CCJ e plenário do Senado aprovaram nome de Kassio Nunes Marques ao STF após sabatina.| Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado
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Na sabatina em que o Senado aprovou a indicação de Kassio Nunes Marques ao cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), as pautas de costumes foram um tema abordado com pouca frequência, mesmo com a grande controvérsia sobre a suposta inadequação do novo ministro ao perfil conservador que se esperava do indicado.

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Nas poucas vezes em que precisou responder sobre temas de costumes durante a sabatina, Marques só emitiu com alguma clareza sua opinião pessoal quando questionado sobre o aborto. “No meu lado pessoal, sou um defensor do direito à vida, e tenho razões pessoais para isso, por questões familiares, pessoais, experiências minhas vividas. Então a minha formação é sempre em defesa do direito à vida”, disse.

Sobre outros temas, o novo ministro foi evasivo. Por exemplo, em relação à homofobia e à união LGBT, ele afirmou: “Nós temos uma cultura jurídica no Brasil em que essa conformação jurisprudencial segue até determinado limite. E a minha opinião, como operador do Direito, é que esses limites foram atingidos, ou seja, há certa pacificação social no que diz respeito a isso. Agora, compete ao Congresso Nacional fazer a transformação dessa jurisprudência em norma, possibilidade em que ela pode ser alterada, em que ela pode ser aperfeiçoada, em que ela pode ser adequada às circunstâncias do momento.”

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Na mesma sabatina, Marques justificou suas respostas evasivas dizendo que sua condição de magistrado não permitia que ele opinasse sobre esses assuntos, porque a Lei Orgânica da Magistratura veda que um magistrado se manifeste fora do exercício da sua função sobre um processo que esteja em tramitação. O novo ministro apoiou-se três vezes nessa justificativa para não detalhar suas posições – por exemplo, ao explicar por que não detalharia sua visão sobre o julgamento da ADPF 442, que trata sobre a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação.

A cautela de Kassio Nunes Marques se justifica? Faz sentido que ele evite falar às claras sobre pautas de costumes para evitar uma sanção?

As opiniões de alguns juristas sobre a justificativa de Kassio Nunes Marques

Juristas consultados pela Gazeta do Povo analisaram a justificativa de Kassio Nunes Marques para não responder com detalhes aos questionamentos sobre pautas de costumes. Eles concordam que o novo ministro precisaria ter cautela para não emitir juízos diretamente relacionados com detalhes dos julgamentos em tramitação no Supremo. Mas manifestar de forma clara sua opinião sobre os temas gerais que envolvem essas pautas não seria um problema.

Renato Rodrigues Gomes, mestre em Direito Público pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), considera a justificativa de Marques “uma desculpa esfarrapada”. “Ele falar de um assunto de modo genérico, sem dar a opinião dele sobre um processo específico, não tem absolutamente nada de mais. Muito pelo contrário, mostra honestidade intelectual, mostra clareza sobre o que ele pensa. Eu não gosto desse tipo de postura. Você pega um artigo de lei e faz uma interpretação – que eu chamo de manipulação – de acordo com sua conveniência”, afirma, em referência à interpretação que Marques fez da Lei Orgânica da Magistratura.

Gomes destaca que um juiz só precisaria ter essa cautela ao se manifestar sobre o processo em si. “Sobre o processo, e não sobre os temas sobre os quais os processos versam. O que ele não poderia fazer, em tese, é se manifestar sobre o processo em trâmite no Supremo, sobre o que ele acha que deveria ser a decisão… Agora, falar sobre o assunto em si? Nenhum problema. É uma manipulação semântica grosseira”, critica.

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Para o professor Antonio Jorge Pereira Júnior, doutor em Direito pela Universidade de São Paulo, Marques “está tergiversando em face da pergunta”. “Ele se tornou magistrado há pouco tempo e poderia tranquilamente ter manifestado sua opinião enquanto advogado, acadêmico etc.”, destaca. “ Ele não poderia, no máximo, emitir juízo sobre o caso… Mas obviamente poderia, sim, dar opinião”, analisa.

Já o jurista André Gonçalves Fernandes, pós-doutor em filosofia do direito pela Unicamp e professor-visitante da Universidade de Navarra (Espanha), pondera que, ao não se manifestar sobre casos em tramitação, Marques se protege de eventuais acusações de parcialidade nos julgamentos. “A melhor medida de prudência, nesse caso, até para evitar futuros questionamentos na hipótese de ele ser favorável ao direito à vida, incondicionalmente, é permanecer em silêncio. Não sei se ele quis dizer isso”, afirma. “Se ele votar contrariamente à ADPF 442, ele não pode ser acusado de eventual parcialidade por já ter se pronunciado antes a respeito do assunto”, explica.