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Em 16 anos, a Lei Maria da Penha trouxe luz a um problema escondido nos lares brasileiros.
Em 16 anos, a Lei Maria da Penha trouxe luz a um problema escondido nos lares brasileiros.| Foto: Imagem de Diana Cibotari por Pixabay

Maria*, de 24 anos, é uma das quase 200 mil mulheres no Brasil que conseguiram proteção policial contra a violência doméstica ou de gênero, em 2022, por meio da Lei Maria da Penha. No seu caso, a jovem foi vítima de perseguição e assédio sexual por parte de um parente distante, primo do pai, que a ameaçava e quase a levou ao suicídio. Ela só procurou ajuda após ter sido incentivada por amigas. “Tive medo de ele acabar com a minha família e por isso demorei para denunciar”.

A história é similar à de outras mulheres que, desde a aprovação da lei, em 7 de agosto de 2006, têm buscado o apoio de autoridades para sair de um ciclo de violência, na maioria das vezes sofrido na própria casa (veja aqui como encontrar ajuda). Nos últimos 16 anos, a aplicação da norma tem trazido à tona uma série de fatos escondidos em lares brasileiros pela vergonha das vítimas em denunciar. Mesmo assim, a lei ainda não tem sido suficiente para reduzir os índices de agressões.

Desde a implantação da lei em 2006, foram homologadas 438 mil medidas protetivas – ações impostas para proibir o agressor de chegar próximo à vítima –, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Os números, desde então, têm crescido ano a ano. Só em 2022, até o dia 8 de agosto, já haviam sido concedidas 198.574 medidas protetivas.

A quantidade de subnotificações também é alta, como alerta a campanha Agosto Lilás, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), e não há dados definitivos sobre sua extensão. Estudo feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública estimou que a cada minuto do primeiro ano da pandemia, oito mulheres teriam sofrido alguma agressão no país.

Os casos de feminicídio – quando o homicídio ocorre pela “condição de mulher” da vítima, como diz a Lei 13.104 de 2015, e não por outras causas – também preocupam. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022 registrou, em 2020, 1.354 mortes e, em 2021, uma leve redução para, 1.341 mortes. De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 82% dos casos desse tipo de violência são cometidos pelo companheiro ou ex-companheiro da vítima. Das vítimas, 70% não havia acionado nenhum órgão com rede de proteção, informou Grace Justa, responsável pelo Departamento de Políticas de Enfrentamento à Violência contra a Mulher, da Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres.

Cada vítima de feminicídio deixa, em média, dois órfãos, de acordo com levantamento realizado nas capitais do Nordeste (Pesquisa de Condições Socioeconômicas e Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, 2017), publicado pela Universidade Federal do Ceará (UFC) em parceria com o Instituto Maria da Penha. Em 34% dos casos, o número é maior ou igual a três crianças. Entre as mulheres que sofrem agressões, o levantamento mostrou também que 55,2% delas contaram que os filhos presenciaram a cena de violência ao menos uma vez. Nesse grupo, 24% das mulheres afirmaram que os filhos também foram agredidos pelo parceiro ou ex-parceiro.

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Insuficiências e injustiças da Lei Maria da Penha

A promotora de justiça do Rio de Janeiro e vice-presidente da Abrajuc, Somaine Cerruti, explica que a lei trouxe muitos avanços, especialmente na criação de redes de proteção às vítimas. Porém, além de destacar que a norma deveria ser repensada para atender com equidade todas vítimas de violência doméstica, ela lembra que a lei sozinha não basta para dar o apoio que as famílias nessa situação.

Um exemplo dessas ações, aponta Cerruti, seria a Patrulha Maria da Penha no Rio de Janeiro, que desde seu início, em 2019, já atendeu 18.011 mulheres, incluindo as que possuíam ou não medidas protetivas da Justiça. Em um ano e meio de atividade, foram presos 253 agressores, a maioria por descumprimento de medida protetiva ou flagrante de crimes contra a mulher. Os agentes realizam o acompanhamento com a autorização da vítima, com ligações telefônicas, rondas ou visitas periódicas às residências das mulheres em situação de agressão doméstica, fazendo o monitoramento do cumprimento das medidas protetivas e reprimindo atos de violência. As mulheres são encaminhadas pelos agentes ao Centro Especializado de Atendimento à Mulher (Ceam), onde a vítima é acompanhada por uma equipe técnica composta por assistente social, psicóloga e assessoria jurídica.

