As recentes decisões do ministro Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que determinaram o bloqueio de perfis de políticos e cidadãos comuns nas redes sociais, como o ex-secretário da Receita Marcos Cintra, após a publicação de pedidos de esclarecimentos sobre urnas eletrônicas, vêm sendo criticadas no meio jurídico por serem consideradas inconstitucionais.
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"A decisão do TSE de criminalizar a livre manifestação do cidadão, principalmente em relação ao pleito eleitoral, é perigosa ao Estado Democrático de Direito, visto que o direito a manifestação é um dos pilares da democracia inseridos no capítulo das garantias fundamentais de nossa Carta Cidadã", afirma o advogado criminalista Márcio Engelberg.
Para o jurista Fabrício Rebelo, responsável pelo Centro de Pesquisa em Direito e Segurança (CEPEDES), as determinações do TSE vão no sentido oposto do que prevê a Constituição Federal, como a garantia à livre manifestação do pensamento e a inviolabilidade dos parlamentares, proibindo a censura de qualquer natureza.
"Bloquear perfis em redes sociais é contrário a todas essas garantias, sobretudo porque, em caso de violações apuradas, com observância ao devido processo legal, entendo que no máximo se poderia determinar a remoção dos conteúdos vistos como ilícitos, mas nunca silenciar as pessoas", explicou Rebelo.
Livre manifestação do pensamento
Ao ter o perfil no Twitter suspenso, o economista Cintra foi incluído no inquérito das “milícias digitais”, em razão das postagens em que defendeu que o TSE viesse a público esclarecer dúvidas sobre a votação do segundo turno das eleições. Após esse pedido, Moraes determinou que Cintra prestasse depoimento à Polícia Federal e proibiu que o economista publicasse posts semelhantes, sob pena de ser multado em R$ 20 mil por dia, em caso de descumprimento.
O professor e advogado Gustavo Groszewicz avalia que a decisão do TSE contra Cintra e outros políticos fere o previsto no inciso IV ao artigo 5º da Constituição Federal que dispõe que "é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato". Segundo o advogado, os membros da justiça eleitoral e do Supremo Tribunal Federal (STF), ao impedir questionamentos sobre processos que eles mesmos controlam, estão assumindo a figura de vítima, acusador e julgador. O devido processo penal prevê que esses papéis sejam assumidos por pessoas diferentes - principalmente o julgador, que deve ser um terceiro, isento ao conteúdo da lide.
Para o criminalista Engelberg, "as decisões do TSE atentam contra nossa ordem constitucional e ferem tratados internacionais, como a Convenção Americana Sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), cujo Brasil é signatário desde 25 de setembro de 1992, através do Decreto nº 678, que assegura, em seu artigo 13, o direito à liberdade de pensamento e de expressão". Segundo o advogado, esse direito compreende "a liberdade de buscar, receber e difundir informações e ideias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha".
O advogado Valeriano Abreu, especialista em Direito Constitucional e Administrativo, destacou que o próprio STF já reconheceu a liberdade de expressão mais ampla, inclusive de questionar leis e dispositivos constitucionais. Ele relembrou a decisão do STF, na ADI 4274, que garantiu a legalidade de eventos como a "marcha da maconha", considerando que impedir esse tipo de manifestação seria uma afronta à livre expressão do pensamento. Para ele, pedir esclarecimentos sobre atividades públicas, como o funcionamento das urnas eletrônicas em uma eleição, não poderia ser considerado um crime.
Na época da decisão do STF sobre a marcha da maconha, o ministro Ayres Britto explicou que "os direitos à informação e à liberdade de expressão, fazem parte do rol de direitos individuais de matriz constitucional, tidos como direta emanação do princípio da dignidade da pessoa humana e da cidadania”.
"O cidadão pode defender a legalização de drogas, mas não pode questionar o TSE senão a sua rede será bloqueada?", pergunta.
Transparência nas informações
"A possibilidade de criticar e questionar as instituições são premissas básicas de um estado democrático", diz o jurista Rebelo ao comentar a falta de liberdade dos brasileiros em criticar e questionar o que para alguns ainda é um assunto não pacificado, como a inviolabilidade das urnas eletrônicas.
