Por ordem do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), o humorista Léo Lins foi obrigado a apagar do YouTube, na tarde desta terça-feira (16), um especial de comédia que havia sido publicado no final de 2022 e contava com 3,3 milhões de acessos.
A decisão, da juíza Gina Fonseca Correa, atende a pedido do Ministério Público de São Paulo, que alegou que o comediante estaria “reproduzindo discursos e posicionamentos que hoje são repudiados”, mencionando em suas piadas temas como escravidão, perseguição religiosa, minorias e pessoas idosas e com deficiências.
A decisão da magistrada foi bastante ampla: ela proíbe que o humorista publique, transmita, ou sequer mantenha em seus dispositivos quaisquer arquivos “com conteúdo depreciativo ou humilhante em razão de raça, cor, etnia, religião, cultura, origem, procedência nacional ou regional, orientação sexual ou de gênero, condição de pessoa com deficiência ou idosa, crianças, adolescentes, mulheres, ou qualquer categoria considerada como minoria ou vulnerável”.
Ele também é obrigado a retirar de todos os seus canais na internet quaisquer conteúdos que mencionem esses grupos, além de estar proibido de mencioná-los em futuras apresentações de stand-up. Na prática, o humorista poderia fazer piadas somente com grupos sociais bastante definidos, como homens brancos, jovens, heterossexuais e sem nenhum tipo de deficiência, e ainda assim com um cuidado extremo para não resvalar em “temas sensíveis” mencionados pela juíza.
Caso deixe de apagar os conteúdos, a multa é de R$ 10 mil diários, o mesmo valor para cada evento em que uma “transgressão” for identificada, como a contação de uma piada com as temáticas mencionadas.
A magistrada também proibiu que Léo Lins deixe a cidade de São Paulo por mais de dez dias sem autorização judicial e ordenou que o comediante compareça mensalmente em juízo para informar e justificar suas atividades.
À reportagem, a defesa do humorista disse que recorrerá da decisão. “Entendemos que isso configuraria censura prévia, o que é proibido dela Constituição”, aponta o advogado Rodrigo Barrouin.
Ministério Público menciona a nova “lei antipiadas” para pedir punições ao humorista
A denúncia do Ministério Público à Justiça menciona a chamada “lei antipiadas”, sancionada pelo presidente Lula (PT) em janeiro que, dentre outras medidas, enquadra como crime de racismo a contação de piadas sobre grupos que possam ser considerados minoritários. As novas regras preveem que a pena máxima para piadas com esses grupos seja maior do que para crimes como furto e sequestro.
Um dos trechos da norma sancionada por Lula determina que os crimes previstos na Lei do Racismo passam a ter as penas aumentadas de um terço até a metade “quando ocorrerem em contexto ou com intuito de descontração, diversão ou recreação”. A lei também determina que se a prática do suposto racismo ocorrer no contexto de atividades artísticas ou culturais destinadas ao público, o autor também será proibido de frequentar esses locais por três anos.
Como mostrado pela Gazeta do Povo, um dos riscos para o possível enquadramento como racismo de declarações meramente jocosas, que fazem parte da atividade humorística em palcos de stand-up, por exemplo, é que a lei traz uma grande amplitude para as condutas que podem ser consideradas criminosas ao mesmo tempo em que não especifica a quais grupos as piadas estão proibidas.
Para humorista, medida é desproporcional e pode gerar consequências à comédia em geral
Léo Lins, que tem como foco o humor negro, com piadas ácidas contra os mais diversos grupos sociais, afirmou que a medida é “totalitária” e que o especial de comédia apagado não violou nenhuma norma do YouTube e foi mantido pela plataforma mesmo após denúncias.
“Tanto que foi inclusive monetizado. Mas, segundo o Ministério Público, é um conteúdo prejudicial para as pessoas e por isso, ‘em nome do bem de todos deve ser removido’”, publicou o humorista nas redes sociais, afirmando que a medida cria um precedente perigoso para a comédia em geral.
“Dá margem para qualquer interpretação. Se for alguém do Ministério Público no show que vou fazer amanhã eu saio de lá preso, porque vão falar ‘essa piada não pode, essa também não. Ih, falou de velho aqui. Falou do rapaz sem braço ali’”. Acabou. É completamente absurdo”, disse à Gazeta do Povo.
“Eu não posso ficar fora de São Paulo por mais de dez dias sem autorização, tenho que ir uma vez por mês lá dar um parecer das minhas atividades. Quem ouve isso parece que se trata de um traficante internacional, um homicida que foi solto”, questiona o comediante.
“Com essa justificativa [da Justiça] para derrubar o meu show, você remove 98% dos shows de stand-up. Se você pegar os especiais de comédia, você vai achar piadas com cegos, anões, mulheres, carecas... Com essa justificativa não vai ficar nada. Muito embora eu creia que isso será revertido”, declara.
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