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A juíza Kathya Gomes Veloso, da 6ª Vara Cível de Recife, determinou que o Facebook e o Twitter apresentem ao site de notícias Conexão Política os dados para identificação dos responsáveis pelo perfil oficial do Sleeping Giants Brasil, bem como demais perfis que atuam em colaboração. Cabe recurso da decisão.
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Apesar de, em dezembro de 2020, um casal ter se manifestado como administrador do perfil oficial do movimento – em um momento em que surgiam dúvidas sobre o financiamento feito ao trabalho do grupo e que até mesmo uma investigação da Polícia Federal já estava em curso –, a parte autora do processo busca saber se, de fato, estes são os verdadeiros criadores do perfil oficial, bem como identificar e, eventualmente, responsabilizar todos os ativistas que atuaram em conjunto nos ataques efetuados.
Em 2020, o Conexão Política – que possui alinhamento político divergente do Sleeping Giants – foi alvo de seguidas investidas do movimento, com o objetivo de desmonetizar a empresa a ponto de torná-la financeiramente inviável.
Em sentença proferida em 27 de agosto, a qual a Gazeta do Povo teve acesso com exclusividade, a magistrada entendeu que a rede de perfis, protegidos pelo anonimato e coordenados entre si, tem a intenção de promover julgamento virtual e causar prejuízos financeiros a veículos de comunicação que produzem conteúdos em desacordo com as convicções do grupo.
Na decisão, determina-se que as empresas revelem os IPs, a porta lógica e todos os dados de cadastro de diversos perfis ligados ao Sleeping Giants Brasil nas plataformas do Facebook, Instagram e Twitter. A juíza também confirma os termos de uma liminar de agosto de 2020 que havia determinado a exclusão de publicações de várias contas vinculados ao Sleeping Giants Brasil consideradas ilícitas pela justiça. As redes sociais devem revelar os dados no prazo de 15 dias a partir da intimação sob pena de multa diária que pode chegar a R$40 mil.
Na ação, ajuizada pelo Conexão Política, o autor pediu que os perfis em questão (16 ao todo) fossem excluídos das redes sociais. A juíza, no entanto, não acatou o pedido. O processo tramita em segredo de justiça.
Para Emerson Grigollette, advogado especialista em Direito Digital, uma vez identificados, os integrantes dos perfis poderiam, dependendo de cada caso, ser responsabilizados por crimes contra a honra – difamação, calúnia e injúria – e podem estar sujeitos a indenizações por danos morais e até mesmo materiais, caso sejam comprovados prejuízos financeiros.
“Eventualmente, a depender de cada caso, pode ocorrer também constrangimento ilegal, ameaça, extorsão, entre outros crimes mais graves”, afirma.
O que é o Sleeping Giants?
O método do perfil principal do Sleeping Giants Brasil, bem como de outros perfis regionais que atuam em coordenação, funciona principalmente nas redes sociais. Nas publicações, os ativistas “marcam” os perfis de empresas e pedem que elas deixem de anunciar em veículos de comunicação que possuem alinhamentos políticos divergentes do movimento, acusando esses veículos de propagação de fake news e discurso de ódio. As postagens são republicadas até que o “cancelamento” seja atendido.
Diante da ampla exposição dada nos perfis, as marcas cedem ao pensar que podem estar à beira de uma crise de imagem. Não atender automaticamente à solicitação faz com que as empresas anunciantes virem alvo de uma onda de linchamento promovida pelos seus seguidores. Esses passam a pressionar as empresas ameaçando deixar de consumir seus produtos ou serviços, avaliá-las negativamente nas plataformas digitais e até mesmo denunciar seus canais digitais. Ou seja, há prática de intimidação com o objetivo de sufocar financeiramente veículos que estão no campo político oposto do Sleeping Giants Brasil a fim de torná-los financeiramente inviáveis. A Gazeta do Povo já foi alvo do grupo.
O Sleeping Giants Brasil, que exibiu viés político de esquerda desde a sua origem, no começo de 2020, iniciou a sua atividade se definindo como um movimento de caráter neutro, cujo único objetivo seria evitar a propagação de fake news e discurso de ódio por meio do boicote. Mas, em pouco tempo, a escolha enviesada de seus alvos escancarou um posicionamento político claro. Figuras públicas de esquerda são poupadas, enquanto vozes de direita são perseguidas.
Protegido pela aura de proteção aos direitos humanos, o grupo brasileiro dissimula seu viés político e convence muitas empresas a aderirem ao boicote, especialmente por conta do impacto que o número de interações provoca nos tomadores de decisão das companhias.
Anonimato inicial seguido de exposição massiva dos supostos criadores do perfil oficial
Após meses de sucessivas investidas contra seus alvos, resguardados pelo anonimato contra responsabilizações judiciais pelos supostos atos ilícitos, em dezembro de 2020 um casal de namorados residente no interior do Paraná – ambos com 22 anos, sendo um motorista de Uber e uma vendedora de maquiagens –, manifestaram-se publicamente como os únicos administradores do perfil oficial do grupo, porém não apresentaram provas das alegações de que agiam sozinhos. Em entrevistas concedidas à imprensa no início das atividades do movimento, ainda sob anonimato, um porta-voz que se identificou como criador do perfil havia informado que mais pessoas estavam por trás das atividades.
A estratégia de atribuição de autoria das atividades ao casal ocorreu em um momento em que surgiam dúvidas sobre o financiamento feito ao grupo; que vários veículos que haviam sido alvo dos ataques passavam a tentar identificar os criadores do perfis para responsabilizá-los judicialmente; e que até mesmo uma investigação da Polícia Federal sobre o movimento já estava em curso.
Conforme o casal afirmou à Folha de S. Paulo, eles agiam sob anonimato porque recebiam ameaças de morte diárias. No entanto, a exposição ocorreu com uma estratégia de comunicação que incluiu entrevistas coordenadas com diversos veículos de comunicação nacionais e internacionais, sessões de fotos e uma massiva exposição dos nomes e pormenores da vida pessoal do casal, o que contraria o argumento inicial de que teriam receio de se identificar publicamente.
Apesar de afirmarem que nunca haviam trabalhado com internet e que um dos integrantes sequer tinha conta na principal rede social usada pelo grupo, a atuação dos operadores do perfil nunca denotou traços de amadorismo – o que rendeu mais de 400 mil seguidores em menos de dois meses. Para protegerem suas identidades, um dos sites do movimento foi hospedado em um servidor estrangeiro, o que dificulta a obtenção de quaisquer dados de seus autores. Além disso, os desenvolvedores utilizaram um serviço estrangeiro de proxy anônimo no registro do domínio para manter suas identidades em segredo (no Brasil, há uma vedação legal ao anonimato, o que não permite a disponibilização desse tipo de serviço).
A única forma de contato se dava por um e-mail hospedado em uma plataforma estrangeira que possui um sistema avançado de encriptação e servidores localizados na Suíça. Isso significa que os dados dos utilizadores estavam protegidos pelas leis de privacidade do país, tornando difíceis quaisquer formas de identificação.
Após a exposição, o casal passou a capitalizar abertamente suas atividades. Na primeira campanha de arrecadação, foram coletados mais de R$ 200 mil.
Facebook e Twitter
À Gazeta do Povo, a assessoria de comunicação do Facebook afirmou que, como o processo corre em segredo de justiça, não comentaria a decisão. Procurado, o Twitter também preferiu não comentar o caso no momento.
A reportagem também contatou o perfil oficial do Sleeping Giants Brasil, porém não houve retorno até o fechamento desta reportagem.