Frederico Lange era apaixonado pelas paisagens do Paraná. Ele as retratou inúmeras vezes em suas telas, mas tinha certa predileção pelo Pico Marumbi, montanha de Morretes, cidade natal do artista, no Litoral do Paraná. Da paixão nasceu o desejo de, ao morrer, ser enterrado em pé e de frente para o monte de 1.539 metros de altura. O local ganhou até outro nome por causa disso: Lange de Morretes. “Como ele estudou na Alemanha e tinha outra pessoa com o mesmo nome, decidiu oficializar Morretes como sobrenome”, conta o historiador Éric Hunzicker.
A paixão pela cidade litorânea fica evidente também em versos escritos pelo artista. “Em 1935, ele escreveu sobre as belezas da cidade: ‘Quantas vezes, sentado à margem do Nhundiaquara. esperei o dia, quantas vezes, esquecido à sua margem, a noite me surpreendeu. Como é belo, com a face orvalhada, assistir à vitória dos raios e ver as águas nos remansos bafejarem aos beijos do sol. Nas tardes, mornas nuvens cobrem o azul do céu e espalham-se com as velhas casas ribeirinhas na limpidez das águas quase paradas. Como são belas as noites, quando a crista das montanhas parece transformar os seus píncaros em dedos, para reter as estrelas no firmamento sobre a cidade. O morretense sente esta beleza’”, cita Hunzicker.
Theodoro de Bona, amigo e conterrâneo do pintor, relata no livro Curitiba Pequena Montparnasse a relação de Lange com a morte: “afirmava coisas absurdas, entre elas, a de sua morte, com data marcada com dois anos de antecedência”. Embora a profecia não fosse levada muito a sério pelos amigos, ela se cumpriu. Em 19 de janeiro de 1954, Frederico passou mal, procurou um hospital e, lá, pediu para tomar um banho. “Advertido por um enfermeiro que não estava em condições de tomar o banho, insistiu, dizendo que se não lhe fosse permitido, se retiraria do hospital e iria morrer na rua. Entrando no chuveiro abriu a água, foi acometido por uma parada cardíaca e deixou de viver”, conta o livro.
“Eu tinha 12 anos e fui ao sepultamento do Lange de Morretes. O caixão não entrava no túmulo e, então, Mikare Thá lembrou-se de que Lange havia lhe confidenciado o desejo de ser enterrado em pé, de frente para o Marumbi”, afirma o historiador. Thá era um dos irmãos responsável pela construtora e tratou de atender o desejo do amigo.
“Os túmulos mais antigos têm um formato arredondado, com a estrutura em arco, porque não havia materiais que sustentassem os quadrados. Eles eram mais estreitos, por isso o caixão não entrava”, explica a presidente da Associação Brasileira de Estudos Cemiteriais e pesquisadora da arte tumular, Clarissa Grassi.
O artista paranaense responsável pelos pinhões estilizados das calçadas em petit-pavé de Curitiba teve seu desejo atendido no dia seguinte. A sepultura fica no fundo do cemitério de Morretes, aos pés do Marumbi, ornamentada com caramujos. Lange de Morretes também era cientista e se dedicava à malacologia, ramo que estuda os moluscos.
Lista de Falecimentos - 19/09/2015
Condolências
Deixe uma homenagem a um dos falecidos