A decisão de combater bandidos poderosos, tanto no tráfico de drogas como nos crimes de colarinho branco, fez o juiz federal Odilon de Oliveira perder um bom tanto da própria liberdade. Ele é o único magistrado do país a receber proteção em tempo integral. São 12 policiais federais que se revezam na escolta e chegam a morar na casa do juiz. Em eventos públicos, Oliveira precisa usar colete à prova de balas e só circula em carro blindado. O juiz recebe hoje, em Brasília, um prêmio da Organização das Nações Unidas (ONU) pela atuação no combate à corrupção.
Afeito ao trabalho em fronteiras, Oliveira se destacou em Ponta Porã (MS), onde determinou a prisão de 114 criminosos em apenas um ano. Foi também quando as ameaças tornaram-se frequentes. Por segurança, ele não saía do local de trabalho: chegou a morar no fórum da cidade. Não sofreu atentados, já que planos para matá-lo foram descobertos antes da ação de criminosos.
Nascido em 1949, em Pernambuco, e filho de agricultores, Oliveira trabalhou na roça até os 17 anos. Ele é o juiz com mais tempo de atividade no Brasil na primeira instância da Justiça Federal. Com 39 anos de serviço público e 25 como juiz federal, o magistrado recusou a promoção para se tornar desembargador. Agora em Campo Grande, também no Mato Grosso do Sul, atua em uma vara especializada em lavagem de dinheiro e crimes financeiros. Hoje ele administra mais de R$ 1 bilhão em bens apreendidos, principalmente de traficantes. Ontem, enquanto conversava com a reportagem da Gazeta do Povo por telefone, Odilon retornava de um velório acompanhado de três policiais fortemente armados.
No combate à corrupção, órgãos encarregados de investigar, como Polícia Federal e Ministério Público, são muito cobrados. Como o Judiciário pode contribuir neste processo, já que em tese apenas recebe o produto de investigações?
O Judiciário pode dar a sua parcela de contribuição andando rápido e sendo rigoroso. O sistema brasileiro, além de caminhar a passos de tartaruga, principalmente na esfera penal, é bastante compreensivo em relação aos crimes de colarinho. Há uma permissividade no Judiciário em relação a esse tipo de delito, principalmente nos tribunais.
E de onde vem essa permissividade?
Ela é consequência de uma cultura. Quem faz as leis é a elite. E nós juízes pertencemos à elite. Naturalmente está arraigada na gente a cultura de andar de mãos dadas com os componentes dessa nata. Eu penso que aí está a raiz da permissividade. Os autores desses crimes normalmente são pessoas endinheiradas, contratam bons advogados e têm um bom trânsito social.
Em que medida a estrutura judicial colabora para beneficiar os corruptores?
Há leis fracas. Nós temos duas categorias de leis penais no Brasil. O ordenamento jurídico que pune severamente os crimes de efeito individual, como o roubo da sua bicicleta, por exemplo. E tem a categoria dos crimes de efeito difuso, aqueles que atingem toda a sociedade, como uma fraude em uma licitação. Quem furta a bicicleta geralmente é pobre e quem frauda licitação geralmente não é, mas as penas, independentemente da quantidade de pessoas que atingiram, são parecidas, com o agravante de que um vai para a cadeia mais do que o outro. É possível endurecer as penas criando uma tabela em que a corrupção de mil reais não seja igual à de 1 milhão, porque se não houver gradação, a lei é um incentivo para o desvio de valores altos.
O Judiciário está cumprindo o papel que lhe cabe no combate à corrupção?
Não, porque o Brasil tem aproximadamente 500 mil presos e menos de 700 estão encarcerados por corrupção. E dentre esses está o sujeito que esteve envolvido em crimes de menor porte. Pesquisas mostram que as polícias empregam 23% do tempo investigando corrupção, logo deveria haver mais corruptos na cadeia. Se não tem, é porque alguém falhou nesse processo.
O crime organizado já chegou ao Poder Judiciário com a mesma força que em outros poderes?
Acredito que não. O crime organizado está em todos os recantos da administração pública, mas avalio que está menos presente no Judiciário.
No livro Narcoditadura, o autor Percival de Souza aborda a formação de juízes criminais no Brasil. Ele sugere que muitos deles chegaram ao cargo com ajuda do dinheiro do crime organizado. Isso realmente acontece?
Há exemplos de pessoas que se formam financiadas pelo crime organizado, mas são casos isolados. São mais casos de relação indireta.
A luta contra o crime organizado não se sustenta sem ajuda direta de agentes públicos. Por que órgãos como o Ministério Público e o Judiciário, além da polícia, ainda insistem em ter uma política correcional corporativista?
Sempre há tentáculos na administração pública e por isso é importante o papel das corregedorias. Precisa haver uma atuação enérgica, nos moldes do que defende a ministra Eliane Calmon. Seria bom ter mais umas dez corregedoras nacionais como ela. Porque um dos fatores que aumenta a corrupção é justamente a impunidade. Infelizmente, como disse ela, há bandidos de toga. Os juízes são privilegiados que não podem ser investigados pela polícia. Mas é preciso rigor, porque na mão do juiz está a sua propriedade, a sua vida e a sua liberdade.
Hoje o crime organizado é transnacional, ancorado na evasão de divisas. O dinheiro e a arma são dois fatores que dão poder aos criminosos. Por que o Brasil não consegue ter uma política de segurança no bloqueio de dinheiro que circula fora do país?
O sistema financeiro funciona na velocidade da luz e muitas vezes nos casos de evasão de divisas não estão em nome dos criminosos e sim de laranjas. É preciso contar com a cooperação internacional, que nem sempre funciona. E novamente a morosidade da Justiça brasileira prejudica esse processo. Porque, para bloquear o dinheiro, os outros países questionam se a Justiça já deu uma palavra final. Enquanto não há uma decisão definitiva, esse dinheiro é movimentado.
O que pode aproximar o Poder Judiciário da sociedade?
O juiz de hoje precisa ter um perfil diferente. Ele tem de se globalizar, se modernizar. Tem de dar palestra, conversar com a comunidade. Antigamente, acreditava-se que o mundo do juiz era o que estava dentro do processo. Mas não pode ser assim. Ele tem de abrir a janela do gabinete e ver o que está acontecendo, precisa sentir a angústia da sociedade. Não é só a estrutura do Judiciário, com mais computadores e funcionários, que precisa ser modernizada, o juiz também tem que evoluir.
Por que não aceitou a promoção a desembargador?
Primeiro porque eu não quero morar em São Paulo. Sou de cidade pequena e o máximo que eu quero é continuar em Campo Grande. E também porque eu gosto de trabalhar na linha de frente.
O que sentiu ao saber que receberia um prêmio da ONU pelo trabalho que desempenha?
Foi fantástico. A ONU vem e diz "você está certo", "é assim que tem de combater a criminalidade". Eu acredito que é um recado para toda a magistratura porque o juiz tem de agir com rigor; a criminalidade ligada à corrupção fustiga toda a sociedade.
Colaborou Diego Ribeiro.
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