Depoimento
Juan Daniel Pereira Sobreiro, juiz substituto da 13.ª Vara Cível de Curitiba.
Férias para poder despachar
"O Tribunal de Justiça do Paraná tem engatinhado nos últimos tempos. Ainda temos carência de juízes, assessores e há também varas a serem instaladas. O juiz tem uma rotina de trabalho muito sensível. Sofre pressão do Conselho Nacional de Justiça e da Corregedoria [do TJ]. Nós temos o prazo máximo de 90 dias para dar uma sentença ou um despacho [de um processo que está concluso, ou seja, com o juiz]. A Corregedoria cobra se ultrapassarmos esse prazo. Então, é praxe o juiz tirar férias para poder despachar esses atrasados e evitar uma responsabilização dos processos que estão com ele. A situação tem melhorado timidamente, mas ainda é insuficiente. O segundo grau está bem, mas o primeiro grau tem problemas por "ene" razões. O juiz trabalha facilmente entre 9 e 10 horas por dia e é comum, ainda, ter de levar processo para casa durante a semana e para analisar nos fins de semana. É uma tática porque, no gabinete, somos interrompidos a todo o momento para resolver questões de cartório e é inevitável que tenhamos de atender advogados, entre outros. Eu evito levar para casa, porque prefiro não confundir casa com trabalho. Mas, além do expediente do meio-dia às 19 horas, venho de manhã para o gabinete para dar conta dos processos. De manhã é o melhor horário para analisá-los porque sou menos interrompido, já que não estamos abertos ao atendimento ao público. Por mês, faço, em média, cerca de 800 a 900 despachos, 140 sentenças e realizo de 11 a 12 audiências."
Os juízes de primeiro grau da Justiça Estadual do Paraná têm a terceira maior carga de trabalho do país, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O relatório Justiça em Números de 2009 o levantamento mais recente mostra que há uma média 8.193 processos por magistrado. É como se cada juiz tivesse de analisar 40 processos por dia para dar conta de todo o trabalho (um magistrado trabalha cerca de 200 dias por ano, cinco dias na semana). Na média nacional são 6.163 processos por magistrado, o equivalente a 30 processos diários por juiz.O relatório revela ainda que a taxa de congestionamento (processos que aguardam julgamento) do estado, no primeiro grau da Justiça Estadual, é a segunda mais alta do país perde apenas para o Piauí, que apresenta índice de 85%, contra 80% no Paraná. Isso significa dizer que, no Paraná, de cada 10 processos que tramitaram em 2009, apenas dois foram finalizados. A média nacional de congestionamento da primeira instância da Justiça Estadual é de 62%.
O Paraná é, ainda, de acordo com o estudo, o 10.º estado com a pior relação de juízes por habitante na Justiça Estadual, ficando abaixo da média nacional. São 5,8 magistrados a cada 100 mil habitantes no estado. No Brasil, a média é de 5,9. Em todo o país, levando-se em conta as Justiças estaduais, Federal e do Trabalho, há 8,4 magistrados a cada 100 mil habitantes. Em comparação com outros países, a taxa brasileira está abaixo da média. Em 2009, a Espanha possuía 10,1 magistrados; a Itália, 11 magistrados; a França, 11,9; e Portugal, 17,4 magistrados por 100 mil habitantes.
Ligação
Somada à abertura para o cidadão buscar os seus direitos a partir da Constituição de 1988, todos esses dados estão profundamente ligados e acabam por resultar em um fenômeno bem conhecido pelos brasileiros: uma Justiça cada vez mais lenta. A falta de magistrados faz com que juízes acumulem processos, tenham uma carga de trabalho pesado e, consequentemente, cresça a taxa de congestionamento. É um círculo vicioso.
"A falta de juízes no Paraná é um fato que não podemos deixar de reconhecer", afirma o presidente do Tribunal de Justiça do Paraná, Miguel Kfouri Neto. "No Paraná precisamos de, no mínimo, o dobro de juízes. A lentidão no andamento dos processos tem como uma das causas a insuficiência de magistrados", afirma o presidente da seccional Paraná da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR), José Lúcio Glomb. Em 2009, o Paraná tinha 617 juízes estaduais. Hoje, são 711.
Para contornar a situação no Paraná e no país, o diretor da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), juiz Edison Brandão, defende que se contratem mais assessores para auxiliar os magistrados. "Aumentar o número de juízes no Brasil é irreal porque tem um custo altíssimo. Não adianta só criar cargo para mais juízes. Exige-se toda uma estrutura por traz, com novas varas, funcionários, senão não adianta", afirma. "Temos que usar melhor o que já temos", complementa. Kfouri Neto também revela a preocupação em apenas se aumentar o número de magistrados. "Não adianta juiz sem estrutura", diz.
Já Glomb defende que o quadro de magistrados seja aumentado para que as decisões não sejam feitas por assessores. "Não precisamos que o juiz seja apenas um gerente de gabinete." Segundo ele, o quadro pode piorar ainda mais com a disseminação do processo eletrônico. "Haverá uma tendência de o processo ser encaminhado mais rapidamente ao juiz. Não dormirá nas prateleiras. E das duas uma: ou se aumenta o número de juízes para dar conta do trabalho ou essa importante função pode acabar sendo terceirizada para assessores, o que é um perigo. Quem julga é o juiz."
Primeiro grau da Justiça Estadual é a mais prejudicada
O presidente da seccional do Paraná da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR), José Lúcio Glomb, diz que a Justiça Estadual é a mais próxima do cidadão, mas ao mesmo tempo a mais prejudicada pela falta de juízes. "É na Justiça Estadual que residem os maiores problemas." O diretor da Escola da Magistratura do Paraná (Emap), Fernando Prazeres, é específico ao afirmar que o problema está no primeiro grau da Justiça Estadual. "Ela está inviabilizada por falta de planejamento do poder Judiciário. Os problemas sempre foram pensados de forma casuística. Quando entrei, há 25 anos, tínhamos 21 varas cíveis [em Curitiba]. Hoje temos 23", afirma.
Glomb e Prazeres reconhecem que a Justiça Estadual vem recebendo melhorias nos últimos tempos. Só neste ano houve a instalação de 14 varas. Outras 12 devem ser instaladas até o fim do ano. Antes disso, a última havia sido instalada em 1996. A falta de planejamento dos últimos anos, porém, faz com que se tenha um longo percurso para recuperar o tempo perdido. De acordo com o presidente do Tribunal de Justiça do Paraná, Miguel Kfouri Neto, mesmo assim, a perspectiva é positiva. "O Judiciário faz um esforço dentro da limitação do orçamento, mas teremos um aumento do orçamento e a tendência é melhorar no ano que vem, com a instalação e criação de varas", afirma.
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