Os petistas dizem que a cultura deve ganhar um “novo status” no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, após ter sido rebaixada de ministério à secretaria e sofrido uma série de mudanças na gestão do presidente Jair Bolsonaro. A ideia é multiplicar os recursos e acabar com a suposta “perseguição ou censura” que estariam sofrendo os artistas.
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A revolta da classe artística contra medidas de Bolsonaro começou quando o governo tentou democratizar os recursos - impedir que artistas consagrados, que não precisam de benefícios, continuassem a receber dinheiro público, e destinar esses valores para iniciantes com talento, a partir de critérios de qualidade. Medidas como a redução do teto de R$ 1 milhão para R$ 500 mil por projeto, do cachê por apresentação de R$ 45 mil para R$ 5 mil, fizeram com que os artistas procurassem a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que integra a Organização dos Estados Americanos (OEA), para reclamar do suposto desmonte da cultura do país (o problema não foi reconhecido pela CIDH).
Lula, na campanha, assumiu as dores dos artistas e prometeu acabar com todas as “dificuldades” criadas pelo governo Bolsonaro para a Cultura. Entre suas propostas estão a de criar novamente o Ministério da Cultura e ampliar os recursos destinados para projetos culturais, shows e eventos. Em um evento cultural no Pará, o candidato eleito disse que “é preciso parar de tratar a cultura como gasto”.
“A cultura pode gerar muitos empregos, e gera prazer, alegria, conhecimento. Vamos retomar o Ministério da Cultura e criar comitês estaduais de cultura”, disse Lula no evento realizado no belo Teatro da Paz, na capital do Pará
No plano de governo, o petista fala em criar “condições para a qualificação, ampliação e criação de políticas culturais, das condições de vida e de trabalho no mundo da cultura”. Também menciona a necessidade de valorizar “a cultura popular e periférica”, garantir “a plena liberdade artística” e fomentar “valores civilizatórios e democráticos”. Propõe ainda a “descentralização de recursos para Estados e o maior número possível de municípios”.
“Vamos criar comitês de cultura pelo país. O Brasil não pode transmitir apenas a cultura que interessa financeiramente. Precisamos conhecer a cultura que existe na Zona da Mata, Vale do Mucuri, Pernambuco. Vamos mostrar que nosso país é diverso”, escreveu Lula no Twitter, em maio deste ano.
O núcleo de Cultura nesta troca de governo está sendo coordenado pela atriz Lucélia Santos e já conta com a participação do secretário nacional de cultura do PT Márcio Tavares, do ex-ministro Juca Ferreira, a cantora Margareth Menezes, o músico Antônio Marinho, entre outros nomes que ainda devem ser indicados. O grupo vai desenvolver a formulação de políticas públicas e definir as diretrizes do setor durante o mandato de Lula.
“É hora de olhar para o futuro. Depois de anos de perseguição bolsonarista, precisamos nessa transição arrumar a casa para que a Cultura, que terá seu Ministério recriado, possa ter a importância que merece nas políticas públicas do nosso país. Trabalharei por isso!”, escreveu a atriz Lucélia no Twitter.
Sem um plano ainda definido para a cultura, o governo petista começa a especular nomes para assumir o ministério na próxima gestão. Entre os nomes cotados, aparecem a cantora Daniela Mercury; o empresário e produtor de São Paulo, Alê Youssef; o ex-ministro Juca Ferreira; o diretor do SESC em São Paulo, Danilo Miranda; e a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB).
Desvios nos recursos da Lei Rouanet
A ideia de ampliar os recursos para a cultura reacende o alerta sobre os desvios milionários que ocorreram no passado, durante os governos do PT, por meio da Lei Rouanet. São vários os exemplos. Um dos casos mais conhecidos foi a condenação, em março de 2020, de 12 réus, com penas que variam de 4 a 19 anos de reclusão, pela prática de ilícitos em 2016 na contratação e execução de projetos culturais aprovados pelo Ministério da Cultura no âmbito da Lei Rouanet, com desvios estimados em R$ 21 milhões.
Outro problema, que ainda não se sabe se o PT vai levar em conta e enfrentar, é a utilização dos recursos para artistas que não precisam dele. Também há muitos exemplos disso. Para Lúcio Big, diretor-presidente do Instituto OPS, uma entidade sem fins lucrativos que auxilia o cidadão a fiscalizar contas públicas, os investimentos para fomentar a cultura são necessários, mas a distribuição dos recursos deve ser mais criteriosa.
