O movimento “Cotas, sim”, liderado pela Universidade Zumbi dos Palmares, lançou, recentemente, uma campanha nacional com o objetivo de pressionar o Congresso Nacional a renovar as leis que tratam de cotas raciais em universidades públicas e concursos públicos federais.
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A Lei 12.711/2012, que versa sobre cotas para o ensino superior, prevê uma revisão do programa após dez anos de sua implementação. De acordo com as informações veiculadas pela campanha, caso não seja aprovada uma nova lei que prorrogue o sistema de cotas raciais até 29 de agosto de 2022 (quando a lei completará seu décimo ano), a legislação atual perderia seus efeitos e as cotas seriam extintas. Não há, no entanto, nenhum dispositivo na lei atual que invalide o sistema de cotas. Há unicamente a previsão da revisão do programa no artigo 7º.
Apesar de o foco da campanha ser a renovação da lei que trata das vagas no ensino superior, o movimento também articula a prorrogação da Lei 12.990, de 2014, que prevê 20% de cotas para pessoas negras em concursos da administração pública federal. Essa norma, por outro lado, de fato estipula vigência de dez anos e, caso não seja ampliada até 2024, perderá os efeitos.
Campanha prevê abaixo-assinado e revisão da lei atual
A principal ação prevista na mobilização consiste em um abaixo-assinado (ativo desde o lançamento da campanha, no dia 5 de outubro) com o objetivo de mostrar ao Congresso que há apoio popular à medida. A estimativa dos organizadores é de que a petição alcance um milhão de assinaturas. Até o momento, entretanto, o engajamento é baixo – há menos de cinco mil assinaturas.
Conforme explica José Vicente, reitor da Universidade Zumbi dos Palmares – entidade privada sem fins lucrativos –, além da pressão aos parlamentares para votarem propostas sobre o tema que já constam na Câmara dos Deputados e no Senado, o movimento também trabalha na criação de um projeto de lei próprio.
Como outra frente da mobilização, um grupo que conta com a presença de três ex-ministros da Educação (Cristovam Buarque, José Henrique Paim e o atual secretário de educação do estado de São Paulo, Rossieli Soares) atua na revisão da lei de cotas com o objetivo de trazer indicadores aos parlamentares.
“A lei determina que, ao final de dez anos, o governo deveria fazer análise, avaliação e diagnóstico do que foi esse período: objetivos alcançados, grandezas, fraquezas, problemas e de que maneira a lei poderia ser aprimorada para cumprir melhor seus objetivos”, diz Vicente. “Como o governo não fez isso, criamos um grupo de trabalho para que, ao final, a gente produza essa revisão para subsidiar a avaliação dos parlamentares”.
Quanto a alterações no formato atual da lei de cotas no ensino superior, o reitor aponta que é preciso incluir mecanismos de apoio financeiro aos alunos socialmente vulneráveis; dispositivos que aumentem a presença dos cotistas em cursos mais concorridos, como medicina e engenharias; e regras padronizadas de combate a fraudes.
“A lei cita a autodeclaração, mas não definiu uma padronização para essa identificação a ser utilizada por todas as universidades e submetendo aos mesmos resultados. O que temos é cada um montando essa heteroidentificação do seu jeito, e muitas vezes a fraude tem prevalecido”, diz Vicente.
Os organizadores da campanha buscam pressionar os parlamentares a uma decisão ainda em 2021, uma vez que o próximo ano será de eleições presidenciais, o que poderia, segundo a organização, enfraquecer o debate sobre a lei de cotas. O reitor diz esperar que o Congresso vote alguma das propostas sobre o tema em novembro, com a aproximação do Dia da Consciência Negra (celebrado em 20 de novembro), como consequência das manifestações populares em referência à data.
“Devem ter manifestações das mais diversas nessa data, e pode ser que o Congresso tire da cartola um projeto de lei e o aprove. Se não fizer isso, vamos precisar esperar terminar esse ano legislativo para lá em março voltar com a carga total”, diz Vicente.
Críticas ao modelo atual de cotas
Um estudo do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), divulgado em 2019, concluiu que a Lei de Cotas aumentou em 39% a presença de estudantes pretos, pardos e indígenas vindos de escolas públicas nas instituições federais de ensino superior nos quatro primeiros anos de aplicação do programa.
Há, no entanto, críticas ao formato atual da legislação. O principal argumento contrário é de que, como para metade dos cotistas o fator “renda” não é considerado, pessoas negras e indígenas que figuram em classes econômicas mais altas podem ingressar nas instituições de ensino por meio das cotas, deixando de fora pessoas socioeconomicamente mais vulneráveis.
