Reação
PF vai investigar o assassinato
O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, determinou que a Polícia Federal investigue a morte da juíza Patrícia Lourival Acioli. "O presidente do Supremo Tribunal Federal, Cesar Peluso, me procurou e pediu para que nós entrássemos nas investigações. Eu, então, conversei com o governador [do Rio] Sérgio Cabral e determinei à Polícia Federal que entre no caso, já a partir de agora", disse o ministro.
A corregedora nacional de Justiça, Eliana Calmon, disse que quatro representações foram protocoladas no passado no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão de controle externo do Judiciário, contra Patrícia. Ela era acusada de abuso de poder, mas as representações foram arquivadas. "Essas representações são comuns a todos os juízes que agem de uma forma mais rigorosa", afirmou Elaina. "Há meses, verificamos que o PCC [sigla da facção criminosa Primeiro Comando da Capital] havia formulado 40 representações. Os próprios bandidos fazem representação."
Enterro
Cerca de 400 pessoas, entre parentes, amigos, magistrados e promotores, acompanharam no fim da tarde de ontem o enterro de Patricia Acioli, no Cemitério do Maruí, no Barreto, em Niterói. O ex-marido de Patrícia, que pediu para não ter o nome divulgado, fez um discurso pedindo às autoridades para que a morte dela não seja "mais um número nas estatísticas". O filho mais velho de Patrícia, Mike, 20 anos, e a mãe da juíza, Marly, eram os mais emocionados.
A morte
Veja como foi a execução da juíza Patrícia Acioli:
1 CHEGADA EM CASA:
Às 23h45, Patrícia Acioli chegava de carro, um Fiat Idea cinza, a sua casa, na Rua dos Corais, em Piratininga, bairro de Niterói, após um dia de trabalho no Fórum de São Gonçalo.
2 ABORDAGEM:
A juíza foi abordada por criminosos em duas motos e ao menos um carro (a participação de um segundo carro está sendo investigada) em frente de sua casa, ainda na rua.
3 OS TIROS:
Foram efetuados ao menos 15 tiros de pistolas calibre .40 e .45.Oito atingiram o vidro da motorista.
4 FUGA:
A quadrilha fugiu do local em seguida. A polícia analisa imagens de câmeras de rua próxima que mostra a saída dos criminosos.
Conhecida por seu rigor ao condenar policiais, a juíza Patrícia Lourival Acioli, 47 anos, foi assassinada com 21 tiros em frente de sua casa, em Niterói, na região metropolitana do Rio, na noite de quinta-feira. Ameaçada há pelo menos nove anos, a juíza, que teve atuação rigorosa contra a ação de grupos de extermínio em São Gonçalo, não tinha escolta na hora do crime. A polícia suspeita de milícias, grupos de extermínio, agiotas e máfias de vans. O assassinato chamou a atenção de autoridades para o risco que os magistrados brasileiros vêm correndo. Segundo a corregedora do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministra Eliana Calmon, pelo menos 87 juízes estão ameaçados em todo o Brasil. Para ela, o Judiciário está "cochilando" em garantir a segurança desses magistrados. Segundo o CNJ, apenas 42 juízes brasileiros estão sob escolta policial, e pelo menos 69 já foram ameaçados e 13 vivem em "situação de risco". Só no Paraná, 30 magistrados estariam ameaçados de serem mortos, como publicou a Gazeta do Povo no dia 12 de abril deste ano.
Embora não contasse mais com proteção designada pelo Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ) há quatro anos, Patrícia Acioli jamais deixou de sofrer ameaças. Ela teve escolta feita por três policiais militares, 24 horas por dia, entre 2002 e 2007. Em julho daquele ano, após ser informada de que a segurança seria reduzida a somente um policial militar, desistiu da proteção.