“A Lei Rouanet beneficia muito os artistas consagrados, e vejo que tem muita gente boa que acaba se frustrando por não conseguir financiamento pra mostrar o seu trabalho e talento. Deve-se ampliar os recursos, mas é preciso ter uma série de critérios maior para liberação, um percentual bem menor iria para os artistas consagrados que tem um trabalho bastante reconhecido, e um percentual bem maior para incentivar os novos artistas”, disse Big.
Foi com o dinheiro público da Lei Rouanet que alguns artistas consagrados fizeram turnês pelo país. Um deles, foi o cantor Luan Santana, que teve mais de R$ 4 milhões aprovados pelo Ministério da Cultura para a realização de uma turnê em 2014. Entre as justificativas para aprovação na época, o Ministério alegou “democratizar a cultura” e “difundir raiz sertaneja pela música romântica”.
No ano de 2013, foi feito um repasse de R$25 milhões da lei Rouanet para a realização de concertos musicais sem o conhecimento do maestro João Carlos Martins. Uma reportagem da Folha de S. Paulo mostrou que a empresa solicitante, Rannavi Projeto e Marketing Cultural, havia feito o pedido sem o consentimento do maestro. A empresa também possuía dados duvidosos e não havia repassado documentos que comprovassem a sua relação com os projetos do maestro e com outros dois projetos solicitados ao Ministério da Cultura.
“Infelizmente a gente está num país, que a corrupção já faz parte do cotidiano e ela vai continuar ocorrendo em qualquer local. O que a gente precisa é dar maior transparência a tudo que envolve a lei Rouanet, de tal modo que seja possível a sociedade fiscalizar e fazer um controle social”, destacou Big.
Gestão da cultura no governo Bolsonaro
A extinção do Ministério da Cultura foi uma das primeiras ações do presidente Bolsonaro ao assumir o cargo. O atual governo optou por transformar a pasta na Secretaria Nacional de Cultura, vinculada ao Ministério do Turismo.
O troca-troca de nomes responsáveis na Secretaria também causaram incômodo, seis pessoas passaram pelo cargo nos quatro anos de governo, entre eles a atriz Regina Duarte, em seguida o ator Mário Frias. Atualmente, o órgão é comandado pelo advogado Hélio Ferraz.
As mudanças para democratizar o acesso à Lei Rouanet, com intuito de evitar golpes e reduzir os gastos, também geraram consternação em alguns artistas, que atacaram publicamente as propostas, alegando que o governo federal pratica censura e age com autoritarismo.
Entre as mudanças na Lei de Incentivo à Cultura, além da diminuição do teto para a maioria dos tipos de projetos de R$ 1 milhão para R$ 500 mil, a redução no teto do cachê para artistas de R$ 45 mil para R$ 3 mil, foi instituída a obrigatoriedade de destinar 10% do valor a projetos iniciantes para patrocinadores que destinem a partir de R$ 1 milhão ao programa de fomento e acabou-se com a obrigatoriedade de contratação de escritórios de advocacia.
A oposição se mobilizou e conseguiu aprovar duas propostas questionáveis, a “Lei Paulo Gustavo” e a “Lei Aldir Blanc 2”. As duas normas criam obrigatoriedade de destinação de verbas, sem nenhum controle de qualidade como critério para a distribuição dos recursos. Estados e municípios devem, ainda, “assegurar mecanismos de estímulo à participação e ao protagonismo de mulheres, negros, indígenas, povos tradicionais e quilombolas, pessoas do segmento LGBT+, pessoas com deficiência, e de outras minorias”.
O primeiro projeto prevê a transferência de R$ 3,8 bilhões, do Fundo Nacional da Cultura (FNC), para estados e municípios distribuírem por meio dos fundos estaduais e municipais de cultura. Já o segundo, prevê uma política de auxílios permanentes ao setor cultural, na qual a União deve destinar R$ 3 bilhões anuais de orçamento federal a estados, municípios e ao Distrito Federal por um período de cinco anos, até 2027.
Ambas propostas, foram vetadas pelo presidente Jair Bolsonaro, para não permitir, segundo ele, que governadores destinassem dinheiro a “figurões que ficaram de fora da Lei Rouanet”. Porém, os deputados federais e os senadores derrubaram os dois vetos em sessão conjunta do Congresso e promulgaram as propostas.
Em agosto deste ano, o governo Bolsonaro editou uma Medida Provisória para adiar os repasses para o setor cultural previstos nas leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc. Todavia, a medida foi suspensa por meio de uma liminar aprovada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
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