Fachada do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT).| Foto: Divulgação
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O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) determinou, na última sexta-feira (17/6), que o DF forneça um medicamento bloqueador de puberdade para um adolescente de 14 anos, nascido do sexo masculino biologicamente, que se identifica com o sexo feminino desde os cinco anos. A decisão contraria resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que veda a aplicação da substância para menores de 16 anos para esse fim. A exceção é se for realizada exclusivamente em caráter experimental em protocolos de pesquisa.

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Pela decisão da 3ª Turma Cível do TJDFT, o Distrito Federal deve fornecer ao adolescente o medicamento Triptorrelina por meio do Sistema Único de Saúde (SUS). Indicado para câncer de próstata, o remédio estimula a produção de hormônios e reduz a produção de testosterona. Usado de forma contínua na puberdade, pode levar à esterilidade.

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De acordo com o argumento do adolescente, “a equipe médica que a acompanha prescreveu o uso do medicamento para bloqueio puberal diante do aparecimento de caracteres sexuais secundários, referentes ao sexo masculino”.

O DF negou o fornecimento do remédio e o pedido havia sido julgado improcedente em primeira instância. Ao recorrer da decisão, o argumento foi de que o medicamento é padronizado, fornecido pela Secretaria de Estado da Saúde do DF para outras indicações e que era necessário seu uso fora da bula neste caso para “reafirmar a identidade gênero com a qual se identifica”.

Decisão da justiça

Para justificar a decisão, a 3ª Turma Cível do TJDFT afirmou que existiria uma lacuna entre o que estabelece a resolução do CFM e as necessidades de jovens transgêneros. Além disso, o tribunal citou orientações tanto da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabolismo quanto da Sociedade Brasileira de Pediatria para o uso do medicamento para o tratamento de pacientes púberes com quadro de disforia do gênero. Segundo os juízes, o adolescente que se identifica como sendo do sexo oposto preenche os requisitos técnicos para receber o remédio.

Os desembargadores afirmaram que estudos científicos apontariam tanto a eficácia quanto a segurança do tratamento. Dessa forma, a Turma deu provimento ao recurso para determinar ao Distrito Federal que forneça o medicamento Triptorrelina 3,75 mg, enquanto houver recomendação dos médicos assistentes.

Na Resolução 2.265/2019, atualizada em janeiro de 2020, o CFM determinou "acompanhamento psicológico para adolescentes com menos de 16 anos e crianças trans, porém sem a intervenção de quaisquer tratamentos". Segundo a resolução, o uso do bloqueio hormonal é vedado antes dos 16 anos, pelos seus efeitos colaterais, sendo permitido somente a partir da puberdade e realizado exclusivamente em caráter experimental em protocolos de pesquisa.

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Já a Portaria 2.803/2013 do Ministério da Saúde, que redefine e amplia o Processo Transexualizador no Sistema Único de Saúde (SUS), prevê que a hormonioterapia somente pode ser iniciada a partir dos 18 anos de idade do paciente no processo transexualizado. Atualmente, o Ministério da Saúde ainda não possui um protocolo específico para a realização de hormonização no Brasil.

Riscos para a saúde

O tratamento hormonal não é indicado pelo CFM para crianças e adolescentes que querem mudar de sexo pelos seus importantes efeitos colaterais, com risco de arrependimento do processo pouco tempo depois. Estudos feitos com pessoas nessas faixas etárias apontam que a disforia de gênero permanece na idade adulta somente entre 3% e 23% dos casos e as situações de jovens que se arrependeram não são incomuns. Um dos mais conhecidos é o de Keira Bell que, após ser diagnosticada aos 14 anos com disforia de gênero, se arrependeu dos tratamentos de reversão de gênero aos 16 anos e conseguiu decisão favorável na Justiça do Reino Unido para que os responsáveis pelo seu processo precoce de transição de gênero pagassem seu tratamento de saúde.

No Guia Prático de Atualização sobre disforia de gênero, publicado em 2017, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) apresentou os riscos associados ao tratamento hormonal - que podem variar entre aumento de peso, doenças cardiovasculares, diabetes, hipertensão e até câncer de mama. A sociedade reforçou que o pediatra não pode prescrever tais medicamentos, apenas endocrinologistas.

Ainda sobre o controle da puberdade, o guia determina que o uso de medicamentos só pode ser iniciado no adolescente, após o "suporte psicológico permanente, entendimento das mudanças físicas e dos riscos da terapia e assinatura do termo de consentimento e assentimento informado pelos pais e/ou pelo adolescente."

Em evento no Fórum Nacional sobre Violência Institucional contra Crianças e Adolescentes, promovido pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), em vídeo que pode ser visto aqui, a médica psiquiatra Akemi Shiba explicou as consequências para crianças e adolescentes das terapias de mudanças de sexo.

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Segundo ela, a infância e a adolescência são períodos de grandes mudanças no cérebro e, por isso, não é recomendado usar hormônios ou bloqueá-los nesse período do desenvolvimento. Na palestra, a médica apresentou estudos epidemiológicos e de neurodesenvolvimento que mostram as consequências desse tratamento para disforia de gênero.

Uso de hormônios

Já para a médica endocrinologista Amanda Athayde, do Departamento de Endocrinologia Feminina, Andrologia, Transgeneridade (Defat) da Sociedade Brasileira de Endocrinologia, o caso do adolescente em Brasília trata-se apenas de um controle de puberdade e não de mudança de sexo. “O medicamento liberado pela justiça não desenvolve características masculinas ou femininas é apenas um inibidor da puberdade”, disse.

Sobre a exigência do uso do medicamento somente em maiores de 16 anos, prevista na resolução do CFM, a endocrinologista explicou que esse caso de disforia sexual, como do adolescente de 14 anos que se sente mulher, só pode ser tratado em locais experimentais com grupos de profissionais adequados.

“Não é permitido indicar medicamentos em um consultório para crianças ou menor de 16 anos que suspeitam de transgeneridade. Ele deve ser encaminhado para um local que desenvolva um trabalho com crianças e adolescentes transgêneros, como laboratórios ou universidades”, explica.

Ela ainda reforçou que não se pode prescrever medicamentos apenas no "achismo". A endocrinologista explicou que "é necessário profissionais de saúde mental extremamente experientes e formados para o diagnóstico de mudança de sexo."

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"No meu consultório, eu posso receber uma pessoa que tenha essas características, mas se não vier com o laudo do psiquiatra ou de um psicólogo que diga que o paciente é transgênero, não posso tratar somente baseado na opinião", explica.

Sobre os possíveis riscos do tratamento hormonal cruzado, a médica apenas informou que "a dosagem não pode passar os limites fisiológicos do sexo desejado".

“É importante ter precaução, os adolescentes estão em formação e mudam muito de opinião, principalmente porque existe um modismo em relação a transgeneridade”, ressaltou.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]



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