Única magistrada da cidade de Barracão, no Sudoeste do Paraná, a juíza Branca Bernardi julgou procedente uma série de ações indenizatórias movidas contra empresas por funcionários do fórum em que atua. No total, 13 servidores do fórum ingressaram com 173 processos no Juizado Especial Cível da comarca. Dois escritórios de advogados de empresas processadas pediram que a magistrada fosse impedida de julgar tais processos. Branca nega que tenha relação pessoal com os servidores e diz que os julgamentos foram feitos de forma técnica e que os processos representam um porcentual irrisório diante do número de ações analisadas pelo Juizado.
INFOGRÁFICO: Ações de servidores do fórum
Um dos casos é da assistente pessoal da juíza – contratada em cargo de comissão, indicada pela própria magistrada, sem ter passado por concurso público. Em quatro anos, a servidora comissionada moveu 20 ações no Juizado Especial Cível de Barracão. Dessas, 13 já foram julgadas por Branca, que, em todas, deu ganho de causa à sua assistente. O valor total das indenizações é de R$ 167 mil. Os dados são públicos e podem ser acessados no Projudi, o sistema eletrônico de consultas processuais do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR).
Entre as empresas acionadas pela assistente da juíza, estão empresas aéreas, operadoras de celular e fábricas de eletrodomésticos. Um dos processos em que a magistrada deu ganho de causa à servidora diz respeito a uma ação movida contra a empresa de telefonia TIM, em razão de uma cobrança indevida de R$ 11,40. Branca Bernardi determinou uma indenização de R$ 14 mil.
83 varas com juiz único
Das 589 varas judiciais do Paraná, 83 dizem respeito a comarcas que têm um único juiz. Nestes casos, quanto o magistrado é considerado suspeito para julgar determinada ação, é designado um “substituto legal”. Em geral, são juízes de comarcas vizinhas, que, posteriormente, são designados para fazer esse julgamento.
O diretor do fórum de Barracão ingressou com 71 ações nos últimos dez anos: média de sete processos por ano. O estagiário da repartição também é autor de dez processos que tramitam ou que já foram julgados no Juizado Especial Cível de Barracão.
Outro servidor do fórum moveu ação contra uma indústria de produtos alimentícios, alegando que havia comprado um pote de margarina cuja tampa indicava 500 gramas, quando a embalagem seria de 250 gramas. Neste caso, a juíza determinou sentença de R$ 10 mil à fabricante.
A reportagem consultou o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre eventuais procedimentos instaurados para apurar a conduta da juíza, mas até a publicação dessa matéria não havia resposta.
Contestação
Pelo menos dois escritórios de advogados – cada qual defende uma empresa acionada por funcionários do fórum – pediram o impedimento ou a suspeição da juíza. Na prática, eles consideram que Branca Bernardi não teria legitimidade para julgar os próprios servidores, com quem teria relações próximas.
Um dos escritórios, o Mehler Chiaverini Advogados Associados, destacou o fato de a assistente pessoal de Branca ter ganhado todas as ações que moveu e que já foram julgadas em Barracão. “Gera estranheza que em uma cidade com menos de 10 mil habitantes, a autoria, assistente direta da única Juíza da Comarca, tenha 13 ações de consumo e todas sentenciadas com 100% de êxito”, consta da petição, assinada pelos advogados Denys Heverton Valinhos e Tatiana Mehler Chiaverini.
“Em regra, as ações são julgadas antecipadamente sem a realização de audiência de instrução, possuem a mesma fundamentação e os valores das condenações e multa por descumprimento de decisão liminar são arbitrados em valores elevados, sem critério específico para cada caso, sendo na maioria das vezes uma condenação de R$ 12 mil ou R$ 7 mil”, argumentam os advogados.
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Em outro processo, o TJ-PR já rejeitou o pedido de suspeição, apresentado por advogados que representam uma loja de eletrodomésticos, alvo de uma das ações movidas por uma servidora do fórum. A defesa da empresa havia anexado aos autos uma série de fotografias, que mostravam Branca Bernardi com os funcionários do Juizado. O relator do caso, o juiz Marco Vinícius Schiebel, considerou que os arquivos não comprovam a relação pessoal da magistrada com os servidores.
