Uma decisão preliminar da juíza federal substituta Thatiana Cristina Nunes Campelo, da Justiça Federal da 1ª Região, ignorou as normativas das principais autoridades em saúde no país que proíbem a realização do chamado “teleaborto” por conta dos riscos da prática. Ao indeferir o pedido de tutela de urgência de uma ação movida pelo Ministério Público Federal (MPF) contra a aplicação da telemedicina para a realização de abortos em território nacional, a magistrada escreveu que o “teleaborto”, feito com o uso de medicamento misoprostol seria “seguro”, contrariando entidades de saúde e médicos especialistas que já apontaram o risco do uso da substância.
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Como justificativa, ela escreveu que o o método seria "recomendado pela Organização Mundial de Saúde e por profissionais médicos ginecologistas e obstetras" e que já teria sido adotado por outros países como o Reino Unido e Estados Unidos durante a pandemia. Ela também usou o argumento de que o atendimento telepresencial seria justificado "como meio de se evitar à exposição ao contágio pelo coronavírus no ambiente hospitalar em razão de internações desnecessárias, além de liberar leitos e profissionais".
Na decisão, a juíza também aceita como “amici curiae”, ou seja, como instituições ou grupos que fornecem subsídios para as decisões da Justiça, entidades declaradamente a favor da liberalização do aborto no Brasil, como Cravinas, Bloco A, Católicas pelo Direito de Decidir e Instituto Anis. O Instituto Anis é, inclusive, um dos responsáveis pela elaboração da cartilha “Aborto Legal via Telessaúde”, em parceria com o Hospital das Clínicas de Uberlândia (MG), material que motivou a ação do MPF.
Para a magistrada, esses grupos atuariam na “defesa dos direitos humanos”, e possuem em seus quadros funcionais profissionais que indicariam “expertise e conhecimento técnico”, além da “possibilidade de contribuição efetiva com elementos técnicos e científicos para a formação do convencimento do juízo”.
Riscos do teleaborto
O defensor público federal Danilo de Almeida avalia que a decisão traz pontos questionáveis. Um deles seria o fato de considerar que o atendimento remoto à mulher se daria de forma parcial, ou seja, que a teleconsulta seria apenas uma das fases do processo do aborto, enquanto que a cartilha questionada pelo MPF prevê que todo o processo, incluindo o uso do remédio, aconteça remotamente.
“São vários os perigos só que a decisão não leva isso em consideração. E parece enveredar por esse lado de achar que o teleaborto poderia ser permitido no Brasil”, alerta Almeida. “Mas isso é um julgamento preliminar. Vamos aguardar o julgamento de mérito e confirmar as decisões da Anvisa, CRM e Ministério da Saúde, que foram uníssonos em alertar sobre os perigos da utilização do misoprostol fora do ambiente hospitalar”, disse o defensor.
Segundo a Anvisa, a venda do misoprostol é restrito aos hospitais, bem como o seu uso, assim, o uso da substância em casa, seria ilegal. Da mesma forma, o Ministério da Saúde já tem regras claras sobre o protocolo a ser feito nos casos de aborto previstos pela legislação, que preveem exame físico, realização de ultrassonografia e internação da mulher. Todas essas recomendações foram postas de lado com a elaboração de uma cartilha pelo Hospital de Clínicas de Uberlândia orientando profissionais de saúde a realizar os abortos remotamente, inclusive com o envio do medicamento abortivo à casa da mulher. O material gerou inúmeros questionamentos, incluindo a ação movida pelo MPF. O Conselho Federal de Medicina também se manifestou totalmente contrário à prática.
Em entrevista para matéria da Gazeta do Povo sobre os riscos do "teleaborto", a médica Luciana Lopes também alertou que diversos estudos científicos evidenciam que a indução clínica do aborto provocada com misoprostol pode se complicar e levar a infecções graves e fatais e que por isso o acompanhamento médico é uma necessidade. “O misoprostol é um remédio perigoso, com muitos riscos. Não é razoável banalizar efeitos colaterais adversos que podem levar a mulher à morte súbita”, disse. Outra médica, a especialista em ginecologia e obstetrícia Marilene Mello de Oliveira Macul, também enfatizou os riscos do abortivo: “É preciso fazer o monitoramento da paciente. Não há qualquer segurança em usar o misoprostol em domicílio”, ressaltou.
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