Já se passaram oito anos desde que o Brasil decidiu entrar para a lista dos países que buscam barrar o uso de chumbo como componente de produtos, como tintas, cosméticos e bijuterias. Mas a lei criada em 2008, estabelecendo os limites seguros para a saúde, ainda não foi regulamentada. Assim, ainda não se sabe quem é responsável por monitorar se a legislação está sendo cumprida. Sem fiscalização, adultos e principalmente crianças correm o risco de continuarem sendo expostos a um dos metais pesados com maior potencial de dano à vida.
O caso foi parar na Justiça. O Ministério Público Federal entrou com uma ação para obrigar o governo federal a indicar a autoridade que zelará pelo cumprimento da lei. Numa tentativa de correr atrás do tempo perdido, o Ministério do Meio Ambiente montou um grupo de trabalho para discutir a regulamentação para o mercado de tintas. A primeira reunião aconteceu em setembro e ficou definido que o Inmetro é quem vai fiscalizar as empresas fabricantes. Mas a forma do monitoramento ficou para reuniões seguintes, com previsão de concluir os trabalhos até fevereiro.
Sem fiscalização, restou, no máximo, a autorregulação. Dentro do Ministério das Cidades, o Programa Setorial da Qualidade se propõe a testar trimestralmente, entre outros aspectos, a presença de chumbo das tintas. De acordo com a Associação Brasileira dos Fabricantes de Tintas (Abrafati), eventuais problemas relacionados à composição com metais pesados estão restritos a uma parcela mínima do mercado. A entidade alega que cerca de 90% do volume de tintas imobiliárias do tipo latex comercializadas no país passam por avaliação no programa de qualidade.
Segundo Gisele Bonfim, gerente técnica da Abrafati, foi detectado chumbo nas amostras de duas empresas: uma teria porcentuais baixos, provavelmente residual de solda, e outra estava com alta concentração. Ambas foram advertidas e suspensas do programa até se regularizarem. O chumbo foi, aos poucos, sendo substituído por outros elementos, como pigmentos orgânicos. “Queremos um setor sem chumbo”, garantiu.
A ambientalista Zuleica Nycz, à frente de duas entidades que lutam para banir o chumbo, não se contenta com a autorregulação. Ela comenta que existem cerca de mil fabricantes de tintas e menos de 50 fazem parte do programa de qualidade – que também, como frisa, não tem o poder de fiscalizar e punir. Ela conta que já realizou testes em tintas que traziam no rótulo o selo livre de chumbo e encontrou o metal pesado em altas concentrações. No ano passado, duas amostras avaliadas pelo Inmetro indicaram que havia concentração do metal pesado acima do permitido.
Para a Associação de Proteção ao Meio Ambiente (Apromac) e pela Toxisphera Associação de Saúde Ambiental, é possível que muitos produtos, inclusive de uso infantil, estejam sendo comercializados com altos níveis de chumbo sem que ninguém saiba. Pesquisas revelam que as crianças são mais vulneráveis que os adultos à exposição ao chumbo: a proporção é um fator importante na contaminação e os corpos menores das crianças são mais suscetíveis. Se a contaminação ocorrer ainda no útero da mãe, a criança pode ter danos neurológicos irreversíveis.
Tintas velhas
O chumbo é acrescentado à tinta para produzir cores brilhantes, ajuda na resistência à corrosão e melhora o secamento. Apesar da gradual substituição por produtos menos perigosos, o risco continua principalmente em relação a tintas velhas, aplicadas há muito tempo. Quanto a pintura descasca, por exemplo, o pó pode ser facilmente absorvido. Além da aspiração, principalmente por pintores que lixam o material, as casquinhas de gosto adocicado são um convite para a ingestão por crianças. Para Zuleica, as tintas com altos níveis de chumbo são um gigantesco passivo ambiental.