O afastamento do juiz federal Paulo Augusto Moreira Lima do processo contra o bicheiro Carlinhos Cachoeira evidenciou os perigos que magistrados e promotores públicos correm no exercício da função. Lima denunciou 79 réus no caso e passou a receber ameaças de morte. "Ele já tinha recebido intimidações pessoais e não se incomodou muito, mas, quando a ameaça foi para a família, não sentiu mais condições de continuar no processo", conta o conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) Jefferson Kravchychyn, que acompanhou a situação.
No Brasil, os profissionais de toga têm se deparado com situações que os deixam vulneráveis. Falta de segurança em fóruns, fragilidades do Estado na proteção do ameaçado e dificuldade em identificar o autor das intimidações são alguns dos fatores que potencializam o risco, atrapalhando o trabalho da Justiça. Kravchychyn lembra que qualquer pessoa que sofra algum tipo de ameaça acaba se desestabilizando.
Os últimos dados do CNJ, de novembro de 2011, indicam que 150 magistrados estão ameaçados no país, dos quais 61 recebem escolta. Mas os números podem ser ainda maiores: uma estimativa nacional feita pelo desembargador paranaense aposentado João Kopytowski há dois anos apontava cerca de 400 magistrados ameaçados. Além das intimidações, o país também contabiliza mortes, como a de Patrícia Acioli, em 2011, no Rio de Janeiro. A juíza atuava na área criminal e tinha condenado diversos policiais militares.
Magistrados e promotores criminais estão mais expostos aos riscos, mas não são os únicos a sofrer ameaças. O presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, Renato SantAnna, estima que do ano passado para cá as ameaças contra juízes do trabalho aumentaram bastante. "Sempre que um juiz contraria algum interesse econômico ou individual, ele fica sujeito a esse tipo de coisa." Segundo SantAnna, o Estado brasileiro não está preparado para lidar com a segurança de seus agentes, pois, completa, faltam um procedimento padrão e uma resposta imediata.
Reflexo
As ameaças significam um ataque à democracia e ao modo que a sociedade deliberou para resolver seus conflitos, avalia o juiz e professor da Universidade de Brasília Paulo Blair. "Essas ameaças existem, não são desprezíveis, consomem recursos públicos para proteção, geram insegurança no exercício da função e, se não controlarmos isso na raiz, podemos chegar a uma situação semelhante à da Colômbia." Lá, a insegurança obrigou magistrados a julgar os casos sem mostrar a própria face.
Diante da situação, entidades e o Estado têm se mobilizado para oferecer maior segurança aos profissionais ameaçados. O CNJ orienta os tribunais a criarem protocolos técnicos para o atendimento aos que sofrem ameaças. No Paraná, o Tribunal de Justiça sugere um convênio com policiais da reserva para aumentar a segurança nos fóruns.
Já o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Nelson Calandra, defende uma lei penal mais efetiva e "punição àqueles que agridem a própria sociedade". Segundo Calandra, as mudanças propostas no Código Penal (o projeto começou a tramitar nesta semana no Senado) podem ter reflexos na segurança dos juízes, que, apesar das ameaças, não têm sido intimidados: "A magistratura é extremamente corajosa", garante.
Judiciário debate como melhorar a segurança
Diante das fragilidades encontradas, autoridades e associações do Judiciário têm realizado ações para aumentar a proteção de seus profissionais. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por exemplo, verificou que os tribunais estaduais careciam de protocolos técnicos para o atendimento aos profissionais que sofriam ameaças. "Estamos fazendo um trabalho de criação destes protocolos para que, quando houver ameaça ao magistrado, isso seja analisado por um grupo técnico e sejam verificados os procedimentos a serem tomados", explica o conselheiro Jefferson Kravchychyn, que integra o grupo de segurança de magistrados no CNJ.
Outro ponto a ser melhorado é a conscientização de que armas e drogas que servem como provas de processos não devem ficar armazenadas nestes locais. Também os fóruns precisam ter protocolos e equipamentos de segurança, além de uma arquitetura que proteja os trabalhadores. O desembargador aposentado João Kopytowski, que visitou várias unidades, avalia que a segurança nos fóruns é "precaríssima". Segundo ele, são necessários mais equipamentos de segurança, construções mais seguras e treinamento dos funcionários.
Para o diretor de segurança da Associação dos Magistrados do Paraná (Amapar), Carlos Klein, a estrutura de segurança ainda é precária em muitos fóruns de Curitiba e do interior e é preciso melhorias. No entanto, diz que armas e drogas não têm permanecido nestes locais e são poucas as situações de ameaças envolvendo magistrados no estado.
Monitoramento
Com reuniões constantes, a Comissão de Segurança do Tribunal de Justiça do Paraná realiza um trabalho para diminuir, minimizar e fornecer aos juízes sugestões de posturas a serem adotadas em caso de intimidação. A comissão também tem atuado visando melhorar a segurança nos fóruns. Segundo o desembargador Jorge Massad, armamentos e drogas estão sendo recolhidos. "Já é uma preocupação a menos", diz, completando que não há no Paraná nenhum caso grave de ameaça contra juiz.
A comissão também está dando sugestões para a construção de fóruns e acompanhando a licitação de equipamentos de segurança.
Outra proposta do Judiciário é o aproveitamento dos policiais militares da reserva para a segurança de fóruns e locais públicos, substituindo os homens da ativa. Segundo a assessoria de imprensa da Secretaria de Estado da Segurança Pública, será feita nesta semana uma reunião com os magistrados sobre a proposta, que também interessa ao órgão.