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Justiceiros da Riachuelo

Riachuelo em obras: “rua maldita” fascina curitibanos de todas as castas. | Daniel Derevecki/Gazeta do Povo
Riachuelo em obras: “rua maldita” fascina curitibanos de todas as castas. (Foto: Daniel Derevecki/Gazeta do Povo)
O sobrado do 407: mistério remanescente da Belle Époque |

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O sobrado do 407: mistério remanescente da Belle Époque

Riachuelo, o líder Craim Jaber: ele queria o Novo Mundo |

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Riachuelo, o líder Craim Jaber: ele queria o Novo Mundo

Riachuelo, 487. O advogado Eládio, dono da casa de 1906 |

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Riachuelo, 487. O advogado Eládio, dono da casa de 1906

Riachuelo, 295. Eloá, a produtora de seis longas-metragens |

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Riachuelo, 295. Eloá, a produtora de seis longas-metragens

Riachuelo, 427. Kleber e Ernani no Solar Veneza: a memória e o futuro |

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Riachuelo, 427. Kleber e Ernani no Solar Veneza: a memória e o futuro

Riachuelo, 305 (frente). Jéssica - da Vila Camargo ao Centro |

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Riachuelo, 305 (frente). Jéssica - da Vila Camargo ao Centro

Riachuelo, 305 (fundos). João Batista: Xerox no corredor |

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Riachuelo, 305 (fundos). João Batista: Xerox no corredor

Riachuelo, o inventor. O arquiteto Mauro Magnabosco: desde os tempos de estudante |

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Riachuelo, o inventor. O arquiteto Mauro Magnabosco: desde os tempos de estudante

Riachuelo com São Francisco. Nicelma, a síndica do Ed. Rosinha |

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Riachuelo com São Francisco. Nicelma, a síndica do Ed. Rosinha

Veja quais são os desafios da Rua Riachuelo |

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Veja quais são os desafios da Rua Riachuelo

"Escreve aí que essa rua foi injustiçada", proclama João Batista de Jesus Mota, 55 anos, detrás do balcão onde trabalha na Rua Ria­­chuelo, Centro de Curitiba. O homem tem todas as credenciais para esbravejar: soma mais de uma década de circulação pelo local, mora no trabalho e assiste – do fundo de um corredor onde está instalado seu minúsculo estabelecimento – à rotina incomum de uma das vias mais faladas da capital.

Mal falada, melhor dizendo. A Rua Riachuelo – que até meados do século 20 concentrou parte do comércio elegante da cidade – se converteu, pouco a pouco, em sinônimo de botecos pé-sujo, baixa prostituição, tráfico e mendicância. Já foi chamada de Boca do Lixo. E nos últimos tempos ganhou a alcunha de Cracolândia curitibana. Um currículo e tanto.

Basta pensar num dos rituais diários dos cerca de 70 lojistas da região. Pela manhã, empunham a mangueira de água e encharcam as calçadas de desinfetante. "Os visitantes noturnos nos deixam lembranças em estado líquido e sólido", debocha Lindonês da Silva, 40, o Sabiá, dono de uma das 30 lojas de móveis da rua. Aliás, Sabiá pôs à venda uma rara geladeira Norge, rosa-bebê, por R$ 1,5 mil. Quem sabe aparece um comprador de fino-trato. Mas do que sobrevive mesmo é da pechincha de móveis para quitinetes de estudantes. A Riachuelo é assim: um crônico ser ou não ser.

Descobrir as causas da decadência é tarefa para uma leva de historiadores. Não há consenso. Uns dizem que a culpa foi dos ônibus expressos, que a partir dos anos 70 transformaram o boulevard num corredor. Outros, por ironia, alegam que a retirada dos ônibus, em 1995, deixou a via à própria sorte. Há quem diga que o problema é de nascença: a Riachuelo é estreita, tem perspectiva pouco atraente e está na periferia da Rua XV. Por castigo, ficou com as sobras.

Por essas e outras, é provável que poucas ruas de Curitiba tenham sido alvo de tantos projetos urbanísticos, como o que a prefeitura promove agora. Quem passa e vê prédios como os da antiga Relojoaria Raeder ou o fantasma do Palácio Hotel não resiste. Fica imaginando que um dia foi um belo local. E planeja sua redenção.

Deu-se assim com o arquiteto Mauro Magnabosco, 57, ex-presidente do Ippuc e membro do corpo técnico do órgão. Antes de chegar ao instituto, contudo, foi um entre os muitos jovens do interior que vêm estudar na capital. Desem­barcou aqui em 1974 e se tornou um inquilino da Riachuelo. Lem­­­bra bem da cara que os colegas faziam quando dava seu endereço.

Hoje, entende a estranheza que o nome "Riachuelo" desperta. Daí seu senso de realidade sobre o futuro da rua que o abrigou. É o coordenador da revitalização. Mas não a imagina a área transformada num entreposto de lojas elegantes. "Vai ser por muito tempo ainda a rua dos patrícios", desafia.

