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Lei de Drogas é acusada de encher prisões sem acabar com o tráfico. O que pode mudar

Drogas apreendidas pela Polícia Federal. (Foto: Arquivo / Ministério da Justiça e Segurança Pública)

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Dos mais de 700 mil presos brasileiros, quase um terço deles está detido por crimes relacionados a drogas. Entre 2006, quando a chamada Lei de Drogas entrou em vigor, até junho de 2020, o número de presos por tráfico de drogas saltou de 31.529 para 207.487, segundo levantamento do Infopen. Das mulheres presas no Brasil, aproximadamente 60% cumprem pena por esse motivo. E, mesmo com esse aumento no encarceramento, o tráfico de drogas continua a ser um mercado bem-sucedido no país: em 2020 foram registrados números recordes de apreensão de drogas. O problema do encarceramento em massa sem redução do tráfico mostra o fracasso da Lei de Drogas e de toda a política criminal ao redor dela? Ou a Lei é um bom instrumento, mas insuficiente para um problema mais amplo, que precisa aliar-se a outras soluções?

A lei, em resumo, instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad) e prescreveu medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabeleceu normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; e também definiu crimes e deu outras providências com relação ao contato da sociedade com entorpecentes.

Renato Martins, mestre em Direito Penal e Criminologia pela Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do departamento de Políticas Criminais de Drogas do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), afirma que a lei de 2006 tem parte no crescimento de encarceramentos relacionados ao tráfico de drogas, contudo, acredita que a situação econômica e social do Brasil também contribui significativamente para a elevação das estatísticas.

“O aumento dos presos por tráfico de drogas é um reflexo desta lei, mas também reflete, em partes, a situação econômica e social do Brasil. Muitas pessoas encontram no tráfico de drogas um meio para sobreviver”, afirma o advogado. “Neste sentido, o que temos é uma quantidade expressiva de réus primários, ou seja, que estão se envolvendo pela primeira vez com as drogas. Sobretudo, as mulheres.”

Nos últimos 15 anos de exercício da lei, muitas revisões foram propostas. Uma delas é um anteprojeto apresentado em 2019 por um grupo de juristas - composto por desembargadores, membros do Ministério Público, juízes, professores e outros especialistas - que prevê uma grande reforma da Lei de Drogas e tem como ponto questionável a descriminalização do porte de qualquer tipo de droga em pequenas quantidades. Por outro lado, endurece as penas para práticas como o tráfico internacional de drogas.

Sobre o porte de pequenas quantidades de droga, especialistas lembram que a proposta de descriminalização fere o inciso XLIII ao artigo 5º da Constituição, que veta “tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins”, seja qual for a sua quantidade. E que permitir o porte de pequenas quantidades não impediria o trabalho do tráfico, que poderia se adaptar e ter vários criminosos distribuindo e portando as quantidades de droga previstas nessa lei, caso chegasse a ser aprovada.

Já em relação ao endurecimento das penas, é consenso que políticas baseadas apenas em encarceramentos ou a ameaças do aumento de tempo na prisão não têm sido suficientes para inibir os criminosos.

Outras três outras propostas (veja abaixo) trazem pontos polêmicos e estão com tramitação adiantada: uma que pede a liberação do plantio de maconha para fins medicinais e comerciais; outra que reivindica o endurecimento de penas para quem aliciar menores de 18 anos e uma terceira que tenta garantir o tratamento de saúde para o preso por porte de drogas.

A viabilização do uso medicinal da Cannabis Sativa

O PL 399, de 23 de fevereiro de 2015, é o mais recente projeto de lei em discussão no Congresso, e vem ganhando força desde meados de 2020. Originalmente o PL propõe a liberação do plantio da maconha para fins medicinais, mas um substitutivo apresentado pelo deputado federal Luciano Ducci (PSB-PR) ampliou o projeto para permitir o cultivo da planta também para fins comerciais e de pesquisa.

“Num primeiro momento poderíamos até aceitar um possível projeto como o original, mesmo sabendo que não há o uso medicinal da maconha”, afirma Roberto Lassere, advogado e coordenador do Movimento Brasil Sem Drogas, dizendo que apenas alguns elementos da planta, depois de sintetizados, apresentam alguns efeitos benéficos. “Mas o substitutivo que foi atrelado a este projeto de lei é extremamente arriscado.”

Lassere afirma que o substitutivo aprova o cultivo de maconha em larga escala, bem como seu processamento, pesquisa, armazenagem, e outros processos que facilitam o acesso a produtos à base de Cannabis no Brasil. “Será possível, por exemplo, a produção de chocolate de Cannabis, biscoito de maconha [...] Isso é completamente diferente do projeto inicial, que era focado exclusivamente na questão medicinal.”

