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Juristas acreditam que o ministro Alexandre de Moraes pode ser responsabilizado pela morte de Cleriston Pereira da Cunha, conhecido como “Clezão”, no Complexo Penitenciário da Papuda. Apesar de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) não estar sob a competência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o órgão tenderia a punir os magistrados de outras instâncias que não tivessem liberado um preso nas mesmas circunstâncias de Cleriston.
Clezão, como era conhecido, foi preso por participar dos atos do 8 de janeiro. No dia 1º de setembro, o Ministério Público Federal (MPF) se manifestou favorável à sua liberdade provisória ao analisar a documentação enviada pela defesa – em várias petições reiteradas e atualizadas desde janeiro –, explicando o quadro de saúde delicado do preso.
Cleriston era réu primário e tinha comorbidades como hipertensão e diabetes. Após ser acometido pela Covid-19, o empresário começou a apresentar problemas cardíacos e ficou várias semanas hospitalizado em 2022. Horas depois da prisão, no 8 de janeiro, no Senado, Cleriston precisou ser atendido por uma ambulância, por estar privado de remédios. O quadro de saúde se agravou ao longo dos 10 meses de prisão pela falta de exames e outros atendimentos necessários. Segundo o artigo 318 do Código de Processo Penal (CPP), as condições de Cleriston dariam a ele o direito à prisão domiciliar.
“Era uma morte anunciada. Morte súbita é quando alguém saudável, que teve alguma intercorrência, morre. Foi uma morte em decorrência das comorbidades”, afirmou Sebastião Coelho durante o programa Fio Diário. “Ele não morreu de morte súbita, ele morreu pela omissão do seu julgador”, completa. Sebastião Coelho foi desembargador do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e atua como advogado de alguns réus do 8 de janeiro.
Juízes devem ter maior controle sobre processos com prisão preventiva
Consta, em uma recente decisão do CNJ, que “cabe ao juiz, ainda, controlar as prisões preventivas da vara e organizar os processos com réu preso”. “Em casos de juiz de 1ª instância ou desembargador [com conduta semelhante à de Moraes], o CNJ apuraria. Seria caso de no mínimo, uma suspensão do juiz ou até mesmo uma aposentadoria”, afirma Adriano Soares da Costa, ex-juiz de Direito. O especialista reforça que os magistrados devem cuidar especialmente de detentos que ainda não receberam condenação. O artigo 316 do CPP estabelece que o juiz tem o dever de revisar a necessidade de prisões preventivas a cada 90 dias, o que, aparentemente, não estava sendo feito por Moraes.
Soares da Costa comenta que o caso de Cleriston possui o agravante de o empresário ter falecido dentro do presídio. “Já tem casos de afastamento de juízes por demora de processos de réu preso. Se for olhar a própria jurisprudência do CNJ para juízes, o que não é aplicado para o Supremo, seria considerado um caso grave”, diz.
A norma do CNJ estabelece o prazo máximo de 24 horas para decidir sobre a liberdade do preso provisório. No caso de Cleriston, o pedido não foi apreciado por Alexandre de Moraes, relator do processo, por 80 dias. Já, em prisão preventiva, o preso não teve os pedidos de soltura da defesa apreciados.
Recentemente, o CNJ condenou um juiz por omissão ao decidir sobre a liberdade de um réu que estava em prisão preventiva. O juiz de 1ª instância foi condenado à pena de censura por demorar 5 meses para analisar um pedido do Ministério Público que sugeria o arquivamento do inquérito. Além disso, o magistrado demorou oito dias para efetivar o cumprimento do alvará de soltura. A pena de censura, quando o juiz fica proibido de ser promovido por merecimento por um ano, é considerada intermediária. Se o magistrado for novamente denunciado por negligência, ele pode chegar a ser aposentado compulsoriamente.
Senado é quem deve apurar crimes de responsabilidade cometidos por ministros do STF
“A própria legislação penal brasileira tem previsões para essa responsabilização criminal. Eventualmente, caberia a lei de abuso de autoridade”, explica Adriano Soares da Costa. A Lei de Abuso de Autoridade (13.869/2019), no seu artigo 9º, prevê pena de detenção de um a quatro anos e multa em casos de autoridades que decretem “medida de privação da liberdade em manifesta desconformidade com as hipóteses legais”.
Soares da Costa completa que “há uma série de discussões jurídicas nesse caso concreto que poderia ensejar a aplicação da lei, como a questão da audiência de custódia e o decreto de prisão preventiva”. A Gazeta do Povo já tratou sobre algumas irregularidades do processo de Cleriston.
Mas o Conselho Nacional de Justiça não tem competência para analisar as irregularidades dos ministros do Supremo. Soares da Costa afirma que o Senado Federal é o órgão responsável por apurar crimes de responsabilidade cometidos por ministros da corte.
Sebastião Coelho considera não só Alexandre de Moraes, relator do processo, mas também Rodrigo Pacheco, presidente do Senado Federal, e os demais senadores como responsáveis diretos da morte de Cleriston. Coelho também pontua que a Procuradoria-Geral da República também poderia abrir uma ação penal pública contra Moraes.
Um projeto de lei que pede a anistia dos presos do 8 de janeiro e um pedido de impeachment de Moraes tramitam no Senado. Na noite desta quarta-feira (24), os senadores aprovaram uma PEC que delimita os poderes do STF, que agora será discutida na Câmara dos Deputados.
Para a ex-ministra do Superior Tribunal de Justiça, Eliana Calmon, o Congresso Nacional deve agir. “A única força jurídica escrita na Constituição que pode pôr um limite nas ilegalidades e irregularidades cometidas pelo Supremo Tribunal Federal é o Congresso Nacional. Isso não está acontecendo”, afirmou.
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