo que um deles recebeu 45. Não saía do telefone, fazendo contatos com 441 motoristas da lista conseguida junto ao Detran. Acabou chegando a um grupo de 20 pessoas em condições de participar do projeto. Em seguida, numa pesquisa comparativa com motoristas não-multados, a revelação que deixou seu cabelo em pé: as respostas dos dois grupos eram parecidas, mostrando que ambos não percebiam o trânsito como um espaço coletivo, mas individual. Ser multado ou não era puro acidente de percurso.
"Para ambos os grupos, excesso de velocidade é andar além do limite. A placa é só um referencial. Dirigir, para eles, é um fenômeno privado. Cada um se julga dono do seu espaço. Por causa disso muitos projetos não funcionam." Iara considera que os condutores contam com a presença dos guardas para vigiar e punir. Se estão ausentes, podem transgredir. Lembra que o excesso de confiança gera "avanços de sinal" e que o trânsito tende a ser encarado como um fenômeno conhecido, com o qual se pode lidar com certas liberdades.
Nem bem terminara a pesquisa, Iara Thielen já tinha iniciado seu núcleo na UFPR e atraído estudantes de Psicologia, ainda que desconfiados, para a tarefa. "Infelizmente, parece que papel de psicólogo de trânsito é só aplicar psicotécnico", comenta a estudiosa.
Serviço: O Núcleo de Psicologia do Trânsito funciona no prédio da Reitoria da UFPR (Praça Santos Andrade), no 1.º andar. Informações (41) 3310-2725.
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