A advogada Márcia Dinis, presidente da Comissão de Criminologia do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), concorda com a visão de que faltam outras iniciativas para resolver o problema da violência doméstica. “A prioridade para combater a violência de gênero são as políticas afirmativas. Punir o agressor não resolve a violência doméstica, o que resolve é uma educação de propiciar condições para que a mulher possa ter a sua autonomia e liberdade e isso só acontece se tiver creches, escolas, acolhimento da mulher e condições de igualdade”, disse. A advogada também reforçou que “a lei deveria proteger vários segmentos que não estão na categoria de mulher, mas que sofrem o mesmo tipo de abuso”.

Além disso, várias mudanças feitas na Lei Maria da Penha e outras ainda em discussão são criticadas por criar crimes de forma vaga, que podem causar injustiças (quando a lei é usada como disfarce para perseguir alguém) e até prejudicar as próprias mulheres, principalmente no mercado de trabalho. Um exemplo disso foi a alteração da Lei Maria da Penha, por meio da Lei 14.188 de 2021, que criou o crime de “violência psicológica contra a mulher”, um conceito genérico no qual é possível enquadrar praticamente qualquer comportamento. No mercado de trabalho, isso faz com que as empresas evitem contratar mulheres, por medo de sofrerem ações judiciais indevidas, ainda que isso seja inconstitucional.

Outros projetos em debate – como obrigar empresas a darem folga durante três dias no ciclo menstrual, projeto de lei apresentado pelo deputado Carlos Bezerra (MDB-MT) – padecem do mesmo perigo.

Resistência à denúncia cria um “beco sem saída”

Quando a denúncia não é feita logo nos primeiros sinais de violência, o risco de assassinato é muito maior. Levantamento feito pelo governo do Distrito Federal, mostrou que 94% das vítimas de feminicídio em 2020 não realizaram boletim de ocorrência nem fizeram denúncia antes da fatalidade.

“Ninguém sai do ‘felizes para sempre’ ao feminicídio. Na violência doméstica, se fala muito do ciclo da violência, em que as coisas estão indo bem como se estivesse em lua de mel e depois tem uma situação mais grave, o agressor pede desculpa, a vítima vai mantendo e tudo começa piorar, e fica em um ciclo vicioso. As pessoas criam resistência e só começam a se dar conta quando estão no beco sem saída”, alerta Somaine.

Em alguns casos, as mulheres agredidas ficam proibidas de sair de casa e acabam não registrando o boletim de ocorrência e nem conseguindo pedir a medida protetiva na delegacia. Em outros, as mulheres buscam auxílio, mas acabam voltando para o convívio com o agressor. Outro fator apontado por especialistas que dificulta as denúncias, é a dependência de algumas mulheres aos seus maridos, de ordem financeira, emocional ou de outro tipo.

Um importante canal para denúncias é a Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180 que escuta e acolhe de forma qualificada as mulheres em situação de violência. O serviço, que funciona também em outros canais, registra e encaminha as denúncias aos órgãos competentes, bem como reclamações, sugestões ou elogios sobre o funcionamento dos serviços de atendimento.

Até julho deste ano, segundo dados do MMFDH, já foram feitas mais de 31 mil denúncias de violência doméstica familiar contra a mulher pelo canal. Somente no ano passado, foram registradas 69.407 denúncias.

O serviço também fornece informações sobre os direitos da mulher, como os locais de atendimento mais próximos e apropriados para cada caso: Casa da Mulher Brasileira, Centros de Referências, Delegacias de Atendimento à Mulher (Deam), Defensorias Públicas, Núcleos Integrados de Atendimento às Mulheres, entre outros.

*Nome fictício.

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