Uma história que tinha tudo para dar errado. Por cerca de três séculos, eles foram retirados à força de suas famílias e viraram escravos em solo brasileiro. Estima-se que de 4 milhões a 7 milhões de africanos atravessaram o Oceano Atlântico em navios negreiros. Oficialmente, a escravidão só terminou há 125 anos, quando a Lei Áurea foi publicada, no dia 13 de maio de 1888. A imigração forçada obrigou os africanos a adotarem o Brasil como sua nação.
Mas a história dá voltas e hoje é impossível imaginar o país sem a contribuição dos descendentes de escravos.
O que seria, por exemplo, da literatura sem Machado de Assis? Onde estaria o país do samba? O legado cultural transmitido a outros grupos pelos afrodescendentes é inegável. "A arte barroca deve muito aos negros. A música e a literatura também", exemplifica o coordenador do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade de Brasília (UnB), Nelson Inocêncio.
No Paraná, onde muitas vezes se dá mais valor à imigração europeia, a história não é diferente. As marcas dos africanos são presentes e significativas em todo o estado. Para explorar a história quase esquecida dos negros no Paraná, a exposição "Passado e Presente: caminhos de uma identidade", realizada pelo Museu Paranaense, em Curitiba, será aberta ao público na próxima terça-feira.
Presença no PR
A mostra conta com imagens, documentos e objetos que fizeram parte do passado dos negros no estado e também fotos de quem representa a história no presente, com pessoas trabalhando e se divertindo. "Mostramos que o negro está, aos poucos, conquistando espaço e respeito", conta o antropólogo e curador da exposição, Jurandir de Souza.
Em Curitiba, não há como passear pelo centro histórico e não se lembrar dos negros. "Todos os prédios da região foram construídos por braços negros", afirma Souza. Monumentos fazem menção ao passado e presente negro na capital do estado: a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, fundada por uma irmandade negra em 1737, o pelourinho da Praça Tiradentes e o antigo Largo da Fonte, construído na Praça Zacarias em homenagem ao mulato Zacarias de Góes e Vasconcellos primeiro presidente da província do Paraná (1853-1855). A obra foi concluída em meados de 1871.
Há ainda a Praça Zumbi dos Palmares, em homenagem ao ícone da resistência à escravidão. No interior do estado as referências também existem, como a Fazenda Capão Alto, em Castro, que abrigou uma comunidade de escravos no século 19. Isso para citar só alguns exemplos.
Segundo o antropólogo, é o legado cultural o mais representativo da comunidade negra no estado e no país. "Nesse aspecto a contribuição é imensa; passa pelo carnaval, pela gastronomia, pelas danças, pela capoeira", ressalta Souza.
Apesar de trocas culturais, faltam inclusão social e cidadania
Que o legado cultural existe e está debaixo de nossos olhos não resta dúvida. Porém, a discriminação racial ainda é apontada como motivo de preocupação por estudiosos do tema. O coordenador do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da UnB, Nelson Inocêncio, ressalta que todo século 20 foi praticamente perdido. "Não existiram políticas públicas capazes de inserir os negros na sociedade. Neste século é que se começou a discutir melhor a questão", afirma. Ele avalia que as cotas nas universidades e a obrigatoriedade de as escolas ensinarem a história afro são avanços conquistados. "Mas isso é só o começo", salienta.
Segundo ele, há debates tensos com setores mais conservadores da sociedade. "Há pessoas intolerantes, que não respeitam o candomblé, por exemplo. Mas por outro lado temos uma lei que torna o racismo um crime", diz.
O professor de História Luiz Geraldo Santos Silva, da Universidade Federal do Paraná, afirma que o Brasil ainda é preconceituoso. "Trocas culturais não significam cidadania e não significam respeito à cultura negra", ressalta.
Para o antropólogo Jurandir de Souza, gradativamente os negros estão sendo mais respeitados. "As políticas afirmativas contribuem, mas ainda assim precisamos de uma inclusão social, já que temos uma massa que é excluída e os excluídos são negros."
Influências
Confira algumas contribuições da cultura de origem africana para a construção do Brasil:
Música: Além do samba, outros ritmos também vieram da África, como maracatu e congada. Sem falar de instrumentos popularizados no país, como agogô, atabaque e berimbau.
Culinária: Ingredientes como o leite de coco, a pimenta malagueta, o gengibre, o milho, o feijão preto, o amendoim, o mel, a castanha, as ervas aromáticas e o azeite de dendê não eram conhecidos nem usados no Brasil antes da chegada dos africanos.
Idioma: As línguas africanas exerceram tanta influência no modo de falar do povo brasileiro que a nossa língua já é considerada diferente do português de Portugal. Na Bahia, são usadas cerca de 5 mil palavras de origem africana.
Fonte: Agência Brasil