A corrupção de menores no tráfico de drogas

Outro projeto sobre o tema, que tramita no Senado, é o PL n° 216 de 2017. A proposta pretende acrescentar um artigo na Lei de 2006 para tipificar a conduta e endurecer a pena àqueles que corrompem menores para a prática de delitos relacionados ao tráfico de drogas. O projeto, apresentado pelo então senador Ronaldo Caiado (DEM/GO), hoje governador de Goiás, justifica o endurecimento da Lei para que tal conduta não passe a ser somente uma causa de aumento de pena, mas sim, um delito autônomo.

O tráfico de drogas, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, é a segunda infração criminal mais cometida por jovens no país, superado apenas pelo furto, o qual muitas vezes ocorre com a finalidade de viabilizar o consumo de entorpecentes. Além disso, estudos da Organização Internacional do Trabalho apontam que o aliciamento de menores por narcotraficantes constitui uma das principais estratégias do crime organizado.

No âmbito do Poder Executivo, esse tem sido um grande desafio. O secretário de Cuidados e Prevenção às Drogas do Ministério da Cidadania, Quirino Cordeiro Junior, diz que o governo federal tem trabalhado para o endurecimento das ações contra o narcotráfico. Mas ele vê necessidades de modificações na lei para apoiar as ações do Executivo. "Sobre este aliciamento de menores, a pena para o traficante precisa ser efetivamente aumentada”, afirma.

O advogado do IBCCRIM, Renato Martins, levanta uma crítica sobre o projeto de Caiado e sobre sua justificativa para o endurecimento da pena por corrupção de menores: “O projeto é um exemplo péssimo deste endurecimento.”, afirma. “Fazendo uma interpretação absolutamente equivocada de uma decisão do STJ, o então senador Ronaldo Caiado propõe um 'Frankenstein' não só para aumentar a pena, mas para punir duas vezes aquele que comete o crime de tráfico envolvendo criança ou adolescente. Ou seja, pune-se pelo crime de corrupção de menor e depois condena-se pelo crime de tráfico, ainda assim, aumentando a pena por corrupção de menor”.

Tratamento à saúde do preso dependente de drogas

O Projeto de Lei 5181/2020 está em tramitação no Senado e foi apresentado pelo senador Eduardo Girão (Podemos/CE). O PL sugere alterar o art. 14 da Lei nº 7.210/1984 para estabelecer expressamente o tratamento à saúde do preso dependente de drogas.

Na proposta de alteração, o texto faz referência ao art. 22 da Lei de Drogas, que assegura ao preso ou internado dependente químico os serviços de atenção à saúde que atendam às diretrizes de reinserção social previstas na lei de 2006. O projeto quer garantir que esse artigo seja cumprido.

Sobre esse tema, é válido mencionar um dos resultados do Relatório Mundial sobre Drogas 2020, divulgado pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC). A pesquisa mostra que, em 2018, cerca de 269 milhões de pessoas consumiram entorpecentes em todo o mundo (um aumento de 30% em comparação a 2019). Além disso, mais de 35 milhões de pessoas sofrem com transtornos associados ao uso de drogas.

“O tratamento de dependentes químicos é extremamente importante”, afirma o secretário do Ministério da Cidadania. “É necessário que se tenha iniciativas, inclusive legislativas, para que a pessoa que foi encarcerada pague a sua pena, mas que, durante este período, também possa receber o tratamento e o cuidado necessários para se curar do vício.”

O que pensa o governo federal

Desde o início do mandato de Jair Bolsonaro, o governo federal se posicionou fortemente contrário à legalização de drogas no país. Em 2019, o Decreto 9.761, assinado em abril que estabeleceu a nova Política Nacional sobre Drogas (PNAD), junto à lei 13.840, teve como objetivos intensificar ações de repressão ao narcotráfico, com medidas como a alienação de bens apreendidos. Por outro lado, em relação à dependência, passou a incentivar a abstinência e a sobriedade.

STF julga constitucionalidade do porte de droga para consumo

O STF não terminou de julgar o Recurso Extraordinário que pede o reconhecimento de inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas e a consequente permissão do porte de qualquer droga em pequenas quantidades.

O caso em concreto, que foi reconhecido de repercussão geral, é o de um homem condenado a dois meses de prestação de serviço à comunidade por ter sido flagrado com três gramas de maconha. A Defensoria Pública de São Paulo recorreu da decisão alegando que a proibição do porte para consumo próprio ofenderia os princípios constitucionais da intimidade e da vida privada.

O julgamento, que começou em 2015, ainda não terminou, por causa de um pedido de vistas do então ministro Teori Zavascki. Gilmar Mendes, relator da ação, deu provimento ao pedido, considerando inconstitucional o dispositivo da lei. Luís Roberto Barroso votou pela descriminalização só da maconha, voto seguido por Luiz Edson Fachin.

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