Conhecida por seu rigor ao condenar policiais, a juíza Patrícia Lourival Acioli, 47 anos, foi assassinada com 21 tiros em frente de sua casa, em Niterói, na região metropolitana do Rio, na noite de quinta-feira. Ameaçada há pelo menos nove anos, a juíza, que teve atuação rigorosa contra a ação de grupos de extermínio em São Gonçalo, não tinha escolta na hora do crime. A polícia suspeita de milícias, grupos de extermínio, agiotas e máfias de vans. O assassinato chamou a atenção de autoridades para o risco que os magistrados brasileiros vêm correndo. Segundo a corregedora do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministra Eliana Calmon, pelo menos 87 juízes estão ameaçados em todo o Brasil. Para ela, o Judiciário está "cochilando" em garantir a segurança desses magistrados. Segundo o CNJ, apenas 42 juízes brasileiros estão sob escolta policial, e pelo menos 69 já foram ameaçados e 13 vivem em "situação de risco". Só no Paraná, 30 magistrados estariam ameaçados de serem mortos, como publicou a Gazeta do Povo no dia 12 de abril deste ano.
Embora não contasse mais com proteção designada pelo Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ) há quatro anos, Patrícia Acioli jamais deixou de sofrer ameaças. Ela teve escolta feita por três policiais militares, 24 horas por dia, entre 2002 e 2007. Em julho daquele ano, após ser informada de que a segurança seria reduzida a somente um policial militar, desistiu da proteção.
Segundo o presidente do TJ-RJ, desembargador Manoel Alberto Rebêlo dos Santos, o pedido deve partir dos juízes. Patrícia jamais solicitou escolta, mas teve a segurança determinada pelo Tribunal em 2002, devido às ameaças que sofria. Em 2007, no entanto, a Diretoria- Geral de Segurança Institucional do TJ-RJ "chegou à conclusão de que não havia necessidade de Patrícia continuar com aquela segurança intensa", disse Santos.
Familiares disseram que a redução do número de policiais militares que faziam a escolta chateou Patrícia, que por isso dispensou a escolta. "Havia algum tipo de ameaça, mas ela realmente acabou, porque de 2007 pra cá nada aconteceu", disse o presidente da Associação dos Magistrados do Rio, desembargador Antônio César Siqueira.
Ameaças de morte
Investigação conduzida pela Delegacia de Repressão e Combate ao Crime Organizado (Draco) entre 2007 e 2008 interceptou ameaças de morte contra Patrícia dentro da carceragem de Neves, em São Gonçalo. Comunicados começaram a circular entre detidos em uma operação contra o transporte público ilegal no município e criminosos que ainda estavam livres.
Segundo a Secretaria de Estado de Segurança do Rio, cerca de 300 PMs são cedidos ao Tribunal de Justiça para trabalhar na segurança de juízes, desembargadores e demais funcionários. "A alocação deles fica a critério do TJ-RJ", disse o secretário José Mariano Beltrame.
Rebêlo dos Santos afirmou que criará uma comissão de juízes para assumir os processos da 4.ª Vara Criminal de São Gonçalo que estavam sob a responsabilidade de Patrícia Acioli. Segundo ele, isto dará mais segurança aos magistrados e agilizará os processos que estão tramitando naquela comarca. O presidente do TJ disse ainda que determinou que fossem lacrados o gabinete e as câmaras de segurança da 4.ª Vara Criminal que ficarão à disposição da polícia para a apuração do crime.
Magistrada era "linha-dura"
Conhecida pelo rigor e por uma atuação definida como rápida e linha-dura, a juíza Patrícia Lourival Acioli ganhou notoriedade ao condenar policiais militares acusados de liderar grupos de extermínio e de forjar autos de resistência (mortes em alegados confrontos) no município de São Gonçalo.
Em setembro, ela foi responsável pela prisão de quatro PMs acusados de integrar um grupo de extermínio investigado por 11 assassinatos. Em janeiro, decretou a prisão de seis policiais do 7.º Batalhão de Polícia Militar denunciados por homicídio, em casos antes registrados como autos de resistência. Na quinta-feira, pouco antes de ser morta, havia determinado a prisão preventiva de mais um grupo de PMs por homicídio duplamente qualificado.
"Ela achava que combater essas milícias e grupos de extermínio era uma missão, que ela era uma justiceira", disse uma defensora pública. "Ela costumava dizer que detestava matador e que PM matador era um milhão de vezes pior." A defensora, que pediu para não ser identificada, representou réus julgados por Patrícia, mas elas se tornaram amigas. "Ela era extremamente competente e era linha-dura mesmo. Em alguns casos era difícil trabalhar, porque ela dava penas altíssimas." Mesmo depois de receber ameaças, a juíza manteve o pulso firme, conta. "Ela tinha um problema muito sério: não tinha medo."
Patrícia começou sua carreira como defensora pública na Baixada Fluminense e ingressou na magistratura em dezembro de 1992. Em 1999, foi promovida a juíza da 4.ª Vara Criminal de São Gonçalo, onde atuava há 12 anos. Parentes de policiais que eram julgados por ela criticavam sua atuação, afirmou o deputado estadual Flávio Bolsonaro (PP-RJ), que disse ter recebido denúncias sobre a conduta de Patrícia. "A forma como ela conduzia as sessões era muito áspera. Ela chamava os réus de bandidos", disse. Bacharéis que atuaram com Patrícia rebateram as acusações do deputado. "Ela jamais agiu de maneira desrespeitosa com o réu. Era educada e nunca criou qualquer desentendimento." Patrícia teve três filhos e namorava o policial Marcelo Poubel.