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A adoção de crianças com mais de 6 anos e adolescentes assusta algumas famílias no Brasil, mas a Justiça vem tentando mudar esse cenário. Os casos de acolhimento com essa faixa etária são menos frequentes, mas existem. Como a escolha da jornalista e produtora Carla Coelho de adotar um menino de 12 anos, o João.
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Após descobrir que tinha dificuldades para engravidar e perder um bebê, Carla e o marido Maurício decidiram entrar no cadastro nacional de adoção. Seguiram todo o processo de habilitação e definiram o perfil desejado para adoção. Carla conta que queria uma criança branca, parda ou indígena de até 3 anos e 11 meses, sem deficiência, seguindo a mesma preferência da maioria dos pretendentes.
Com o passar dos meses e sem encontrar o filho ou filha que tanto almejava, a jornalista se encantou pelo João, quando o viu pela primeira vez em um evento promovido pelo lar de acolhimento. "Eu vi o João e senti que era o filho que eu queria pra mim", diz.
Para adotar o João, Carla seguiu todo trâmite necessário e descobriu que ele tinha outros três irmãos e uma mais velha que já era independente. O processo correu e ela conquistou a guarda do João em dezembro de 2017. "Os outros irmãos foram adotados [por outras famílias] e nós estivemos juntos no passo a passo desse processo. Caminhamos juntos e os irmãos se comunicam, a irmã mais velha que tinha saído do orfanato foi acolhida na nossa casa e a amparamos com os estudos pra que possa conseguir um emprego", explica.
Desde que acolheu o João, Carla diz que o amor só aumentou ao longo dos anos. E sobre o "preconceito" que muitos têm em adotar crianças mais velhas ou adolescentes por temer a "personalidade pronta", ela reforça a necessidade do "encontro". "A grande questão da adoção é o encontro, é você se livrar do paradigma do DNA", ressalta.
"O amor da maternidade é maior do que eu mesma A adoção na adolescência, nada mais é do que a maternidade, só que com alguém mais velho. E isso não significa que pais e mães por uma adoção tardia, não vão de alguma forma, arcar com algumas consequências. No que diz respeito, a personalidade pronta que muitos falam, isso tem a ver com as verdades e a história que adultos, crianças e adolescentes vão construir a partir do encontro", complementa a jornalista.
CNJ conta com busca ativa para estimular adoção tardia
Atualmente, há mais de 33 mil candidatos habilitados no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), enquanto pouco mais de 4.300 crianças estão aptas para adoção. Apesar da existência de quase oito vezes mais pretendentes do que crianças, os abrigos continuam superlotados, pelas preferências das famílias.
A maioria das casas de abrigo conta com crianças com mais de 8 anos, com irmãos, alguns com sequelas físicas ou mentais, características que acabam dificultando a adoção.
"A conta não bate porque o perfil estipulado pelos pretendentes, na grande maioria, é de crianças de 0 a 3 anos. O Poder Judiciário e toda rede que atua nessa área da adoção trabalha na conscientização dos pretendentes em relação à mudança do olhar que se deve ter para as outras crianças e adolescentes que desejam um lar", afirma a juíza Noeli Reback, do Tribunal de Justiça do Paraná, e diretora-executiva da Associação Brasileira dos Magistrados da Infância e da Juventude (Abraminj).
Para tentar mudar esse cenário, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) criou, em 2019, a ferramenta Busca Ativa Nacional que disponibiliza fotos e vídeos de crianças e adolescentes aptos à adoção para candidatos habilitados, quando todas as possibilidades de encontrar famílias compatíveis no SNA foram esgotadas, tanto no âmbito nacional quanto internacional.
O sistema conta com informações de aproximadamente 770 crianças. Desde sua implementação em 2019, 312 crianças foram adotadas por meio dos projetos de busca ativa. O processo de busca ativa segue diretrizes padronizadas estabelecidas pelo CNJ. Conforme as normas, as informações de uma criança ou adolescente só podem ser divulgadas se expressarem seu desejo de participar e com autorização do juiz responsável pelo caso. Além disso, a plataforma apenas divulga os prenomes dos meninos e meninas, e as imagens são marcadas com a marca d’água do CNJ e o CPF da pessoa que acessou as informações.
Recentemente, o CNJ também lançou um manual que dispõe sobre a entrega voluntária e o adequado atendimento de gestantes ou parturientes que manifestem o desejo de entregar o filho para adoção. A entrega de uma criança para a adoção está prevista em lei e é considerado o melhor caminho para mães que não têm condições (econômicas, psicológicas, etc.) de cuidar e criar os filhos depois do parto, evitando inclusive a realização de um aborto.
Programas de incentivo à adoção tardia
Pelo Brasil, também existe uma série de programas das Varas de Infância de Juventude que tentam incentivar a adoção tardia. No Distrito Federal, foi criado em 2019 o programa Em Busca de um Lar para aumentar as chances de adoção de crianças e adolescentes que seguem esperando por uma família em razão de não integrarem o perfil desejado pela maioria dos pretendentes.
De acordo com Tribunal de Justiça do DF, o cadastro de adoção somente do Distrito Federal conta hoje com 509 famílias e 82 crianças e adolescentes, o que representa mais de seis famílias habilitadas para cada criança cadastrada. O perfil desejado pelos habilitados, no entanto, não corresponde ao de quem espera para ser adotado.
Dos jovens que hoje figuram no cadastro local de adoção, cerca de 90% têm mais de 2 anos. Do outro lado, cerca de 7% das famílias atualmente habilitadas aceitam acolher crianças acima dos 3 anos. Metade de quem espera pela adoção integra um grupo de irmãos, enquanto 30% das famílias aceitam acolher até um trio de irmãos. Para equacionar essa diferença de perfis, o programa da 1ª VIJ-DF dá visibilidade a esses meninos e meninas e, com o auxílio da busca ativa – ação de procurar proativamente famílias em condições legais para adotar –, tem proporcionado o encontro entre pais e filhos por meio da adoção. Recentemente, o casal Raquel e Maicon adotaram os irmãos Zenilda, Kauã, Maria Francisca e Francisco Joaquim por meio do auxílio do programa.
De 2019 até abril de 2023, quatro participantes tiveram o processo de adoção concluído – uma dupla de irmãos adolescentes, uma menina de 10 anos com deficiência e uma criança de 4 anos com paralisia cerebral. Atualmente, 14 crianças e adolescentes estão em processo de adoção por meio do programa – incluindo grupos de irmãos e jovens com idade considerada avançada pelo perfil clássico de adoção e/ou com problemas de saúde.
No Paraná, a juíza Reback destaca o aplicativo pioneiro que foi criado para ampliar a busca ativa de famílias por crianças e adolescentes. O aplicativo se chama A.dot e conecta crianças do Cadastro Nacional de Adoção com famílias de todo o país. "Com o A.dot muitas crianças, que não fazem parte do perfil definido, deixam de ser invisíveis e passam a ser conhecidas por possíveis pretendentes. E temos visto grandes avanços no Paraná, inclusive de adoção de adolescentes com 17 anos", destaca Reback.
Famílias interessadas em adotar devem procurar o Juizado de Menores para darem início ao processo de habilitação e participar do Curso Preparatório aos Postulantes à Adoção oferecido pelas Varas de Infância e Juventude. Quem tem interesse em adotar adolescentes, grupos de irmãos, crianças e adolescentes com deficiência, doença crônica ou necessidades específicas de saúde tem prioridade legal na habilitação e na tramitação do processo de adoção.