“As imagens pinçadas do Facebook da excepta [juíza] demonstram irretorquivelmente que a magistrada está totalmente integrada á Comarca de Barracão, mantendo relacionamento salutar com a família forense – serventuários, advogados, Ministério Público, e também com a comunidade, implantando projetos que beneficiaram a sociedade local, devendo ser elogiada pela sua conduta e não censurada”, destaca o juiz.
Juíza nega favorecimento
A juíza Branca Bernardi nega que tenha qualquer tipo de relação pessoal ou íntima com os funcionários do fórum de Barracão. Ela argumenta que os julgamentos foram feitos de forma técnica e que os processos movidos por servidores representam uma pequena fração do total de casos que tramitam no Juizado Especial Cível da comarca.
“Ano passado, julgamos 5.206 ações no Juizado Especial Cível, o que é muito trabalho de um juiz. Destes, 15 eram processos de servidores. É um número ínfimo. É nada”, defende a juíza.
A magistrada – que é de Ponta Grossa, nos Campos Gerais – diz que praticamente não tem vida social em Barracão. Deste modo, o relacionamento com os servidores se dá exclusivamente em âmbito profissional. Ela afirma que as fotos usadas pelos advogados em um dos pedidos de suspeição foram tiradas durante treinamento que ela ministrou aos funcionários do fórum.
“O juiz tem que estar distante das partes. Se eu janto todos os dias com a parte, a ré vai querer me matar, com toda a razão”, disse Branca. “Mas nunca saí para jantar com meus funcionários, nunca fui a uma festa de aniversário, a nenhum churrasco, nada. Toda a relação é dentro do fórum”, completou.
Em relação a sua assessora especial – indicada em cargo de comissão e que já ganhou 13 processos –, Branca diz que sequer a conhecia antes de contratá-la. A assessora teria sido selecionada a partir de currículos e de indicação da própria equipe do fórum. “Não tem ninguém desse fórum que eu tenha falado: ‘Ô, fulano. Você, que é meu amigo, vem trabalhar comigo’. Ninguém”, asseverou.
Sobre o diretor do fórum – que moveu 71 ações em dez anos –, a magistrada afirma que 24 dizem respeito a processos de conhecimento, para que ele pudesse ter acesso aos pagamentos confirmados pela turma recursal do TJ-PR. “No mais, eu não avalio o valor que o consumidor teve, mas tento dimensionar o dano que foi causado a ele”, apontou a magistrada. “Sempre fixo indenizações de R$ 7 mil para empresas pequenas e de R$ 12 mil para maiores, até por uma questão pedagógica”, explicou.
Campanha difamatória
Branca Bernardi acredita estar sendo vítima de uma campanha difamatória que teria sido deflagrada pelo escritório de advogados de uma das empresas condenadas. Ela diz que tomou conhecimento do caso na semana retrasada, quando soube que mensagens vêm sendo compartilhadas pelo WhatsApp, de grupo em grupo, sugerindo o favorecimento dos servidores do fórum.
“Esses advogados perderam o prazo para apresentar a carta de preposição [documento em que se constituem representantes da empresa]. Depois que a empresa perdeu a ação, começaram a me esculhambar, em uma ofensiva amarga e violenta”, disse a juíza.
“Nova era”
Há 15 anos na comarca, Branca Bernardi destaca estar consolidando um trabalho no sentido de implantar um “juizado de nova era”. Neste sentido, ela menciona projetos sociais, como a Associação de Proteção e Assistência ao Condenado (Apac) e diz que a comarca recebe visitas técnicas até de outros estados. Na última semana, a magistrada foi agraciada com uma moção de aplausos, aprovada pela Câmara da cidade.
“Toda sexta e sábado, recebo visita de faculdades do Rio Grande do Sul, do interior do Paraná. Ontem mesmo, um juiz de Maringá estava aqui. Todos querem conhecer essa nossa experiência, de sermos um Judiciário que dá voz para todo mundo, um Judiciário de nova era”, afirmou.
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