Segundo o presidente do TJ-RJ, desembargador Manoel Alberto Rebêlo dos Santos, o pedido deve partir dos juízes. Patrícia jamais solicitou escolta, mas teve a segurança determinada pelo Tribunal em 2002, devido às ameaças que sofria. Em 2007, no entanto, a Diretoria- Geral de Segurança Institucional do TJ-RJ "chegou à conclusão de que não havia necessidade de Patrícia continuar com aquela segurança intensa", disse Santos.
Familiares disseram que a redução do número de policiais militares que faziam a escolta chateou Patrícia, que por isso dispensou a escolta. "Havia algum tipo de ameaça, mas ela realmente acabou, porque de 2007 pra cá nada aconteceu", disse o presidente da Associação dos Magistrados do Rio, desembargador Antônio César Siqueira.
Ameaças de morte
Investigação conduzida pela Delegacia de Repressão e Combate ao Crime Organizado (Draco) entre 2007 e 2008 interceptou ameaças de morte contra Patrícia dentro da carceragem de Neves, em São Gonçalo. Comunicados começaram a circular entre detidos em uma operação contra o transporte público ilegal no município e criminosos que ainda estavam livres.
Segundo a Secretaria de Estado de Segurança do Rio, cerca de 300 PMs são cedidos ao Tribunal de Justiça para trabalhar na segurança de juízes, desembargadores e demais funcionários. "A alocação deles fica a critério do TJ-RJ", disse o secretário José Mariano Beltrame.
Rebêlo dos Santos afirmou que criará uma comissão de juízes para assumir os processos da 4.ª Vara Criminal de São Gonçalo que estavam sob a responsabilidade de Patrícia Acioli. Segundo ele, isto dará mais segurança aos magistrados e agilizará os processos que estão tramitando naquela comarca. O presidente do TJ disse ainda que determinou que fossem lacrados o gabinete e as câmaras de segurança da 4.ª Vara Criminal que ficarão à disposição da polícia para a apuração do crime.
Magistrada era "linha-dura"
Conhecida pelo rigor e por uma atuação definida como rápida e linha-dura, a juíza Patrícia Lourival Acioli ganhou notoriedade ao condenar policiais militares acusados de liderar grupos de extermínio e de forjar autos de resistência (mortes em alegados confrontos) no município de São Gonçalo.
Em setembro, ela foi responsável pela prisão de quatro PMs acusados de integrar um grupo de extermínio investigado por 11 assassinatos. Em janeiro, decretou a prisão de seis policiais do 7.º Batalhão de Polícia Militar denunciados por homicídio, em casos antes registrados como autos de resistência. Na quinta-feira, pouco antes de ser morta, havia determinado a prisão preventiva de mais um grupo de PMs por homicídio duplamente qualificado.
"Ela achava que combater essas milícias e grupos de extermínio era uma missão, que ela era uma justiceira", disse uma defensora pública. "Ela costumava dizer que detestava matador e que PM matador era um milhão de vezes pior." A defensora, que pediu para não ser identificada, representou réus julgados por Patrícia, mas elas se tornaram amigas. "Ela era extremamente competente e era linha-dura mesmo. Em alguns casos era difícil trabalhar, porque ela dava penas altíssimas." Mesmo depois de receber ameaças, a juíza manteve o pulso firme, conta. "Ela tinha um problema muito sério: não tinha medo."
Patrícia começou sua carreira como defensora pública na Baixada Fluminense e ingressou na magistratura em dezembro de 1992. Em 1999, foi promovida a juíza da 4.ª Vara Criminal de São Gonçalo, onde atuava há 12 anos. Parentes de policiais que eram julgados por ela criticavam sua atuação, afirmou o deputado estadual Flávio Bolsonaro (PP-RJ), que disse ter recebido denúncias sobre a conduta de Patrícia. "A forma como ela conduzia as sessões era muito áspera. Ela chamava os réus de bandidos", disse. Bacharéis que atuaram com Patrícia rebateram as acusações do deputado. "Ela jamais agiu de maneira desrespeitosa com o réu. Era educada e nunca criou qualquer desentendimento." Patrícia teve três filhos e namorava o policial Marcelo Poubel.
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