A fala de Magnobosco é uma boa notícia. Um dos maiores temores é de que a nova empreitada da prefeitura vire um genocídio cultural. Saem as lojas populares, os bêbados e as meninas da noite e entram donos de elegantes brechós e franquias, edificando um espaço artificial.

É fato que algumas variações no comércio e na habitação fariam um bem danado à "Riachuelo cansada de guerra". Mas não se pode esquecer que faria falta ao Centro de Curitiba um lugar tão original, cuja diversidade encontra similares nos charmosos Centro Velho de Santos e na Lapa carioca.

Olhos para ver

À primeira vista, a Riachuelo choca pela quantidade de vidros quebrados, imóveis históricos avariados e gente com "noia" ao deus-dará. Passada a primeira impressão, fica a surpresa: na rua estreita onde sempre se vê pelo menos dois homens carregando armários – fora da faixa – ouve-se muita conversa fiada. É gente que se trata pelo nome. Eis um sinal de fumaça.

Nas duas semanas em que a reportagem da Gazeta do Povo circulou pelo local, deu para ver árabes em colóquio, comerciante cortando as unhas dos pés na porta da loja e ouvir testemunhos de que a Riachuelo, apesar do reboco caindo e da falta de polícia, não é o pior dos mundos. "Todo mundo se fala", festeja o advogado Eládio Prados Júnior, 56 anos, um dos que têm feito justiça à velha rua.

Eládio representa uma Ria­­­chuelo que a maioria não vê. Não se parece em nada à turma do comerciante Chaim Jaber, 58, porta-voz da "pequena república sírio-libanesa" – com folga a tribo mais visível do pedaço. Jaber chegou da Síria, há 25 anos, disposto a comprar um negócio no Novo Mundo – "mas aqui era mais barato". Fez seu pé de meia e mantém três filhos na faculdade com os rendimentos das "lujinhas". É a história de muitos por ali.

O curitibano Eládio é um homem culto, que cultiva antiguidades. Há dez anos, comprou um imóvel erguido em 1906, a "pensão da Olga". O tempo passou, levando o telhado e trazendo toneladas de lixo. "Era uma casa muito engraçada", brinca, diante do prédio restaurado ao custo de R$ 20 mil. Ali funciona seu escritório. "Onde eu ia encontrar um lugar em que posso colher abacates pela janela?"

Alguns metros para cima do "sobrado dos abacates", outro endereço reforça a tese de que há muitas Riachuelos. No número 427, vê-se um casarão estilo francês, erguido em 1952 para abrigar a velhice do ex-deputado federal João Theófilo Gomy Jr. e sua mu­lher, Anita. Até o final da década de 60, a mansão foi palco de casamentos e da finesse dos anfitriões.

Com a morte do casal começou a decadência. O endereço virou mocó. Em 2007, um dos herdeiros, o agrônomo Ernani Bengui Neto, 36, desembolsou R$ 300 mil pelo palacete e chamou uma caçamba para levar 40 caçambas de entulhos. Depois veio a reforma, assinada por Tito Calderari e Carolina Rousseau, e o milagre.

Quem passa pela Riachuelo não desgruda do "427", alvíssimo. Os leões venezianos no terraço sinalizam o fim dos dias ruins. O primeiro inquilino da nova fase é o designer curitibano Kleber Puchaski, 37, idealizador de uma empresa que pesquisa novos designs. "Preciso estar em contato com todos os tipos de gente. Estou no lugar certo", afirma Kleber.

É mais ou menos o que repetem outros personagens das cinco quadras mais surpreendentes do Centro. A produtora de cinema Eloá Petreca, 42, tem em seu currículo os longas Cafundó, de Paulo Betti, e Quanto vale ou é por quilo?, de Sérgio Bianchi, para citar dois. Está na Riachuelo há 12 anos e paga "novecentão" por um dos tantos imóveis do seu Chaim. O espaço tem infra-estrutura precária, mas tem charme. "A baixaria rola nas quadras de cima", diverte-se, referindo-se ao Cine Lido II .

Perto das "quadras de cima" também fica o edifício "Dona Rosinha", erguido em 1949 e com 30 apês. Um deles é da artesã Nilcema Ratim, 45, riachuelense convicta. "Parece haver um pacto. Ninguém mexe com moradores. Já vi cada coisa dessa janela que você nem imagina..."

Bom, Nilcema viu da sacada as filmagens do longa Estômago, de Marcos Jorge. Come nos restaurantes da São Francisco. Anda a pé. Ela lista seu roteiro: "Padaria Amé­rica – cinco quadras; o Guaíra, ali em baixo". Soltar algum elogio à rua é regra cívica, não importa a quadra.

Até a recém-chegada Jéssica Soares, 18, desmancha-se. Ela divide uma quitanda com o namorado. Sabe nada de Cafundó e Estômago. Mas tem vendido muita banana e não sente saudades do antigo endereço, a Vila Camargo, no Cajuru. Eis a graça.

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