"É próprio da democracia que os cidadãos possam questionar os órgãos públicos e exigir transparência. Temos inclusive, a lei de acesso à informação pra obter informações da administração pública e assim questionar o que for duvidoso", explicou.
Abreu também destacou o art. 37 da Constituição Federal que prevê "a publicidade de todos os atos dos Poderes da União", possibilitando o exercício do controle social sobre os atos públicos.
Resolução de poder de polícia
As decisões do ministro Alexandre de Moraes estão sendo tomadas com base em uma resolução do TSE, que dá à Corte o poder de polícia para remover da internet, sem provocação de qualquer parte ou do Ministério Público, conteúdo que já tenha sido considerado pela maioria dos ministros como "sabidamente inverídico" ou "gravemente descontextualizado". A norma ainda autoriza o tribunal a determinar a "suspensão temporária" de perfis ou canais com "produção sistemática de desinformação", que veiculem informações "falsas ou descontextualizadas".
Tal medida imposta pelo TSE, de acordo com o advogado Abreu, extrapola o inciso 2º ao artigo 5º da Constituição, que prevê que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei".
"O próprio tribunal fazer a lei e ter o poder de executar a lei, é inconstitucional. A lei deve seguir o trâmite no Congresso Nacional e ser sancionada pelo presidente da República. Essa resolução é uma lei que foi simplesmente criada e aprovada pelo próprio TSE e colocada em vigor com efeito imediato", disse Valeriano Abreu.
Abreu ainda destacou outra inconstitucionalidade da medida, que é o fato de o TSE não assegurar o direito ao contraditório e à ampla defesa dos acusados que estão tendo os perfis suspensos nas rede sociais.
"O cidadão muitas vezes nem é notificado, pra saber qual ato está extrapolando, e por conta de um ato, toda a rede dele é suspensa, ao invés de suspender apenas a publicação. Então, nós temos aí uma verdadeira censura prévia", disse.
Na avaliação do jurista Rebelo, o inquérito das fake news significou uma verdadeira "autoexpansão" das atribuições da Suprema Corte e do TSE, já que as altas instâncias judicias se "investiram de poderes aparentemente absolutos, a partir dos quais atuam em qualquer tema e de qualquer modo, mesmo sem provocação do Ministério Público - titular constitucional das ações penais".
"As decisões do TSE vêm se estendendo já após a finalização do pleito, algo que igualmente não transparece alinhamento com as garantias constitucionais. Para piorar, muitas dessas restrições derivam de procedimentos sigilosos, deflagrados de ofício, em que sequer as partes têm a dimensão do que, de fato, lhes está sendo atribuído", criticou.
Bloqueios seletivos
Além de Cintra, os deputados Major Vitor Hugo (PL-GO), Coronel Tadeu (PL-SP) e Carla Zambelli (PL/SP), aliados do presidente Jair Bolsonaro, também tiveram contas suspensas no Twitter. Na sexta, o deputado eleito mais votado do país, Nikolas Ferreira (PL-MG), teve a conta suspensa após explicar o teor de um vídeo exibido na sexta (4) na Argentina que levanta supostos indícios de fraude nas urnas eletrônicas, refutado pelo TSE e que já foi retirado do YouTube.
Para o advogado Valeriano, os bloqueios de perfis são seletivos e direcionados para um público específico. “Não estamos vendo perfis de quem defende o aborto, ideologia de gênero, legalização das drogas sendo bloqueados, vemos que os bloqueios ocorrem predominantemente de pessoas que defendem a família, a vida e os valores cristãos. Por isso, vejo com muita preocupação”, disse.
Em relação "a censura desenfreada de parlamentares", o advogado Engelberg insiste que a decisão do TSE se agrava, na medida em que a nossa Constituição Federal, em seu artigo 53 determina ser absoluta a imunidade parlamentar, ao declarar que "deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos". Ele ressaltou também o artigo 220 da Constituição, que em seu parágrafo 2º dispõe que "é vedado toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística".
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