A Lei nº 12.711/2012 determina que todas as 69 universidades federais e os 38 institutos federais de educação, ciência e tecnologia reservem no mínimo 50% das vagas de cada curso para estudantes que concluíram o ensino médio em escolas públicas. Metade dessas vagas reservadas deve ser destinada a estudantes de famílias com renda mensal igual ou menor que 1,5 salário mínimo per capita. Dentro da quantidade total destinada aos cotistas, as vagas devem ser preenchidas por estudantes autodeclarados pretos, pardos e indígenas e por pessoas com deficiência em proporção no mínimo igual à proporção respectiva desses grupos no estado em que a instituição está localizada a partir do censo mais atualizado do IBGE.
A Gazeta do Povo questionou o reitor da Universidade Zumbi dos Palmares a respeito da implementação de mecanismos que impeçam que negros e indígenas que figurem entre as classes econômicas mais baixas acessem universidades públicas por meio das cotas raciais. Vicente disse que não tem conhecimento de que negros de classes mais altas tenham sido beneficiados pelas cotas, mas que uma discussão mais aprofundada sobre o estabelecimento desse tipo de critérios não deverá ocorrer tão cedo.
“Eu penso que por conta da temporalidade da lei e mesmo pelo olhar que está posto a essa questão nos dias atuais, acho que não é o momento adequado para mexer na lei. Acho que seria mais construtivo se aprovasse a prorrogação, e no final dessa prorrogação sentaríamos para analisar essas questões [de critérios econômicos]”, diz.
Para o deputado Dr. Jaziel (PL/CE), autor de um projeto de lei que propõe a retirada das cotas raciais da lei de 2012, excluir o critério racial da lei permite que todas as pessoas advindas das classes econômicas mais baixas tenham acesso à universidade pública por meio das cotas. A proposta do parlamentar é, portanto, efetivar o sistema de cotas sociais, que são focadas exclusivamente nos critérios econômicos para beneficiar estudantes de baixa renda de todas as raças.
“A educação superior pública, bem como o ensino médio técnico público, devem ser de acesso a todo e qualquer brasileiro, independentemente da cor e da raça. Cabe unicamente beneficiar aqueles que sejam egressos das instituições de ensino público e de baixa renda, assim como as pessoas com deficiência, critérios que são mantidos na norma legal”, diz o parlamentar.
Projetos de lei no Congresso Nacional
Com a aproximação da revisão da lei de cotas universitárias, diferentes propostas legislativas têm sido apresentadas em Brasília. Em dezembro de 2020, a deputada Maria do Rosário (PT-RS) junto com mais sete parlamentares apresentou o PL 5384. A proposição torna permanente a política de cotas no ensino superior.
“Apesar do sucesso apresentado pela lei em tornar diverso e plural o ingresso nas instituições federais de ensino, ainda não é chegado o momento de revisar-se a lei no período inicialmente previsto. Assim, considerando as nefastas consequências da escravidão, do racismo estrutural em nosso país, é preciso tornar permanente a reserva de vagas nas instituições mencionadas”, declaram os parlamentares na justificativa do PL.
No Senado, Paulo Paim (PT-RS) apresentou, em agosto de 2020, o PL 4656, que prevê que em vez da revisão única prevista para 2022, a lei de cotas seja reavaliada permanentemente a cada dez anos. Caso o preenchimento de vagas pelos grupos beneficiados seja menor do que a proporção desses grupos nos estados em pelo menos uma instituição de ensino, a lei seria automaticamente prorrogada por mais dez anos em todo o país. Se, por outro lado, todas as universidades federais e instituições federais de ensino técnico de nível médio alcançarem a meta de proporção dos grupos beneficiados com a medida, a lei poderia ser suspensa a partir de cinco anos após essa constatação.
Também no Senado tramitam os PLs 4662/2019 (Veneziano Vital do Rêgo - PSB/PB) e 1983/2021 (Jorge Kajuru - Podemos/GO), que propõem, respectivamente, incluir na lei de cotas idosos com mais de 70 anos e estudantes egressos de programa de acolhimento institucional.
Em direção contrária à manutenção do modelo atual, em março de 2019 a deputada Professora Dayane Pimentel (PSL-BA) apresentou o PL 1531, que altera a legislação de 2012 e elimina o critério racial da reserva de vagas, porém mantendo os benefícios para pessoas em vulnerabilidade social e para pessoas com deficiência. O objetivo da proposta – similar ao PL 5303, do deputado Dr. Jaziel – é tornar o programa de cotas exclusivo para pessoas pobres independentemente de sua raça e evitar que estudantes que tenham melhores condições econômicas se aproveitem da medida.
Na justificativa da proposta, a parlamentar argumenta que a Constituição Federal veda toda forma de discriminação e que, portanto, não caberia estabelecer distinções raciais na lei de cotas. “Se o disposto na Carta Magna se aplica a todos os âmbitos, não se deve dar tratamento legal diferenciado à questão racial para o ingresso na educação pública federal de nível médio e superior”, afirma a deputada. A proposta foi apensada ao PL 5303.
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